“Nenhum personagem histórico entendeu melhor e mais profundamente o poder da cruz que Martinho Lutero, o reformador do século XVI”, escreve Mark Shaw.E Alister McGrath, um teólogo de Oxford, definiu a teologia da cruz de Lutero como “uma das compreensões mais poderosas e radicais da natureza da teologia cristã que a Igreja já conheceu”.
Em abril de 1518, Martinho Lutero (1483-1546), em Heidelberg, contrapôs seus “Paradoxos” teológicos como “teologia da cruz” (theologia crucis) à “teologia da glória” (theologia gloriae), isto é, à teologia eclesial dominante. Este episódio de 1518 tem sido descrito por Shaw como um “sussurro silencioso e ignorado”; constitui-se, entretanto, um grande engano passar despercebido por ele. No “Debate de Heidelberg”, travou-se a discussão da indulgência. Lutero contrastou a teologia da cruz com a teologia oficial, diante de uma igreja que se tornara segura e saciada. Como exemplo dessa realidade, para financiar o seu projeto mais extravagante, a basílica de São Pedro em Roma (incluindo a Capela Sistina), Leão X (1475-1521), eleito papa em 1513, resgatou a prática de cobrar indulgências, o que, de alguma maneira, precipitou a Reforma Protestante. Em Heidelberg, distinguindo entre o cristianismo evangélico bíblico e as corrupções medievais, Lutero entendeu que a igreja medieval seguia o caminho da glória ao invés do caminho da cruz.
Para Lutero a cruz é a marca de toda a teologia. “No Cristo crucificado é que estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus.” Conhecer a Deus pela cruz é conhecer o nosso pecado e o amor redentor de Deus. Deus, na cruz, destrói todas as nossas idéias preconcebidas da glória divina. O perigo em potencial que a teologia da cruz vê na sua antítese é que a teologia da glória levará o homem a alguma forma de justiça pelas obras, à tendência de se fazer uma barganha com Deus com base em realizações pessoais. Por outro lado, a teologia da cruz repudia firmemente as realizações do próprio homem e deixa Deus fazer tudo para efetivar e preservar a sua salvação.
Na doutrina de Martinho Lutero, a graça da justificação pela fé está rigorosamente orientada pelo Cristo crucificado.
Quem reconheceria que aquele que é visivelmente humilhado, tentado, condenado e morto é, internamente e ao mesmo tempo, sobremodo enaltecido, consolado, aceito e vivificado, não fosse o Espírito ensiná-lo pela fé? E quem admitiria que aquele que é visivelmente enaltecido, honrado, fortificado e vivificado é internamente rejeitado, desprezado, enfraquecido e morto de maneira tão miserável, se a sabedoria do Espírito não lhe ensinasse isso?
Quando a “sabedoria da cruz” não é entendida, também a Escritura permanece um livro trancado, pois a cruz de Cristo é a única chave para ela. A “sabedoria” humana se escandaliza com a Palavra de Deus e se irrita com a cruz de Cristo. Isto porque a nossa sabedoria está apaixonada por si própria, é como um doente que não quer que o médico o ajude. A nossa sabedoria é “sabedoria da carne”, que resiste à vontade de Deus. A cruz é o juízo daquilo que os homens se orgulham. A cruz é o juízo de toda glória humana, e a via crucis significa, por isso, desistir de toda glória humana. A cruz de Cristo contesta violentamente o senso natural.
Para Lutero, a cruz de Cristo e a cruz do cristão são vistas em conjunto; a cruz de Cristo e a cruz do cristão formam uma unidade. O teólogo da cruz não está posicionado como espectador em relação à cruz de Cristo, ma ele próprio é envolvido neste acontecimento. Por isso, ele não foge dos sofrimentos, tal qual o teólogo da glória, mas considera-os tesouro valioso. Para Lutero, o teólogo da glória “define que o tesouro de Cristo são relaxações e isenções de penas, sendo estas as piores coisas e as mais dignas de ódio. O teólogo da cruz, pelo contrário, [afirma que] o tesouro de Cristo são imposições e obrigações de penas, sendo estas as melhores coisas e as mais dignas de amor”.
Assim, para a teologia da cruz o sofrimento adquire significado todo especial. Os cristãos têm que se tornar iguais a seu Mestre em tudo e, por isto, têm de assumir a ignomínia de Cristo. Cristo nos precedeu no caminho que rejeita toda grandeza humana. A glória do cristão consiste nesta “fraqueza e baixeza”. E sua baixeza se revela no ato de levar o sofrimento. Visto que em meio à vida de Cristo está erigida a cruz, a vida do cristão é discipulado e sofrimento. Uma razão, diz Lutero, pela qual as pessoas querem uma teologia da glória em vez de uma teologia da cruz é que elas “odeiam a cruz e o sofrimento”. Mas, à luz da cruz, o sofrimento serve a um propósito importante, a saber, a autonegação. Ela nos esvazia de nossa autoconfiança, para que possamos ter confiança em Deus. Contudo, o sofrimento jamais deve tornar-se “boa obra”, e não encontra sua origem em idéias ascéticas. A cruz do cristão está em unidade com a cruz de Cristo, e com isto está excluída por si só toda a idéia de mérito da pessoa, que pudesse ser obtido pelo sofrimento.
Ao carregarmos nossa cruz, não fazemos com isso nada especial, mas simplesmente demonstramos que estamos em comunhão com Cristo. E também nem todo sofrimento pode reivindicar ser discipulado da cruz. Que significa isto: carregar a cruz de Cristo? “A cruz de Cristo outra coisa não é exceto o abandonar tudo e agarrar-se somente a Cristo pela fé do coração, ou seja: abandonar tudo e crer – isso é carregar a cruz de Cristo”.
Assim, a cruz torna-se sinal da filiação divina. O padrão da cruz se torna o padrão de toda a jornada cristã. Lutero expressa este conceito ainda mais, nas seguintes palavras:
Por isso somos ensinados aqui a crer contra a esperança na esperança; esta sabedoria da cruz está hoje por demais oculta em mistério. Também para o céu não há outro caminho do que esta cruz de Cristo. Por isso é preciso precaver-se, para que a vida ativa com suas obras, e a vida contemplativa com suas especulações não nos seduzam. Ambas são extremamente atrativas e tranqüilas, e por isso também perigosas, até que sejam temperadas pela cruz e perturbadas pelas adversidades. A cruz, no entanto, é de todas as coisas a mais segura. Bem-aventurado quem entende.
Em seu clímax, a vida sob a cruz se apresenta como “conformidade com Cristo”. Assim, conforme a teologia da cruz, a vida do cristão nada mais é do que “ser crucificado com Cristo”. O batismo não está apenas no começo da vida cristã, mas no ato do batismo temos o símbolo de toda a vida cristã: um constante morrer e ressuscitar com Cristo. “Ser crucificado com Cristo” realiza-se de dois modos: no interior da pessoa pela “mortificação” e no exterior pela inimizade do mundo. Porém, o conceito luterano do morrer do velho homem precisa ser traçado com base na doutrina da justificação. A mortificação não é obra meritória. Ela não é pré-requisito para a fé que alcança a graça, mas, inversamente, pressupõe a fé. Lutero, neste sentido, não se gloria na sua cruz, mas se gloria na graça de Deus. A teologia da cruz, em Lutero, se encontra na mais aguda oposição a qualquer moralismo.
De acordo com Lutero, ser crucificado com Cristo revela-se ainda no fato de um verdadeiro cristão ter de atrair necessariamente sobre si a inimizade do mundo. A inimizade do mundo é sinal para a autenticidade do discipulado. Pois o próprio evangelho é um escândalo para o mundo. A exemplo de Cristo, vestimos a “forma de servo”; renunciamos todo orgulho, fama e honra diante do mundo e de nós mesmos, e nos deixamos envolver na ignomínia de Cristo. Tornar-nos conformes com Cristo outra coisa não significa do que experimentar o fato da cruz também em nossa vida. Somos pessoas conformes com Cristo quando a cruz não permanece apenas um fato histórico, mas quando ela está erigida em meio à nossa vida. Isto, não obstante, é fruto da graça de Deus.
A cruz é, portanto, um paradoxo: Deus rejeita os orgulhosos, mas aos humildes concede a sua graça; ele rejeita os heróis, mas derrama o seu amor justificador aos fracassados. Assim, a humildade é a virtude básica da vida sob a cruz, do mesmo modo como a soberba é o verdadeiro e o maior pecado. Somente a fé pode perceber essa realidade verdadeira e paradoxal. A fé e a humildade estão intimamente relacionadas. A fé ensina a humildade, pois a fé é “negação de nós mesmos”, total renúncia e confiar na graça de Deus. Nesta negação de todos os direitos humanos, a fé se identifica com a humildade. Ostentar a própria humildade, como numa espiritualidade monástica, não é humildade.
(...) ninguém se considera humilde ou se gloria de sê-lo, a não ser o que é o mais orgulhoso. Somente Deus reconhece a humildade, e também somente ele a julga e revela, de sorte que a pessoa jamais tem menos consciência da humildade do que justamente quando é humilde.
Por isso, a busca monástica por humildade não faz nenhum sentido. O caminho da humildade não vai de fora para dentro, mas de dentro para fora. Não podemos apresentar nossa humildade (“nulidade”) como mérito diante de Deus. Humildade é a renúncia consciente a todas as qualidades humanas com as quais poderíamos argumentar. Neste sentido, a humildade tem que preceder à fé, pertence ao alicerce crítico da fé. Justificação pela fé só poderá acontecer onde houver sido posto este alicerce. Neste sentido, humildade, tal como a fé, não é uma virtude. É a renúncia de toda virtude; é saber que não podemos subsistir perante Deus com nossa virtude. “Humildade nada mais é do que o auto-reconhecimento perfeito, que encerra a fé justificante.” Este conceito luterano de humildade não se compara em nada ao sentido católico-sinergista. Todo sinergismo está excluído.
Por conseguinte, Lutero conta a cruz e o sofrimento entre os sinais particulares da igreja (nota ecclesiae). Faz parte da natureza da igreja encontrar-se ela no sofrimento; uma igreja da qual não se pode afirmar isso é uma igreja que se tornou infiel à sua destinação. A Igreja pode ser seduzida pela teologia da glória e se transformar em uma religião de boas obras e análises dos desempenhos dos fiéis. Lutero usou, portanto, a idéia de uma forma sofredora da igreja criticamente contra o papado e para julgamento da história da igreja. O Cristo morto e ressurreto está trabalhando em meio à fraqueza da Igreja, preparando-a para mostrar a sua força. De modo similar, o Cristo morto e ressurreto “julga a Igreja onde ela se tornou orgulhosa e triunfante, ou segura e presunçosa, e a chama para voltar ao pé da cruz, onde lembra da maneira misteriosa e secreta que Deus trabalha no mundo”.
A teologia da cruz conhece a Deus no próprio lugar onde Ele se ocultou – na cruz, com os seus sofrimentos, todos eles considerados fraqueza e loucura pela teologia da glória. Deus é conhecido e compreendido não na força, mas na fraqueza, não numa demonstração impressionante de majestade e poder, mas na exibição de um amor que se dispõe a sofrer a fim de converter o homem para si: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça” (Rm 3.24-25). No momento em que a proclamação eclesial deixa de ser uma pedra de tropeço para o povo, isto é sinal de que ela traiu o evangelho. No escândalo, porém, é que está o “poder do evangelho”. A adoração ou pregação que faz as pessoas sentirem-se bem consigo mesmas, ou satisfeitas com suas palavras e pensamentos arrogantes sobre Deus, é uma adoração da glória que condena nossa alma e nos separa de Deus. Quando a igreja perde sua cruz, “trocando-a pelo aplauso desta era ou a medida de sucesso deste mundo, acaba se deparando com um futuro pouco promissor”, escreve Shaw.
A cruz de Cristo continua sendo ofensiva, como foi na época em que os primeiros cristãos começaram a falar dela como o caminho de Deus para a salvação. E nossa função, como a de João Batista, é apontar para Jesus Cristo crucificado – “Olhem o cordeiro de Deus!” E hoje, nesta era antropocêntrica e narcisista, a Igreja deve prosseguir dizendo ao homem: A si mesmo se negue, e dia a dia tome a sua cruz, e siga a Cristo.
Mais sobre a Teologia da Cruz de Lutero.
A Sociedade dos dias de Lutero era ansiosa. O medo das doenças e morte, a culpa e a sensação de condenação geravam uma ansiedade sem precedentes. A obsessão medieval mórbida pela morte fomentava estas inquietações. O medo da anarquia geral desenvolvido pelas instabilidades políticas e econômicas era visível. O temor de um apocalipse iminente clamava por um sentido e propósito para a vida.
A Igreja Católica já não satisfazia a necessidade espiritual do povo. As organizações para-eclesiásticas, as ordens, os monastérios, as escolas, se multiplicavam em progressão geométrica. O papado estava falido espiritual e economicamente. A teologia popular[1]tentava responder aos anseios da alma dizendo: “Esforce-se ao máximo e espere pelo melhor”.
Martinho Lutero
Martinho Lutero nasceu na Alemanha, em 1483 e morreu em 1546 em um período de frieza espiritual. Sua esposa foi Catarinavon Bora com quem teve seis filhos, falecendo em 1552. Seu pai trabalhava nas minas de cobre e sua mãe era sincera e devota. A base de sua religião foi rígida, ensinando um Deus rígido e vingativo. Aos treze anos seu pai o mandou para a escola franciscana onde se apresentava freqüentemente no confessionário e esmolava para conseguir sua subsistência. Formou-se em direito na Universidade de Erfurt em 1505. Comemorando a formatura anunciou que iria para um monastério.
Aos vinte e dois anos apresentou-se ao convento dos agostinianos. Aos vinte e cinco foi nomeado para a cadeira de filosofia em Wittenberg. Em 1512 obteve seu doutorado em teologia. Entre os anos de 1514 e 1516, Lutero entendeu a justificação pela fé em Romanos 1.16-17. Em um período de esgotamento espiritual, inclusive o próprio, a percepção da justificação pela fé escoou balsamicamente sobre Lutero.
Aos trinta e três anos, em 31 de outubro de 1517, fixou à porta da Igreja do Castelo em Wittenberg, suas 95 teses. Conhecia bem o grego, hebraico e latim. Era um grande músico. Durante o tempo em que ficou preso no castelo de Wartburg, de maio de 1521 a março e 1522 completou a tradução do Novo Testamento grego para o alemão. Em 1530, reuniu-se a Dieta de Augsburg, onde Melanchton apresentou a Confissão de Augsburg que Lutero elaborara a Dieta. Esta Dieta, posteriormente foi transformada no Credo oficial da Igreja Luterana.
Estudo e Cronologia
Lutero não escreveu uma teologia sistemática como Tomás de Aquino ou como estamos acostumados a ver na contemporaneidade. Ele era um intérprete da Bíblia e dedica-se vastamente aos comentários e, principalmente, do Antigo Testamento.
Em suas perspectivas teológicas, sobressaem-se os temas da liberdade, da diferenciação entre lei e evangelho e da justificação somente pela fé.
Traduziu o Novo Testamento durante seu exílio forçado em Warrburgo em apenas onze semanas. Com a tradução do Antigo Testamento gastou quase dez anos.
Segue-se uma breve cronologia de sua vida:
- 1483 – Em 10 de Novembro, em Eisleben, na Alemanha Central, nasce Lutero;
- 1488 – Começa a estudar na Escola Municipal de Mansfeld;
- 1497 – Passa pela escola latina de Magdeburgo;
- 1498 – Estuda humanidades em Eisnach (gramática, retórica e dialética);
- 1501 – Matricula-se em Artes Liberais (geometria, aritmética, música e astronomia) na Universidade de Erfurt;
- 1505 – Inicia o curso de Direito em Maio; mas por quase morrer em uma tempestade troca a universidade pelo convento;
- 1507 – É ordenado diácono e, posteriormente sacerdote; empreende estudos de teologia;
- 1508 – Torna-se professor de Filosofia Moral na Universidade de Wittemberg;
- 1509 – Conclui Teologia e regressa a Erfurt como professor de Teologia Dogmática;
- 1510 – Viaja para Roma e se desencanta com a secularização do clero;
- 1511 – Volta para Wittemberg e inicia seu doutorado em teologia;
- 1512 – Obtém o título de doutor em Teologia e torna-se professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Wittemberg;
- 1517 – Escreve as 95 teses contra o abuso das indulgências e as envia ao arcebispo Alberto de Mogúncia, comissário dos indultos e ao bispo diocesano Jerônimo Schlz, de Brandemburgo;
- 1520 – Queima a bula papal;
- 1521 – É excomungado pelo papa Leão X; perde seus direitos de cidadania e traduz o Novo Testamento para o alemão;
- 1525 – Deixa o refúgio de Warttburgo e volta para Wittemberg;
- 1525 – Casa-se com a ex-feira Catarina von Bora, de 26 anos;
- 1534 – Conclui a tradução da Bíblia toda;
- 1546 – Morre em Eisleben.
A contribuição mais profunda de Martinho Lutero ao pensamento teológico foi a Teologia da Cruz. Cinco meses depois de ter pregado as noventa e cinco teses na porta do Castelo de Wittemberg, Lutero formulou a theologia crucis. Essa teologia da Cruz contrasta com a teologia da glória e é bem mais entendida em harmonia com o Deus Absconditus (“o Deus oculto”) e o Deus Revelatus (“o Deus revelado”).
Antes da queda o homem era capaz de conhecer Deus de modo direto, o Deus Revelatus. Porém, após a queda, o Deus revelado tornou-se oculto e a única maneira de ser restaurada a comunhão do homem com Deus seria através da Redenção. Deus sempre é conhecido pelo homem através da cruz, e somente ali. Lutero protestava: Solus praedica Sapientum crucis, “Prega esta única coisa, a sabedoria da cruz”.
Lutero colocou a Cruz no centro da teologia cristã e Cristo no centro da Bíblia. Enquanto a teologia medieval tentou conciliar a cruz com a filosofia grega, Lutero percebeu que esta tentativa havia fracassado. Estudando Romanos e Coríntios, Lutero observou que Paulo expunha aparentes oposições. A salvação renuncia às obras. A força de Cristo é demonstrada na Sua morte.
A sabedoria humana não nos leva integralmente ao conhecimento de Deus. Esse Deus somente pode ser encontrado no sofrimento e na cruz de Cristo. Lutero baseia sua argumentação em Rm 1.22, dizendo que as pessoas, mesmo sabendo da existência de Deus, não o respeitam nem o adoram e se voltam contra o próprio Deus. Então Deus escolheu esta forma para revelar-se, forma que passa pelo “caminho da cruz”.
O que a cruz diz a respeito de Deus? Respondendo a pergunta, Lutero atacou a maneira como se fala acerca de Deus: “Não pode ser chamado de teólogo aquele que descreve a natureza de Deus e seus atributos com base nas coisas que foram criadas”. Estas coisas não podem transformar corações. A teologia que visa explicar estas coisas seria uma teologia de algibeira, teologia baseada em divagações humanas. Esta teologia Paulo chamou de “Teologia da Glória”. Falar sobre Deus através de pressupostos humanos geraria orgulho. A teologia ou o louvor feitos de maneira errada podem gerar o orgulho espiritual, algo que Deus odeia. O homem pode até chegar ao conhecimento da existência de Deus e discernir entre o bem e o mal, como os filósofos o fizeram, mas este não é o verdadeiro conhecimento de Deus. “A teologia da glória era uma teologia do orgulho porque tornava o teólogo arrogante, alguém que afirmava ver Deus como ele realmente é”.
A “teologia da glória” recebe este nome porque pretende ver Deus como é, em sua própria glória, sem ter em conta a distância enorme que separa o ser humano de Deus. O que a teologia da glória faz no final das contas é pretender ver Deus naquelas coisas que os humanos consideram mais valiosas. Porém tudo isso não é mais do que fazer Deus à imagem e pretender que Deus seja como o homem deseja que ele seja.
No pensamento de Lutero, a chave para se entender as Escrituras é o “paxadoxo”. “Paradoxo” é uma declaração aparentemente contraditória, mas que encerra verdade. Para o cristão viver, é necessário morrer.Quando está fraco, aí é que está forte. O humilhado é exaltado. O rico é pobre. A sua sabedoria é loucura. Dentre os paradoxos cristãos, encontra-se a cruz. Kierkgaard e Barth em séculos posteriores fazem amplo uso deste tema em suas teologias.
Conhecer Deus pela fraqueza e loucura da Cruz humilha ao homem porque foi a fraqueza, a loucura e vergonha humana que Deus carregou sobre Si quando foi à Cruz do Calvário. Deus na cruz tornou-se um retrato da humanidade: impotente diante da morte, mas ainda sob o julgamento da morte. Conhecer Deus pela cruz é cada ser humano conhecer o seu pecado e receber o amor redentor de Deus. Assim, Lutero propõe que em lugar da teologia da glória, se siga o caminho da teologia da cruz.
O que essa teologia busca é ver Deus, não onde nós queremos vê-lo, nem como nós desejamos que Ele seja, mas sim onde Deus se revela, e como Ele mesmo se revela, isso é, na cruz. Ali Deus se manifestou na debilidade, no sofrimento, no escândalo. Isso quer dizer que Deus atua de um modo radicalmente distinto do que poderia se esperar. Deus, na cruz, destrói todas as nossas idéias pré-concebidas da glória Divina. Quando conhecemos Deus na cruz, o conhecimento anterior, isso é tudo o que sabíamos acerca de Deus, cai por terra. O que agora conhecemos de Deus é muito distinto do outro suposto conhecimento de Deus em sua glória.
A glória de Deus é ampliada quando pensamos e falamos sobre Ele em termos de crucificação. Somente Ele é grande o suficiente para ganhar perdendo. Somente Ele é amoroso o suficiente para amar o que não pode ser amado. Somente Ele é eterno o suficiente para ser tragado pelo tempo e pela morte e ainda sobreviver para contar como foi. O ensino da cruz significa que tudo o que é dito sobre Deus na adoração e na proclamação deveria ser moldado pelo vocabulário da cruz. A adoração ou pregação que faz as pessoas sentirem-se bem consigo mesmas ou satisfeitas com suas palavras e pensamentos arrogantes sobre Deus é uma adoração da glória que condena a alma e afasta de Deus. A adoração e pregação que consideram em primeiro lugar o paradoxo da derrota aparente de Cristo serão ressuscitadas para ter uma nova vida pascal. Deus jamais deve ser conhecido pelas circunstâncias.
As circunstâncias freqüentemente são confusas e, algumas vezes, negativas. Não iremos entende-lo a menos que procuremos por Deus onde Ele está mais escondido nas sombras escuras da fraqueza aparente e da derrota que envolvem a morte de Cristo na cruz.
A perspectiva de Lutero considera a experiência como algo de importância vital para a teologia; sem ela, a teologia é empobrecida, e deficiente, como uma concha oca, vazia, que espera por sua pérola. Contudo, a experiência por si só não pode ser tida como fonte teológica confiável; ela deve ser interpretada e revista pela teologia.
Para Lutero, a teologia da cruz não era um capítulo à parte na teologia, mas uma determinada maneira de viver e fazer teologia. Lutero foi em direção contrária à teologia da glória, passando a enfatizar que somente acontece justificação na obra redentora de Cristo. A hermenêutica usada por Lutero tem como critério Jesus Cristo, compreendendo-o através da revelação de Deus na história.
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