terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O mal é o que sai da boca do intelectual de esquerda.

Por Alceu Garcia
Maio de 2002

Conta Aristóteles que seu mestre Platão ocasionalmente interrompia as aulas que ministrava na Academia para questionar-se, e a seus alunos, se no tema desenvolvido eles estavam partindo dos primeiros princípios ou no caminho que se dirige a eles. No Brasil são poucos, mesmo nos mais sisudos centros acadêmicos, os que efetivamente se preocupam com essa investigação preliminar de máxima importância em qualquer campo do saber. Nos debates públicos ventilados na imprensa, então, nem se fala. Nesse universo marcado pelo falatório sofístico não só inexiste preocupação com princípios, como a própria linguagem encontra-se tão corrompida que é impossível sequer saber com um mínimo de clareza e precisão do que se está tratando nas discussões. E o maior problema é que a adulteração do sentido das palavras é deliberada, envolvendo um projeto de dominação ideológica no sentido marxista do termo, a falsa consciência, o véu de idéias forjadas por um grupo para, ocultando a realidade, explorar os demais com a anuência expressa ou tácita dos próprios explorados.

Esse grupo é a classe letrada, a intelligentsia, obcecada pelo socialismo e imbuída do método gramsciano de reforma do senso comum para implementá-lo, como tem denunciado e fartamente provado o filósofo Olavo de Carvalho. A depravação da linguagem torna impossível identificar, isolar, compreender e enfrentar os problemas postos para a coletividade. Como discutir proveitosamente sobre algo que sequer sabemos o que é?

O objetivo desse texto é contribuir modestamente para a difícil tarefa de remover a névoa pegajosa e traiçoeira que recobre certas palavras e expressões vertidas incessantemente na imprensa por intelectuais e políticos de "esquerda" (mas não apenas eles), de modo que os interessados de boa-fé possam ao menos tentar entender com alguma nitidez o que realmente está sendo afirmado e se as propostas de ação política reclamadas são compatíveis ou não com os fins (ocultos ou declarados) almejados.

"JUSTIÇA SOCIAL" – Justiça deriva do latim justitia, exprimindo conformidade com o Direito, não necessariamente o Direito Positivo, legislado, que pode ser, e frequentemente é, injusto (ex: pensão vitalícia de dez mil reais para ex-governadores), mas os princípios gerais derivados dos valores que formam a Ética de um determinado grupo, que antecedem e informam as leis objetivas e sua interpretação, consubstanciado no mister de dar a cada um aquilo que é seu, como diziam os juristas romanos. E cada indivíduo só é proprietário daquilo que produziu com o seu próprio trabalho ou que adquiriu contratualmente por meio de trocas voluntárias (compra e venda, locação, contrato de trabalho, doação, etc). Social vem de sociale, relativo à sociedade (do lat. societate), ou seja, uma coletividade humana. Ora, se justiça é dar a cada um o que é seu, infere-se necessariamente que a existência de mais de um indivíduo é sua condição sine qua non .


 Não havia necessidade de justiça para o solitário Crusoe em sua ilha deserta, antes do aparecimento do Man Friday. Tudo lhe pertencia. Assim, toda justiça é por definição social, um imperativo de convívio humano. O adjetivo "social" é, pois, redundante e dispensável. O mesmo obviamente ocorre com outras expressões, tais como "movimento social", "política social", "investimento social", "questão social", "direitos sociais", "democracia social" e muitas outras. Quem se lembra do slogan da propaganda oficial do malsinado Governo Sarney? Era "Tudo pelo Social", o cúmulo do estelionato semântico demagógico. Até o erudito e em geral lúcido J. G. Merquior embarcou nessa canoa furada com o seu "liberalismo social". O economista e filósofo Friedrich Hayek, em seu clássico Law, Legislation and Liberty, deu-se ao trabalho de enumerar dezenas de termos adjetivados com o infalível "social", que nada acrescentava de racional e esclarecedor aos respectivos substantivos.

Se o "social" nada significa de relevante, porque é tão usado? Porque o sentido oculto dessa palavra é "socialismo", ou seja, a intervenção coletiva, política, estatal, na esfera de autonomia individual, mesmo e sobretudo aquela em que as pessoas não estão tomando dos outros o que não lhes pertence. Em outras palavras, "social", nesse contexto, consiste em ações coercitivas por meios das quais aqueles que detém o Poder Político ordenam os comportamentos e dispõem do patrimônio dos indivíduos da forma que bem entendem, dando a cada um o que, segundo critérios inteiramente arbitrários, entendem que cada um merece. Vê-se que o "social" é mais do que tautológico em relação à justiça. É incompatível com ela. "Justiça social" é pura e simplesmente injustiça. E quem aceita esse conceito distorcido e contraditório como premissa para o debate, mesmo que não seja socialista, já admitiu a viabilidade prática e conferiu validade moral ao socialismo.

"POLÍTICA PÚBLICA" – Política origina-se do grego polis, cidade-estado, daí politiké, ciência dos negócios de Estado, ou seja dos negócios públicos, sendo que público tem raiz no latim publicu, relativo à coletividade, oficial, estatal. Ou seja, "política pública" é mais uma expressão vazia, pois se é política já é pública. Seu uso tem se disseminado a partir das principais estações difusoras do gramscismo – as universidades – sobretudo por soar bonito, vestindo um modelito novo e sedutor às velhas e já algo desgastadas "políticas sociais", intervenções estatais indevidas no domínio particular para "resolver" problemas que desastradas "políticas sociais" anteriores causaram. "Política pública" é, assim, mais um eufemismo para – adivinhem? – socialismo.

"NEOLIBERALISMO" – Liberalismo é o nome de um conjunto de idéias e doutrinas que basicamente defendem a liberdade individual contra o Poder Político, formuladas por filósofos e economistas como John Locke, David Hume, Adam Smith, Herbert Spencer, Frédéric Bastiat e John Stuart Mill. A partir da segunda metade do século 19 o prestígio do liberalismo decaiu tão rapidamente quanto ascendeu a aceitação geral do socialismo entre os intelectuais e políticos, com sua ênfase na ação coletiva e estatal como meio de se alcançar a plena liberdade e dignidade do Homem. O liberalismo então extinguiu-se como doutrina politicamente eficaz, subsistindo apenas na obra de um punhado de estudiosos e publicistas isolados e espalhados pelo mundo, como Walter Lippmann, Wilhelm Ropke, Ludwig von Mises e Frank Knight.

Após a Segunda Guerra, contudo, diante do óbvio fracasso do socialismo, no atacado e no varejo, em cumprir suas mirabolantes promessas de abundância material e excelência moral, o pensamento liberal recuperou paulatinamente uma pequena parte de sua antiga influência graças aos esforços de Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Peter Bauer, James Buchanan, Raymond Aron e outros pensadores eminentes. É isso o famoso neoliberalismo, que se traduz em continuação e aperfeiçoamento do antigo liberalismo. Na esfera política, o neoliberalismo só alcançou alguma expressão nos anos 80 do século passado, inspirando certas medidas, bastante limitadas, de alívio para a iniciativa individual na economia, tomadas pelos governos Thatcher e Reagan, tão claramente bem-sucedidas que logo foram imitadas por todo o mundo, inclusive em países comunistas como a China e o Vietnã. Vale frisar que o neoliberalismo ganhou força nos meios intelectuais combatendo os socialismos comunista e fabiano (ou social-democrata) com argumentos irrefutáveis, reforçados pela prova empírica inegável do fiasco universal do coletivismo, totalitário ou limitado, e só teve aplicação restrita no cenário político quando todas as formas de socialismo possíveis e imagináveis (comunismo, fascismo, nazismo, social-democracia etc) já tinham sido tentadas e rejeitadas.

Essa tímida ressurreição do liberalismo como doutrina intelectualmente respeitável e como alternativa política e econômica válida enfrentou uma formidável barragem de propaganda caluniosa movida pela esquerda culturalmente hegemônica. O neoliberalismo passou a ser inculpado por tudo de mau que acontecia pelo mundo, sobretudo em regiões em que absolutamente jamais houvera liberalismo ou neoliberalismo, como a África, continente dominado por regimes socialistas em variados graus. Após décadas de vulgarização e abuso, o termo "neoliberal" adquiriu uma conotação extremamente negativa -malgrado ninguém saiba ao certo o porquê -, comparável ao sentido odioso de palavras como "nazista" e fascista". Acontece que nazista é a abreviação de nacional-socialista, assim como virulentamente nacionalista e socialista foi o fascismo. Dito de outro modo, o nazi-fascismo é irmão xifópago do socialismo dito de "esquerda".


O resultado dessa monumental campanha ideológica pode ser aferido pela simples análise do sentido comum dos termos "comunista" e "socialista", usualmente significando uma doutrina política intrinsecamente benevolente e humanista, cujos efeitos bárbaros são debitados exclusivamente à perversões acidentais identificadas com o termo "stalinismo". Muita gente ainda se diz comunista, e quase todo mundo se considera socialista (ou de "esquerda", que é a mesma coisa), com a maior naturalidade, embora regimes comunistas e socialistas tenham perpetrado as piores barbaridades da História em toda parte. Por outro lado, ninguém – ninguém mesmo! – ousa assumir-se publicamente como neoliberal. Ora, pode-se concordar ou discordar das idéias liberais (ou neoliberais), desde que se procure tomar conhecimento do que efetivamente são essas idéias, submetendo-as então à uma crítica racional. É absurdo tomar como reais idéias pela imagem caricatural dela que seus inimigos forjaram. Mas é exatamente isso que ocorre.

O economista Eugen von Bohm-Bawerk certa vez foi censurado por não intervir quando alguns alunos de seu seminário expunham teorias obviamente erradas e absurdas. Ele disse em resposta que nada era mais eficaz para se revelar o erro de um raciocínio do que permitir que fosse desenvolvido até suas últimas consequências lógicas. A humanidade parece ter seguido procedimento similar em relação ao socialismo, o qual contou com meios e tempo mais do que suficientes para provar suas proposições e falhou lamentavelmente, precisamente onde e como seus críticos previram que falharia. Será que já não sofremos o bastante para admitir que o socialismo é um erro trágico?

"DIREITOS HUMANOS" – O Direito, do latim directu, aquilo que deve ser reto e justo, é uma criação humana, e somente o Homem é sujeito de direito. Mesmo as pessoas jurídicas e patrimônios personalizados (fundações) são ficções jurídicas cuja criação e atuação no mundo concreto se materializam através da vontade e da ação humana. O risível "direito dos animais", que aliás acaba de ganhar foro constitucional na Alemanha, não é gerado pelos marinbondos e papagaios, é claro, mas pelos homens. Sendo assim, é evidente que o Direito é sempre humano, constituindo esse adjetivo mera tautologia.


O que esse conceito espúrio pretende de fato, enrolado em um falso manto humanitário, é conferir às pessoas – sobretudo pessoas enquadradas em certas classificações capciosas – "direitos" a coisas imateriais, como felicidade e amor, ou coisas materiais, como emprego, renda, habitação etc, que o Estado não pode dar, porque não possui, ou só pode dar a um quando tira de outro, fazendo uma caridade farsesca com o chapéu alheio, mediada por uma casta burocrática que reserva para si a parte do leão dos recursos "pilantrópicos" que amealha. "Direitos Humanos", em síntese, é mais um exemplo de socialismo disfarçado com belas palavras, um pretexto polivalente para a múltipla intromissão estatal injusta na esfera de autonomia individual..

Muito mais clara e adequada é a denominação Direitos Inalienáveis inscrita pelos fundadores dos Estados Unidos no preâmbulo de sua Constituição, derivados da filosofia lockeana dos Direitos Naturais. Esses direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade (aos quais deve ser acrescentado o direito à propriedade legitimamente adquirida) são inalienáveis porque não se pode dispor deles sem deixar de ser Homem, bem como se caracterizam pela reciprocidade, isto é, ao direito de cada pessoa corresponde direito igual de todas as outras, e o dever geral de respeitá-los. Esses atributos de reciprocidade e universalidade são violados pelos chamados "direitos humanos", vez que, por exemplo, ao "direito" de fulano a uma renda de mil reais mensais inevitavelmente corresponde o "dever" de sicrano, que ganha mais do que isso, de prover recursos para fulano, muito embora este não seja culpado pela pobreza daquele. Os "direitos humanos" são a cristalização da injustiça sistematizada, ou seja, dos "direitos desumanos".

"DESIGUALDADE SOCIAL" – Novamente o adjetivo "social" é objetivamente inútil, porém politicamente malicioso. Para haver desiguais há naturalmente que haver mais de um ser humano, de maneira que "social" já está implícito no substantivo "desigualdade". Nada é mais lacrimosamente denunciado pelo intelectual, com tom de ira santa, do que a desigualdade. Que esta existe é um fato incontestável, um dado da natureza.. As pessoas são mesmo desiguais, e o seriam mesmo que toda a humanidade fosse constituída de clones. Não há outra igualdade possível senão aquela diante da lei, fundada nos direitos inalienáveis, recíprocos e universais estudados acima.


A intelligentsia, entretanto, discorda categoricamente. Há que haver igualdade material, dizem de modo bastante vago, e cabe ao Estado instaurá-la, comandado por eles mesmos ou por quem acate suas idéias. Como Thomas Solwell observou com sagacidade, os intelectuais de "esquerda" dividem a humanidade em três grupos: os desvalidos, os desalmados e os iluminados. Os primeiros, os pobres, são maltratados pelos segundos, os ricos, cabendo aos terceiros – os próprios intelectuais de "esquerda" – intervir munidos dos poderes coativos estatais para defender os bons dos maus e implantar a "justiça social" na Terra.

A contradição insolúvel nesse discurso igualitário é que sua execução exige que um determinado grupo seja incumbido da tarefa de igualar os outros grupos, detendo para tanto poderes exclusivos, o que por si só inviabiliza a priori a igualdade. De resto, se os indivíduos são naturalmente desiguais e a igualdade material é impossível – até porque se fosse viável igualar a renda monetária de todos (e não é), seria impossível igualar a renda real, vez que, v.g., para quem vive no litoral é muito mais barato o lazer na praia do que para quem vive no interior – a doutrina igualitária é absolutamente inexequível, portanto absurda e, logo, intrinsecamente nefasta.

A eficácia desse discurso absurdo depende da associação implícita e falaciosa da desigualdade com a miséria, e também da estimulação sub-reptícia do sentimento da inveja. A falsidade do sofisma da miséria pode ser facilmente exposta em termos econômicos. A miséria é causada basicamente pela baixa produtividade do trabalho, que deriva de reduzidos padrões de capital investido per capita em determinada comunidade. A solução, assim, passa necessariamente pela acumulação de capital de modo a que o trabalho se torne mais produtivo, elevando ipso facto o nível de consumo das profissões marginais (aquelas cuja remuneração é mais baixa) para um patamar acima da mera subsistência. A teoria e a experiência provam que somente a economia de mercado, ou seja o capitalismo, é capaz de gerar os requisitos necessários e suficientes para se extinguir rapidamente a miséria.


Como, porém, o capitalismo é rejeitado veementemente pelos intelectuais de esquerda, conclui-se que Joaozinho Trinta estava certíssimo quando afirmou que esses sujeitos adoram a miséria. Miséria para os outros, bem entendido. A invocação da inveja, além de imoral, é contraproducente, posto que a ênfase na expropriação dos que têm mais em prol dos que têm menos desencoraja o trabalho e incentiva o parasitismo. No final do processo, a inveja resulta na miséria geral, pois quem vai querer produzir para ser roubado? E se ninguém produz, o que o parasita vai parasitar?

"GLOBALIZAÇÃO" – Quando o homo sapiens emigrou há milênios de sua África natal para todos os recantos do planeta estava terminada a única "globalização" de fato relevante. Tratando-se de uma única espécie, gregária e sociável, nada mais natural do que a progressiva intensificação dos intercâmbios de todos os tipos entre seus componentes. A língua, o fogo, a roda, a escrita, a matemática, as religiões e muito mais coisas se "globalizaram" no curso do tempo. Então o que há de diferente e novo no que hoje se chama vulgarmente de "globalização"? Nada. Em boa parte o termo tem conotação negativa, identificado com capitalismo, imperialismo e bobagens do gênero. Para identificar a má-fé nessa campanha de desinformação propagandística basta constatar que seus autores são os mesmos que ainda ontem pregavam (e ainda pregam, embora em outros termos) o "internacionalismo proletário", isto é, a globalização do comunismo.

"EXCLUSÃO SOCIAL" – Olhem o infame "social" aí de novo! O termo "excluído" foi concebido pela intelectuária para substituir aos desgastados "proletário", "trabalhadore" e "camponês", malgrado corresponda, mais tecnicamente, ao que os marxistas clássicos rotulavam de "lumpenproletariado". Como a retórica da "esquerda" é cada vez mais vaporosa, contraditória e mutante, "excluído" pode identificar as mais diversas categorias. Hoje são os índios, para os quais se exigem terras equivalentes ao território de vários países, amanhã são os "sem-terra", que demandam o fim do "latifúndio" e a divisão de todas as terras em pequenas propriedades, e assim por diante.

"A LÓGICA DO CAPITALISMO" – A lógica é a disciplina filosófica que estuda a forma do raciocínio, pelo qual de premissas admitidas como certas se inferem conclusões necessárias, pois já implícitas nas premissas. Assim, quando um intelectual de "esquerda" fala em "lógica do capitalismo", essa expressão só é válida se o interlocutor aceita as premissas sugeridas. Quando, ao contrário, o interlocutor pretende justamente problematizar essas premissas, não há lógica nenhuma, e sim dialética. Infelizmente é quase impossível um intelectual de esquerda aceitar esse debate franco e aberto - dialético – acerca da real natureza do que se conhece como capitalismo. Para ele, premissas como "exploração", "egoísmo", "exclusão", "imperialismo" são artigos de fé (rectius: de má-fé) em toda e qualquer peroração sobre o assunto. E se o oponente prova cabalmente os múltiplos erros nos seus teoremas, o intelectual de esquerda recorre ao argumento ad hominem, também denominado por Ludwig von Mises de polilogismo, que se resume a colar no interlocutor impertinente a etiqueta odienta de "capitalista", que o torna inerentemente incapaz de sequer compreender a "lógica proletária", quanto mais refutá-la.

"AS FORÇAS CEGAS DO MERCADO" – O mercado é essencialmente um processo através do qual os fatores de produção (terra, trabalho e capital) são alocados segundo as demandas mais urgentes dos consumidores, processo esse não controlado e dirigido por nenhum órgão central. A maior e mais antiga controvérsia da economia, desde Adam Smith e até mesmo antes dele, tem por objeto a capacidade auto-reguladora do mercado. Para Smith e Bastiat, von Mises e M. Rothbard, o mercado é auto-regulável; para Malthus e Sismondi, Marx e Keynes, a economia de mercado sofre de contradições internas que acarretam sua destruição, exigindo, pois, a intervenção estatal para corrigir (ou abolir, no caso de Marx) as suas "falhas".


Quem assevera que as forças de mercado são "cegas" está afirmando que o planejamento estatal é onisciente, ou menos falível do que o mercado. Nesse ponto temos que aplaudir a coerência dos socialistas totalitários (comunistas e nazistas), posto que, se o Estado é capaz de corrigir as falhas do mercado, deve logicamente suprimi-lo por completo. A posição dos socialistas fabianos (terceira via, keynesianos, sociais-democratas) nessa questão é frágil, vez que, se o Estado é intrinsecamente superior ao mercado na organização da economia, porque então não substituí-lo integralmente?

Por outro lado, se a intervenção do Estado no domínio econômico também é "cega", a economia será sempre um processo pelo qual cegos são guiados por cegos. E se algo pôde ser inferido de certo e conclusivo da calamitosa experiência econômica do século 20 é que a intervenção estatal é sempre "cega", muito embora conduzida por políticos, intelectuais e burocratas dotados de enorme "olho grande". Proponho ao leitor o seguinte teste empírico: a oferta de pão está em nosso país à cargo do mercado, enquanto que a provisão de serviços de segurança incumbe ao estado. Quem o atende com mais eficiência? Quanto a mim, não há dúvida. Eu viajei por todo o Brasil e não encontrei lugar em que não houvesse uma padaria disponível para se adquirir o tradicional pãozinho para o café da manhã. Por outro lado, sempre que necessitei de auxílio policial nas diversas ooprtunidades em que fui roubado ou furtado, fiquei frustrado. Imaginem só se a oferta de pães fosse monopólio estatal afetado a uma "Pãobrás" qualquer. Provavelmente não haveria pão em lugar nenhum, como não há em Cuba nem havia nos países comunistas.

"DIREITOS DAS MINORIAS" – Todo sujeito de direito é uma minoria de um, uma vez que ao seu direito corresponde o dever geral de não infringi-lo, conforme estabelecido na breve investigação acima sobre a natureza do Direito. De maneira que a expressão "direitos das minorias" é vazia. O direito do homossexual é precisamente o mesmo do heterossexual, como o direito do branco é o mesmo que o do negro, e assim por diante. A campanha dos "direitos das minorias" não passa de uma ofensiva da intelligentsia esquerdista contra o Estado de Direito com o fito de fomentar conflitos artificiais para depois "resolvê-los" via coerção policial. Não é outra coisa a recente importação da "affirmative action" (outra expressão melíflua e contraditória em seus termos) dos Estados Unidos pelo hediondo governo FHC, com sua infame política de quotas raciais. Isso equivale a institucionalizar o racismo num dos poucos países do mundo isentos desse problema. Até mesmo as mulheres, maioria da população, são qualificadas como "minoria", o que é ridículo.

"CONSCIÊNCIA CRÍTICA" – O intelectual de "esquerda" ama de paixão a palavra "crítica", desde que não seja jamais criticado. Para ele, somente aqueles que foram devidamente doutrinados nas idéias esquerdistas são indivíduos "conscientes" e "críticos". Ocorre que a peculiaridade de pessoas que pensam assim é exatamente a completa incapacidade de raciocinar criticamente, isto é, de pensar por si mesmas, articular argumentos e formar juízos objetivos e imparciais sobre a realidade. Na melhor tradição orwelliana, para o intelectual de "esquerda", "consciente" é o que para gente normal é "lobotomizado", e "crítico" traduz-se por "acrítico".

"SETORES CONSCIENTES E ORGANIZADOS" – Essa é clássica. Os intelectuais de "esquerda" denominam assim os grupos que estão inteiramente doutrinados e arregimentados por eles. Quem está fora é "alienado" ou "inimigo de classe".

"ELITES PERVERSAS" – Para os intelectuais de esquerda as "elites perversas" são sempre os outros, nunca eles mesmos, não obstante eles constituam evidentemente um grupo de elite. Reparem no Luis Fernando Veríssimo, por exemplo. Nascido em berço de ouro, educado nos Estados Unidos, escritor de um best-seller atrás do outro, prestigioso e regiamente pago colunista de grandes jornais, bajulado servilmente pela mídia, amigo e guru de políticos influentes e poderosos, ele costuma passar as férias em Paris. Se Veríssimo não integra a elite brasileira, a que classe ele pertence então? Mas o insensado escritor de "esquerda" e seus pares jamais se incluem na fina-flor da sociedade brasileira, a despeito de contribuirem mais do que ninguém para a formação da cultura do país, e daí naturalmente para a organização política nacional.

Fala-se muito no "poder econômico" das "elites", que seriam responsáveis pelo atraso e pela miséria no Brasil. Ora, e quem tem mais poder econômico nesse país do que o Estado, que inclusive detém o poder de criar dinheiro? Que indivíduo, que empresa, que elite se reveste do poder de tributar, de se apropriar de 34% do que se produz nacionalmente? Quem tem privilégios como estabilidade no emprego, vencimentos desvinculados da produtividade do trabalho, aposentadoria especial, remuneração muito acima da média nacional etc. etc. etc.? Ora, que eu saiba são os funcionários públicos a elite mais rica e poderosa do Brasil. O rendimento médio mensal de um servidor federal está por volta de R$ 3.355,09; já o assalariado do setor privado recebe em média R$ 751,60 por mês.


Os funcionários federais aposentados e pensionistas ganharam em média R$ 2.474,37 ao mês; os aposentados do regime comum do INSS tiveram que se contentar com R$ 324,00 mensais em média. Acontece que a incessante ladainha dos intelectuais de "esquerda" é justamente atribuir ainda mais poder e mais dinheiro a essa elite insaciável, da qual a maioria deles faz parte. Isso é que é "utopia" em causa própria!

A lista acima é meramente exemplificativa. Cada leitor pode compor a sua própria lista, e, se uma vinte pessoas o fizessem, poderiam publicar uma enciclopédia de sofismas com uns dez volumes. O fato é que enquanto a linguagem continuar ideologicamente viciada como está nada vai mudar nesse país – salvo para pior.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Ditadura do proletariado.

Estado Operário ou ditadura do proletariado é a denominação dada pela doutrina marxista, preservada principalmente pelo trotskismo e embora seja este o conceito com o qual trabalhava o próprio Marx essa designação tem sentidos diferentes em Marx, Lênin e Trotsky, sendo estes colocados sob o controle do Estado, por meios revolucionários internos (como no caso da Rússia) ou sob a direção de outro Estado Operário, como o caso dos países ocupados pela antiga União Soviética após a segunda guerra mundial.

O Estado Operário e sua problematização

Em Marx e Engels, o Estado Operário é parte constituinte da transição do capitalismo para a primeira fase do Comunismo, o socialismo. Consiste, assim, no processo revolucionário de através da força tomar posse dos meios de produção e liquidar a resistência burguesa. Engels defendia, ainda, que o Estado deveria ser abolido concomitantemente a abolição das classes sociais: "as concepções do socialismo científico alemão acerca da necessidade da ação política do proletariado e da sua ditadura como transição para a abolição das classes e, com elas, do Estado, conforme já foi enunciado no Manifesto Comunista e repetido desde então inúmeras vezes" (Para a Questão da Habitação, Engels Friedrich).

Neste sentido, derrotada a burguesia, não haveria mais as condições objectivas que produziram o Estado Operário, a exploração, e, portanto, a única característica que faria do processo revolucionário um Estado, o uso da força, teria se extinguido. É importante salientar que para os autores o Estado não é abolido de imediato, mas desaparece por si mesmo com o fim da revolução: "Todos os socialistas concordam em que o Estado político e com ele a autoridade política desaparecerão como consequência da próxima revolução social, ou seja, que as funções públicas perderão o seu caráter político e se transformarão em simples funções administrativas protegendo os verdadeiros interesses sociais. Mas os antiautoritários pedem que o Estado político autoritário seja abolido de um golpe, antes mesmo que se tenham destruído as condições sociais que o fizeram nascer. Pedem que o primeiro ato da revolução social seja a abolição da autoridade. Já alguma vez viram uma revolução, estes senhores? Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que se possa imaginar." (Sobre a Autoridade, Engels Friedrich)

Lênin, mais tarde, irá defender que o Estado Operário é um Estado em definhamento, isto é, vai defender que o Estado burguês é abolido imediatamente, mas o Estado Operário, que se cria daí, definha e morre pouco a pouco na transição entre o socialismo e o comunismo: "De fato, Engels fala da "abolição" do Estado burguês pela revolução proletária, ao passo que as suas palavras sobre o definhamento e a "morte" do Estado se referem aos vestígios do Estado proletário que subsistem depois da revolução socialista. Segundo Engels, o Estado burguês não "morre"; é "aniquilado" pelo proletariado na revolução. O que morre 'depois dessa revolução é o Estado proletário ou semi-Estado." (O Estado e a Revolução, Lênin).

Cabe aqui algumas ressalvas, primeiro, esses vestígios de Estado que Lênin considera que sobrevivem a revolução e que, para ele, definham, não se trata não de elementos intermediários entre as decisões políticas, entre e as massas, como os demais Estados, mas uma autoridade da maioria frente a minoria dada a escassez da capacidade produtiva de prover a todos segundo suas necessidades, elemento que deve ser interpretando segundo seu momento histórico concreto, segundo, essa "abolição do Estado Burguês" não aparecem em Marx e Engels que, como vimos na passagem de Engels sobre a autoridade, tratam da abolição do Estado de forma geral e não do Estado burguês, caso contrário não poderia concordar com os anarquistas no que concerne o fim do Estado, diferenciando-se apenas por considerar o uso da força, ou seja, a revolução, como elemento de autoridade, portanto, uma forma de Estado, como exposto na passagem.

Outro erro comum é atribuir ao Estado Operário, autodenominado Ditadura do proletariado, cerceamento da liberdade e estatização dos meios de produção. Em sentido contrário Marx apontaria a ditadura do proletariado como máximo de liberdade e democracia e Engel defenderia a Comuna de Paris como primeiro Estado operário embora não tenha realizado sua função que é garantir a hegemonia da classe operária.

Lênin também defenderia a ditadura do proletariado como ampliação da democracia e da liberdade que, no entanto, garantiria a dominação e a coerção, ou seja, o poder nas mãos do proletariado. "A ditadura do proletariado, isto é, a organização da vanguarda dos oprimidos em classe dominante para o esmagamento dos opressores não pode limitar-se pura e simplesmente a um alargamento da democracia. Ao mesmo tempo em que produz uma considerável ampliação da democracia, que se torna, pela primeira vez, a democracia dos pobres, a do povo e não mais apenas da gente rica. A ditadura do proletariado traz uma serie de restrições à liberdade dos opressores, dos exploradores, dos capitalistas." (O Estado e a Revolução).

Também, em Marx e Engels não há nenhuma menção nem mesmo vaga sobre a estatização dos meios de produção, o que fica claro em "Crítica ao programa de Gotha" os meios de produção seriam socializados e os frutos da produção distribuidos não havendo mais sistema de salário e em Do socialismo Utópico ao Socialismo Científico quando Engels esclarece: "O Estado moderno, qualquer que seja a sua forma, é uma máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, o capitalista coletivo Ideal. E quanto mais forças produtivas passe à sua propriedade tanto mais se converterá em capitalista coletivo e tanto maior quantidade de cidadãos explorará. Os operários continuam sendo operários assalariados, proletários. A relação capitalista, longe de ser abolida com essas medidas, se aguça." (Do socialismo Utópico ao Socialismo Científico, Engels)

O conteúdo de classe do Estado

As caracterizações e análises do conteúdo de classe do Estado se desenvolveram especialmente após a revolução russa. Troskystas, Estalinistas e Comunistas de Esquerda se dividiram quanto ao tema. Para os últimos, o Estado Operário só se desenvolveu embrionariamente na Revolução Alemã, Húngara e Espanhola além dos primeiros anos da revolução russa, nunca se concretizando como socialismo, mesmo da URSS e no Leste Europeu. Para os Estalinistas a URSS era um Estado Operário e para maioria dos autores dessa linha, democrática. Os trotskystas, nesse assunto, se dividem. Para alguns autores, o conceito de Estado Operário não diz respeito ao regime político ou a forma de governo, mas sim ao conteúdo de classe do Estado, entendendoo Estado como conjunto de instituições através das quais a classe dominante na sociedade exerce o poder político.

Um Estado Operário é aquele onde o proletariado é a classe dominante e exerce o seu poder. Segundo Nahuel Moreno, que segue a linha Trotkista, pudemos observar no século XX a existência de Estados Operários com regimes democráticos (como a URSS dos sovietes democráticos até a buracratização com Stálin) e com regimes ditatoriais. Todos os Estados Operários foram Repúblicas formalmente, mas uma monarquia operária não seria algo impossível em termos teóricos, embora a monarquia seja uma ideia totalmente contraditória ao socialismo. Em contraposição o Estado Burguês seria portando aquele onde a burguesia é a classe dominante exerce o poder através de uma determinado combinação de instituições. São Estados Burgueses praticamente todos os que existem atualmente (sendo polêmica esta conceituação para Cuba, por exemplo).

Estado de classe x Estado "cidadão"

A classificação dos estados conforme o critério de classe contrapõe-se à ideia de Estado "Cidadão", ou Estado "Policlassista" uma vez que para o marxismo a "igualdade perante a lei", os direitos políticos iguais e as liberdades democráticas listadas nas constituições burguesas nada mais são do que uma afirmação formal de direitos que apenas a burguesia pode exercer na prática em sua plenitude. Ao dizer isso, Lênin cita por exemplo a liberdade de imprensa que pode ser igual para todos os "cidadãos" formalmente, mas apenas os cidadãos com recursos suficientes podem divulgar suas ideias em jornais ou no rádio (hoje em dia na televisão).

Estados Operários Burocratizados, segundo Trotsky

Lênin vai ser o primeiro a utilizar esse termo, Estado Operário Burocraticamente deformado, designando a própria URSS como um capitalismo de Estado, segundo ele o desenvolvimento do capitalismo promovido pelo Estado que no entanto, seria um Estado Opérario, mas devido a burocratização e a fusão de partido com o Estado, este estaria burocraticamente deformado. Ainda sim, Lênin irá defender que só poderiamos considerar a URSS um Estado Operário se considerarmos que o Partido um Partido da classe Operárioa, pois este se confundiria com o Estado.

Segundo o pensamento de Leon Trotsky, um dos principais dirigentes da Revolução Russa, os Estados Operários podem ser classificados em Estados Operários Revolucionários (por exemplo, a Rússia logo após a revolução de 1917, e até 1923) e Estados Operários Burocratizados. Estes últimos subdividem-se em duas categorias:

a) Estados Operários burocraticamente degenerados (como por exemplo a URSS sob o governo de Stálin) e;
b) Estados Operários burocraticamente "deformados" que foram aqueles no qual a classe operária expropriou a burguesia já sob o stalinismo (como na China, Alemanha Oriental, Iugoslávia, etc.), ou seja, já nasceram burocratizados.

O caso da URSS

Segundo o trotskismo a URSS passou a ser um Estado Operário Degenerado após o processo de confisco do poder político dos trabalhadores - exercido através dos sovietes - pela burocracia stalinista. O stalinismo "degenerou" o Estado Operário, uma vez que ela, a burocracia, embora fosse parte do proletariado, tinha interesses próprios e exercia um poder ditatorial sobre o restante da classe. Este processo foi chamado de Degenerescência Burocrática. No entanto, Lênin já identificava a URSS como Estado Operário burocraticamente deformado enquanto vivia já que a guerra civil e o fraco desenvolvimento das forças produtivas que faziam o nível cultural da população ser pobre o que garantia espaço para a burocracia operar sem fiscalização do povo, garantia o nascimento de uma nova burocracia e o restabelecimento da burocracia Czarista.

Para o Comunismo de Esquerda nunca houve sociedade socialista, a URSS tratava de um Capitalismo de Estado, dividindo-se no que refere-se a classe dominante. Para Amadeo Bordiga, por exemplo, a burocracia era uma classe dominante como ocorria no modo de produção asiático que, para ele, convivia com o capitalismo na Formação Económica e Social da URSS embricando suas relações de produção características.

Outros tipos de Estados para Marx

Para Marx o Estado Operário distingue-se de outros tipos de Estado, como o Estado burguês, o Estado feudal, o Estado antigo ou escravocrata e a Sociedade Asiática.

O trotskismo.

O trotskismo é uma doutrina marxista baseada nos escritos do político e revolucionário ucraniano Leon Trótski. É formulada como teoria política e ideológica e apresentada como vertente do comunismo por oposição ao stalinismo. Em 1946 Hermínio Sacchetta, dirigente trotskista brasileiro nos anos 40 e 50, define assim o trotskismo:
" (...) trotskismo (é) o conjunto de ideias de Marx, Engels e Lênin defendidas sem quartel por Leon Trotsky. (...) Quero, pois, de início, acentuar que o trotskismo não constitui uma doutrina política. Nem mesmo a teoria da Revolução Permanente, que ganhou seus contornos definitivos graças à enorme contribuição que lhe proporcionou o criador do Exército Vermelho, pode lhe ser atribuída como uma concepção inteiramente original. Entretanto, foi em torno dessa teoria que se travaram quase todos os choques ideológicos no plano do movimento comunista, sobretudo de 1923 a esta parte. " (Palestra Sacchetta, 1946).

O trotskismo procura defender o marxismo em sua versão "ortodoxa", contra a burocratização do Estado Operário e política nacionalista da Internacional, a partir da ascensão de Josef Stálin ao poder em 1924 na União Soviética. Trótski desenvolve a ideia de Revolução Permanente e da "Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado".
Uma das principais divergência em relação ao pensamento de Stálin se concentra na oposição à defesa do "socialismo em um só país" (ver: divergências entre Stalin e Trotsky).

A Teoria da Revolução Permanente desenvolve as teses já estabelecidas pelo Manifesto Comunista e, entre outros pontos, defende a necessária expansão da revolução internacional, como prioridade, ao invés do seu fortalecimento interno na União Soviética.
No final de sua vida Leon Trótski funda a IV Internacional (1938). Frente ao seu assassinato no México pelo agente da NKVD Ramón Mercader, sob as ordens diretas de Stálin, e a execução e assassinato de milhares de oposicionistas na URSS (Deutscher, O Profesta Banido) e fora dela, como o do dirigente do POUM Andreu Nin, o trotskismo se esfacela em distintas correntes que hoje se auto-denominam trotskistas e se organizam em diferentes agrupamentos da Quarta Internacional.

Para o stalinismo o trotskismo seria uma mera tentativa revisionista e heterodoxa de desvirtuar o que chamam de marxismo-leninismo, o que corromperia os valores revolucionários representados pelo regime stalinista na União Soviética.

Revolução permanente

A teoria da "Revolução Permanente" baseia-se na ideia do "desenvolvimento desigual e combinado". Segundo esta tese, elementos de um desenvolvimento econômico agrário com características feudais convivem simultaneamente com a indústria mais moderna do mundo, o que possibilitou, na Rússia, a revolução operária.

Este raciocínio, é o de que, se um país começa a se industrializar tarde, irá adotar as industrias mais modernas existentes na altura, logo, a pouca indústria que terá será altamente desenvolvida, podendo conviver com traços econômicos de épocas remotas. A carroça ao lado do avião. E que estes elementos se combinam mutuamente. Nesta perspectiva, por exemplo, a escravidão foi um elemento importante do desenvolvimento do capitalismo no século XIX.

Tal análise leva ao entendimento de que, mesmo em países em que a nobreza continua a ser a classe dominante e onde não se desenvolveu completamente a a burguesia capitalista, esta última já está em conflito com o proletariado, porque, como a pouca indústria existente é das mais modernas, os conflitos entre patrões e trabalhadores tendem a assumir os mesmos contornos que nos países desenvolvidos (Trótski elaborou esta teoria ao principio do século XX, uma época em que, nos países industrializados, a luta entre "proletários" e "burgueses" estava na ordem do dia).

Assim, a burguesia local estaria entre dois fogos: por um lado, continua submetida ao antigo regime feudal, o que a poderia levar a posições revolucionárias (como a burguesia europeia ocidental dos séculos XVIII e XIX); mas, por outro, já sofre a pressão dos trabalhadores, o que a leva a posições totalmente conservadoras (como a burguesia europeia ocidental do século XX).

Segundo Trótski, quanto mais tarde um país conhecesse o seu arranque industrial, mais conservadora seria a sua burguesia local, já que o medo ao proletariado seria mais forte que a sua oposição à nobreza. Além disso, ao contrário da Inglaterra de 1688, da América de 1776 ou da França de 1789, já não existiria no século XX classe de pequenos e médios artesãos e comerciantes que pudesse fornecer a "mão-de-obra" para uma revolução burguesa (devido à modernização do sector industrial, o único "povo" disponível – nas cidades – são mesmo os operários).

É aqui que entra em cena a Revolução Permanente: segundo Trótski, a burguesia já não é capaz de fazer a "revolução burguesa" ela mesma, tendo que ser o proletariado a encarregar-se das tarefas democráticas.

Mas, sendo o proletariado a fazer a "revolução burguesa", este não se contentará com o programa "liberal-burguês" (i.e, a abolir a monarquia absoluta, liquidar o feudalismo, etc.), e irá logo começar a pôr em prática o "programa socialista" – assim, a revolução é "permanente", já que, pela sua própria dinâmica, tenderá a evoluir para posições cada vez mais radicais (no caso russo, a revolução começou por ser democrática e republicana (fevereiro) e, em poucos meses, tornou-se socialista).

Estas teses seriam contestadas pelos seguidores de Stalin, pelas alianças propostas no século XX com a Burguesia Nacional, para desenvolver a Revolução Democrática ou Burguesa, para depois organizar uma "futura" revolução socialista. Assim foram as Frentes populares durante a Guerra Civil Espanhola (1933-1936) e no Chile de Allende no início da década de 1970, entre tantos exemplos (in Trotsky. L. Stalin, o Grande Organizador de Derrotas. 1928).

Degenerescência burocrática

Mas, o que acontece se a revolução socialista triunfar num país semifeudal (de acordo com o cânone marxista, ainda não maduro para o socialismo)? A resposta que os trotskistas dão é que, num caso desses, a revolução só se manterá se tiver a ajuda de revoluções socialistas vitoriosas em países desenvolvidos – assim, a revolução deve ser "permanente", não só no aspecto do aprofundamento, mas também do alargamento. Se uma revolução socialista acontecer num país subdesenvolvido e não se expandir a países desenvolvidos, tenderá a "degenerar".

A explicação dessa "degenerescência" está noutra tese trotskista, a da "degenerescência burocrática das organizações operárias": a "exploração capitalista" estimula o desenvolvimento político do proletariado (já que o leva a lutar contra o sistema, e por isso a criar sindicatos, partidos, etc.) mas retarda o seu desenvolvimento cultural (já que a pobreza e/ou a submissão a um trabalho embrutecedor tenderão a "embrutecer" também o espírito do trabalhador). Tal leva a que, nas organizações operárias de massa, tendem a surgir "dirigentes profissionais" ("burocratas", no jargão trotskista), que acabam por ser os verdadeiros chefes, enquanto que os elementos de base (devido ao tal "embrutecimento espiritual") se remetem, na maior parte do tempo, a uma posição passiva, em que se limitam a pagar quotas e a seguir as ordens da "Direcção" (no fundo, transferem para a organização operária os hábitos de submissão à hierarquia a que estão habituados na empresa capitalista).

Ora, num país pobre (como a Rússia em 1917), o "desenvolvimento cultural" do proletariado será ainda mais diminuto, pelo que no "Estado Operário" irão (tal como nos sindicatos e partidos operários) também surgir os tais "burocratas".5 Aliás, segundo os trotskistas, a longo prazo, só há dois caminhos possíveis – a burocratização do Estado ou o desaparecimento gradual do Estado.

Assim, nos "Estados Operários" (sobretudo se forem muito atrasados à partida), há duas tendências em confronto: por um lado, há a tendência para os burocratas irem concentrando o poder nas suas mãos e remeterem as massas a uma situação passiva; por outro, a elevação gradual do nível de desenvolvimento económico e cultural (e, se possível, o triunfo de revoluções operárias no estrangeiro) tenderá a estimular a participação popular e a enfraquecer o aparelho estatal. Desta forma, a "construção do socialismo" não é um processo mecânico e linear (como, frequentemente, está implícito em muitos "estalinistas"), mas um caminho com avanços e recuos, em que a vitória só estará assegurada com a criação de uma sociedade comunista à escala mundial e com o desaparecimento do Estado (até lá, há sempre o perigo de uma contrarrevolução burocrática).

Além disso, a relação entre a burocratização e desenvolvimento é bilateral: tal como o atraso estimula a burocratização, também esta prejudica o desenvolvimento – segundo os trotskistas, a única alternativa eficiente ao mercado é a "democracia operária". P.ex, se for um patrão privado a organizar o trabalho dentro de uma empresa, tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para maximizar o lucro); se for uma Comissão de Trabalhadores a fazer isso, também tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para os trabalhadores fazerem mais facilmente o seu trabalho); se for gerida por um burocrata não-proprietário, não há nenhum incentivo para escolher os melhores métodos de trabalho.

Outro exemplo: a questão "O que produzir?" – como assegurar a ligação entre os que as empresas produzem e as necessidades dos consumidores? No capitalismo, tal ligação faz-se pelo mercado; na "democracia operária", através da participação das organizações de trabalhadores e consumidores na elaboração do plano económico (Trótski chegou a dar o exemplo de um sistema em que os cidadãos pudessem escolher entre o "partido do carvão" e o "partido do fuelóleo"); já no sistema burocrático, em que a planificação é feita, não pelas organizações populares, mas por comités de "especialistas", não há maneira de assegurar que o plano corresponde às necessidades efectivas da sociedade (a respeito disso, Trótski escreveu que "a democracia, mais que uma necessidade política, é uma necessidade económica"). Desta forma, quanto mais poderosos forem os burocratas, mais atrasada será a sociedade (o que, aliás, acabará por tornar os burocratas ainda mais poderosos).

Logo, se uma revolução proletária triunfar num país atrasado e não receber o auxílio de revoluções em países desenvolvidos, o poder da burocracia atingirá dimensões consideráveis, podendo chegar a um ponto em que já não é possível lutar contra a burocratização dentro do sistema, sendo necessária uma nova revolução operária para restaurar o poder dos "Conselhos de Trabalhadores" (segundo Trótski, esse ponto de não-retorno – a que ele chamou o "Thermidor", por analogia com a Revolução Francesa – teria sido atingido na URSS em 1927). Por outro lado, se a nova revolução operária não ocorrer, o que irá acontecer será uma "contra-revolução social": a ineficiência económica do sistema burocrático e o desejo dos burocratas consolidarem a sua posição (passando de "administradores" a "donos") irá levá-los a restaurar a propriedade privada dos meios de produção e o capitalismo.

Desta forma, a opinião dos trotskistas era que os regimes do Bloco de Leste ("estados operários burocraticamente degenerados") seriam "regimes transitórios", intrinsecamente instáveis, estando à beira de serem derrubados, ou por uma "contra-revolução social", que restaurasse o capitalismo; ou por uma "revolução politica", que derrubasse o poder dos burocratas e do Partido Comunista e instaurasse a democracia dos "Conselhos de Trabalhadores", em moldes multipartidários (no entanto, diga-se que os trotskistas só começaram a defender o multipartidarismo nos anos 1930, depois de terem sido expulsos do PC – até lá, limitavam-se a defender o "direito de tendência" dentro do PC).

Dissidências trotskistas

Muitos dissidentes do trotskismo (Bruno Rizzi na Itália, Max Shachtman nos EUA, Tony Cliff na Inglaterra, Cornelius Castoriadis na França e etc.) criticaram esta tese, argumentando que os burocratas eram, para todos os efeitos, como se fossem proprietários, já que eram os "donos" do Estado e, portanto, indirectamente, da economia (logo, já não teriam necessidade de restaurar o capitalismo) – um dos mais célebres defensores desta tese foi o escritor George Orwell (em alguns aspectos, muito próximo do trotskismo), que a expôs nos seus romances "O Triunfo dos Porcos (no Brasil, A Revolução dos Bichos) e "1984". Curiosamente, alguns ex-trotskistas americanos que seguiam esta linha (James Burnham, Irving Kristol) acabaram saltando da extrema-esquerda para a direita, dando origem ao movimento neoconservador.

O colapso de 1989 não resolve a questão, mas aponta elementos importantes: Embora a tese trotskista do "regime transitório" assinalasse que se a revolução não avançasse provavelmente esses regimes cairiam muito cedo (uns meses antes de ser assassinado, Trótski escreveu que, se o regime estalinista sobrevivesse à II Guerra Mundial, seria necessário rever as suas teses, coisa que os trotskistas não fizeram; nos anos 1950, a sua viúva, Natália Sedova, abandonou o movimento trotskista, afirmando que não se podia continuar a chamar os países de Leste de "Estados operários burocratizados"); Por outro lado, a uma escala histórica, foram relativamente breves (74 anos, no caso da URSS, e cerca de 45 nos países satélites), pelo que é difícil dizer que a tese trotskista estivesse errada. Além disso, foi necessário um duro processo de privatizações e apropriação individual dos meios de produção por parte das "Castas dirigentes" na URSS e em outros países do Leste nas décadas de 1980-90, processo que comprovaria o facto de que estas "burocracias" não eram "donas" da economia, mas passaram a sê-lo com a restauração do capitalismo.

Organizações

Desde a morte de Trótski os trotskistas têm-se dividido em várias correntes, assim estão constituidos os principais agrupamentos trotskistas (2012):

sábado, 4 de janeiro de 2014

Maoismo.

Nome dado à política implementada por Mao Zedong, ou Mao Tsé Tung, na China. Mao Zedong fez parte ativa da fundação do Partido Comunista Chinês em 1921, e em 1927 liderou uma revolução de camponeses, após a rotura com o Kuomintang. No mesmo ano constituiu o Exército Vermelho e, na região de Hunan, um governo rebelde. Em outubro de 1934 iniciou-se a chamada Grande Marcha e Mao ocupou entretanto um posto que se tornou vitalício: o de chefe do Partido Comunista Chinês. Em outubro de 1949 instituiu-se oficialmente a República Popular da China e Mao tornou-se em 1954 presidente da república.

Quatro anos antes a China tinha-se aliado à Rússia no contexto da Guerra Fria, tendo igualmente participado na guerra da Coreia em favor da Coreia do Norte e na do Vietname contra França. Contudo, as cordiais relações com a Rússia, que valeram à China a posse de tecnologia nuclear, regrediram assim que Mao Zedong percebeu que os soviéticos temiam a força que uma potência como a chinesa poderia alcançar. De facto, o "Grande Salto em Frente" de 1956 procurou tornar a China uma das potências mundiais, estipulando grandes objetivos de produção e investindo no fabrico de aço. Contudo, grassou a fome por diversas vezes na China, na sequência dos problemas causados pelo "Grande Salto em Frente" e do clima adverso.

Censurados estes problemas pela Rússia e criticando, por sua vez, aquilo que achava ser permissividade, como a desestalinização, Mao Zedong cessou o contacto com os soviéticos entre 1960 e 1962, lutando ativamente contra o socioimperialismo da URSS, o revisionismo (que tentava apoderar-se do Partido Comunista para o transformar num órgão fascista ao serviço da burguesia, com figuras proeminentes como Thorez, Khroutchev e Togliatti) e o imperialismo da América do Norte. Paradoxalmente, em 1972 recebeu o presidente americano Richard Nixon, na sequência dos combates contra a Rússia de 1969, no rio Ussuri. Assim se tornou a China membro do Conselho de Segurança da ONU, antes da morte de Mao Zedong, em 1976. Em 1978, contudo, a conceção do chamado maoismo mudou drasticamente, com as reformas de Deng Xiaoping.

O maoismo caracterizou-se pela sua tendência marxista-leninista, considerando que a estrutura tradicional da sociedade provocava um elevado nível de pobreza e desigualdade social e recomendando uma constante análise das contradições na cultura, na sociedade e mesmo no seio do Partido Comunista. Assim, o maoísmo, considerado uma vertente fundamentalista do leninismo, preconizava a distribuição equitativa de bens e contrariava a ambição pessoal, considerando que mesmo durante o período socialista existiu ainda luta inter-classes. Tal conceito levou à Reforma Agrária de 1950, em que os grandes latifundiários foram expropriados para se proceder a um justa distribuição de terras, criando-se um cenário em que foi permitido aos que até à data tinham sido oprimidos exercerem vingança sobre os mais favorecidos (sendo o mais comum o envio destes últimos para os laogai, campos de trabalho).

Os primórdios da Revolução Cultural (estribada num dos preceitos maoistas, em que qualquer revolução deveria adequar-se à realidade concreta do país em questão), que se começaram a fazer sentir em 1965, inauguraram um negro período na história da China, sendo que os jovens Guardas Vermelhos assumiram um radicalismo da doutrina maoista desrespeitando tudo aquilo que tinha até então formado durante milénios a China, desde a estima devida à idade às artes tradicionais, com o intuito de acelerar a construção da sociedade comunista. Uma das mais dinâmicas ativistas foi a própria mulher de Mao, Jiang Ching, que governou nos últimos anos de vida do marido. Contudo, após a morte do chamado Grande Timoneiro, esta revolução foi condenada.

Deve-se ainda referir que no mundo ocidental, em países como Bélgica, Noruega, Grécia, França, Itália, Espanha, Portugal (através da UDP, por exemplo), Alemanha e alguns dos ditos menos desenvolvidos de outros continentes, como o Peru (guerrilha maoísta do Sendero Luminoso), entre outros, houve tentativas de implantação da doutrina maoísta. Na Albânia, por exemplo, o regime de Enver Hoxha foi todo ele maoista, tendo o país servido como centro de formação de células maoístas, como por exemplo da UDP portuguesa.
 

A Revolução de 1948
 

Revolução de 1949 que deu origem a República Popular da China foi um processo social de longa duração, isto é, levou décadas para maturar e reunir as condições necessárias que permitiram aos comunistas chineses tomarem o poder e transformarem a China num país socialista.

Podemos dividir o processo revolucionário chinês em três etapas:


1) A primeira, associada à organização da guerrilha rural, entre 1930 a 1935.

2) A segunda, relacionada à participação e aliança dos comunistas revolucionários em aliança com os nacionalistas chineses na resistência nacional ao Japão, entre 1937 a 1945.

3) A terceira vinculada à radicalização da luta armada que provocou uma guerra civil e posterior conquista do poder pelos revolucionários comunistas, entre 1945 a 1949.
Violência revolucionária A estrutura fundiária da China bloqueava completamente qualquer tentativa de organização autônoma do campesinato. Os proprietários de terra organizaram milícias que reprimiam permanentemente as revoltas camponesas.
 
Por outro lado, o poder de âmbito local (ao nível da aldeia) e regional (ao nível da província) era monopolizado pelos senhores rurais por meio de relações clientelistas que impediam a participação democrática do campesinato.
 
Com base na avaliação dos líderes comunistas, o processo revolucionário chinês só poderia se concretizar mediante a luta armada. O Partido Comunista Chinês (PCCh), fundado em 1921, organizou e liderou a guerrilha rural arregimentando camponeses.
 
Progressivamente, o Partido avançou na tarefa de conscientização gradual das massas camponesas de modo a formar as bases do "exército vermelho" que, nas décadas seguintes desempenharia papel central na vitória dos revolucionários comunistas.
 
Maoísmo à brasileira O maoísmo influenciou vários movimentos de esquerda revolucionários que surgiram na América Latina . No Brasil, por exemplo, dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) fundaram o Partido Comunista do Brasil (PC do B). O PC do B foi a organização partidária mais representativa das ideias maoístas no Brasil.
 
Durante a ditadura militar (1964-1985), enquanto a maioria das organizações e partidos de esquerda clandestinos organizou guerrilhas urbanas, o PC do B organizou a única guerrilha rural, a Guerrilha do Araguaia.
 
A Guerrilha do Araguaia surgiu em 1974, numa época em que praticamente as guerrilhas urbanas tinham sido derrotadas pelas forças repressivas da ditadura militar. Os guerrilheiros do PC do B tiveram o mesmo destino. A Guerrilha do Araguaia chegou ao fim dois anos depois, em 1976.

Maoísmo - Mao Tsé Tung - Ensaio filosófico

MAOÍSMO – MAO TSÉ TUNG – a Doutrina que contém o Pensamento Político de Mao Tsé Tung (1893/1976), o líder máximo da Revolução Chinesa que implantou o Comunismo no País em substituição à Monarquia derrubada. Também conhecida por “Marxismo-Leninismo-Maoísmo”, é uma Corrente de Filosofia Política que se baseia no ideário de KARL MARX (1818/1883, Alemanha), adaptado para as condições chinesas. Atualmente é a Doutrina Oficial do PC (Partido Comunista) Chinês, mas esse título é apenas simbólico, pois desde 1978, com as Reformas de cunho Capitalistas implantadas por Deng Xiao Ping, os dogmas da Doutrina deixaram de existir ou foram adaptados à nova situação. Talvez ainda represente o aspecto Político do Regime que conserva algumas características do Comunismo, ao contrário do lado Econômico que assumiu seu viés Capitalista em definitivo.

O Maoísmo diferencia-se do “Leninismo” por privilegiar o “Voluntarismo” em detrimento das “Condições Objetivas”. Ou seja, as “Condições Materiais (ou objetivas)” em que vive a Sociedade NÃO serão tão importantes se as “Condições Subjetivas (pessoais, individuais)” fizerem prevalecer a “Vontade de se rebelar”. Uma vez que o Povo demonstre ter a “Vontade” de fazer a Revolução Comunista, a conjunção dos fatores concretos (como, por exemplo: a inexistência de Florestas, ou Montanhas, ambientes propícios para a luta de guerrilhas, operários politizados, estudantes participativos etc.) deixa de ser decisiva ou impeditiva.

Recordemos que para Marx seria necessário o esgotamento do Sistema Capitalista para que o Comunismo fosse implantado. Para Trotsky, era necessário que o desenvolvimento de uma área compensasse o atraso de outra (por exemplo: operários educados e politizados compensariam os Camponeses analfabetos e desmobilizados); para Lênin, o indispensável seria a existência efetiva do Espírito Revolucionário em cada individuo, a existência de uma Doutrina como diretriz para o movimento, a Liderança do Partido para guiar a conjunção de Operários e Camponeses etc. Para Mao Tsé Tung, nada disso importava desde que houvesse a “Vontade” de fazer a Revolução. E exatamente por isso, a Revolução poderia acontecer em qualquer lugar. Usando a insurreição armada seria possível tomar o Poder em todas as Nações, independentes de serem agrárias ou industrializadas. Avançadas ou atrasadas, etc.

Essa importância dada ao “Voluntarismo*” levou o Maoísmo a ser considerado mais violento que outras tendências revolucionárias, pois o exercício da Vontade sugeriria que as armas seriam inevitáveis. Contudo, observando-se com mais atenção, verifica-se que o Maoísmo não foi, e não é mais adepto da violência do que foram as outras tendências. Na realidade, a violência foi empregada em todas as Revoluções tomadas de Poder.
Ademais, se a noção de violência (guerra civil, atentados, etc.) está fortemente vinculada à Revolução Comunista na Prática e à Teoria de Marx e Engels (como bem demonstrou Lênin em seu livro “O Estado e a Revolução”, ou em “A Revolução Proletária e o Renegado Kaustsky”) é importante lembrarmos que a mesma não é uma característica do Comunismo, pois a mesma também foi amplamente usada por Regimes de Direita, como o Fascismo, o Nazismo, ou as Ditaduras Militares que assombraram a América do Sul, Portugal e Espanha.

Na verdade, em certos pontos, a Revolução Chinesa foi menos violenta que a russa. O destino dado aos respectivos imperadores que antecederam os Movimentos é um bom exemplo dessa redução. Se na União Soviética o destino do Czar e de sua família foi o pelotão de fuzilamento; na China, o Imperador foi preso e “reeducado”, terminando seus dias como cicerone do Palácio que antes habitava. É verdade que para muitos, foi um destino mais trágico que o dado ao russo; pois, além da questão pessoal, a sua humilhação servia aos propósitos dos novos governantes em criar “exemplos”. Mas essa é uma discussão estéril porque envolve questões de foro intimo, e aqui não será mais aludida. Quanto à “Terrível e medonha Revolução Cultural” que deu Poder de Policia e de Justiça aos jovens adolescentes do Exército para que “limpassem” a Sociedade Chinesa das antigas superstições e idéias (o que realmente causou grandes sofrimentos para professores, intelectuais e diversos outros membros da Sociedade), contrapõem-se os expurgos promovidos por Stalin na União Soviética; ou, o horror do Regime de “Apartheid” imposto pela “Direita” na África do Sul. Toda violência é abjeta e fruto da ignorância humana, mas ela existe. Não se pode negar, mas é um erro culpar os “diferentes” por erros que todos cometem.

A seguir traçaremos uma breve exposição sobre as características do Maoísmo enquanto Sistema Filosófico e Político:

1. A Filosofia Maoísta nutre a idéia de que a tomada violenta do Poder pode ser iniciada pelos Camponeses que deflagrarão a guerra-civil e a estenderão até o cerco às cidades e à tomada do Governo. Não haveria, portanto, a obrigatoriedade de seguir o modelo russo cuja Revolução partiu do Operariado Urbano e não do Campo. “LINHA de MASSAS” é o nome dado ao pretendido apoio maciço da “Massa Humana” à Revolução.

2. Lênin julgava que tal apoio não era necessário, tampouco possível, para o êxito da Revolução. Apostava que o próprio triunfo revolucionário se encarregaria de fazer novos adeptos. Propostas Populares (ou Populistas, para os inimigos) seduziriam até os mais recalcitrantes, pois a concretização da Reforma Agrária, do Investimento em Moradias Populares, em subsídios para os Alimentos seriam medidas irrecusáveis por todos que sonhavam com melhores condições de vida.

3. Para Mao Tsé Tung existia, sim, a necessidade imperiosa de se contar com o apoio total e permanente dos operários, estudantes e camponeses, para que a vitoria fosse alcançada. Pregava que tal apoio fosse o resultado da perfeita comunhão de interesses do Partido e do Proletariado e, para a maioria dos eruditos, foi esse ponto que levou o Maoísmo a ser a doutrina modelo que foi seguida por inúmeras “guerras populares”. Ou pelas “guerras-civis”, conforme os historiadores; ou pelas “guerras-terroristas” segundo a Burguesia de Direita. Mas independente do titulo que tomou, tais guerras eclodiram na Ásia (Vietnã, Laos, Camboja), na África e na América do Sul, especialmente através do chamado “Sendero Luminoso” no Peru; e, para alguns, através das FARCs, na Colômbia. Além de servirem como Teoria para a prática de vários grupos que pretenderam derrubar as Tiranias Latinas, através das "Luta Armada", no Brasil, no Chile, na Argentina e no Uruguai.

4. A chamada “LINHA de MASSAS” deu ao Maoísmo uma natureza (ou, um jeito de ser) diferente, pois, do Bolchevismo doutras experiências Socialistas que ocorreram na Europa. Além da diferença fundamental que já expusemos, sobre a necessidade ou não do apoio total da população, outras diferenças de modos e de atitudes puderam ser observadas. Podem ser citadas, por exemplo, o destino dado aos dissidentes, ou “Inimigos da Revolução ou do Povo”. Enquanto na União Soviética a KGB (policia secreta) seqüestrava e executava os dissidentes na calada da noite; na China, os mesmos eram submetidos a “Julgamentos” populares que, obviamente, nada tinham de justos. Serviam apenas de modo didático, mandando aos pretendentes à dissidência o retrato do que lhes aguardava. Era um sonoro e intimidador alerta aos que ousassem discordar da “Verdade”, ou da “Vontade do Povo”.
 
Novamente será oportuno rememorarmos que a execução de dissidentes não é uma característica exclusiva do Comunismo. Infelizmente é uma prática adotada por todos os Regimes, como, por exemplo, aconteceu no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Chile, aonde os Ditadores da Direita chegaram a formalizar um acordo – "Operação Condor" – para maximizar os “procedimentos”, ou seja, os assassinatos. Outras diferenças poderiam ser apontadas, mas seria inútil, pois as que já foram citadas são suficientes para caracterizar as Revoluções em suas diversas formas.

No Ocidente existem poucos teóricos do Maoísmo. Pode ser citado o francês CHARLES BETTELHEIM que influenciou o movimento estudantil e operário na França de 1968. Época, aliás, em que o famoso “Livro Vermelho (1)” de Mao Tsé Tung era brandido por jovens como provocação e revolta contra o Sistema. Outro a ser citado é o norte americano BOB AVAKIAN, presidente do “Partido Comunista Revolucionário dos EUA”, que na atualidade tem assumido uma relevante posição devido à sua produção teórica sobre o Regime Maoísta.

As modernas bases teóricas, além das de AVAKIAN, foram e são estabelecidas pelo “Movimento Revolucionário Internacionalista” – MRI – que é visto como a semente de uma futura “Internacional Maoísta”. Entre os Partidos e Organizações que formam o MRI destacam-se o Partido Comunista do Peru (ou Sendero Luminoso); o Partido Comunista do Nepal e o Partido Comunista Maoísta – MKP – da Turquia e do Curdistão do Norte. Todos eles envolvidos em “Guerras Populares” nos seus respectivos Países e nas zonas que já estão sob seu controle. Outros membros importantes são: o “Partido Comunista Revolucionário dos EUA”; o Partido Comunista do Irã – MLM – e o Partido Comunista do Afeganistão. Dos grandes Partidos Maoístas só o Partido Comunista das Filipinas e o seu braço armado, o “Novo Exército Popular”, em combate desde 1968, não integram o Movimento Revolucionário Internacionalista.

Para Beth. Saudades, guerreira.

1- LIVRO VERMELHO – livro em formato “Pocket”, de capa vermelha, que continha o Pensamento de Mao Tsé Tung. Era utilizado como “manual de comportamento” na China revolucionária e como Cartilha didática de uso obrigatório. Foi o que norteou a “Revolução Cultural”, quando jovens incitados por Mao Tsé Tung pretenderam romper com todas as tradições e com a própria Cultura Milenar. Foi uma das piores fases do Regime, pois não se poupou os Sábios, os Intelectuais e qualquer outro cidadão que ventilasse a mínima discordância ao Regime.

Embora proibido no Ocidente (ou talvez por isso) o Livro tornou-se um “Objeto de Desejo” da juventude que fazia a “Contra-Cultura”; isto é, a substituição dos velhos conceitos pelos novos valores, inspirados na Teoria da “Paz e do Amor”, na Libertação Feminina, no inicio da Conscientização Ecológica etc. E tudo isso permeado pela busca de novos modelos Econômicos e Políticos que pudessem trazer mais justiça aos cidadãos do Mundo.

A China e o Maio de 68

Mao Tsé-tung (1893-1976) tem sido indiretamente evocado pelos 40 anos do Maio de 1968. Parte dos dirigentes do movimento estudantil francês era na época maoísta. Mas havia diferenças importantes entre a China de Mao e a percepção do maoísmo no Ocidente.


Em 1968 a China estava em plena Revolução Cultural, desencadeada por Mao e por Lin Piao para neutralizar os dirigentes que os criticavam pelo desastre humanitário e econômico da política do Grande Salto Adiante (1958-1961), quando até 20 milhões de chineses podem ter morrido de fome, em razão da desorganização econômica provocada pela industrialização forçada e pela implantação de milhares de pequenas siderurgias no campo.


 A Revolução Cultural trazia o apelo de Mao para que os Guardas Vermelhos (jovens estudantes e camponeses) derrubassem a hierarquia tradicional do Partido Comunista e interviessem nas universidades, estatais e unidades agrícolas.


 Novo desastre. Foram mortos 38 mil dissidentes (o número é oficial), e o caos na produção agrícola matou por desnutrição outros 3 milhões, segundo estimativas conservadoras.
A versão edulcorada da Revolução Cultural nos movimentos estudantis europeus e latino-americanos insistia na destruição das velhas estruturas burocráticas para a construção, sobre seus escombros, de uma espécie de socialismo libertário, afastado do amarradíssimo e opressivo modelo soviético.


 É claro que não era bem essa a história. Os partidos maoístas da esquerda que partiram para a luta armada (caso do PC do B, no Brasil) foram ao menos mais coerentes. Lutavam por uma versão chinesa da ditadura do proletariado, modelo essencialmente liberticida e oposto ao romantismo da "imaginação no poder" ou do "sejamos realistas: peçamos o impossível", slogans charmosos dos estudantes da França.


 No início dos anos 60 Mao se afastou da União Soviética, qualificada de "revisionista" (volta sutil ao capitalismo). A China desencadeou discussões que provocaram a cisão de dezenas de partidos comunistas. Mas os maoístas passaram a se organizar como grupos bem minoritários. As exceções à regra foram, na Europa, apenas a Bélgica e a Albânia e, na Ásia, os partidos do Japão, Indonésia, Índia, Malásia, Tailândia, Birmânia e até Nova Zelândia.


Com a morte de Mao, a China -já aliada dos americanos para neutralizar o peso de Moscou- inicia o primeiro ciclo de reformas econômicas sob a direção de Deng Xiaoping. Abandona a ortodoxia e deixa os maoístas estrangeiros na orfandade. Por uns tempos eles recorreram à pequena Albânia, até que o ditador Enver Hoxha morresse, em 1985, e se iniciasse o processo que terminou em 1991 com a adoção da democracia.


 A rigor, o maoísmo é hoje é hoje um extenso cemitério de siglas partidárias. Só na França, a partir da Esquerda Proletária, dos anos 60, proliferaram e depois morreram 15 pequenas organizações, a última delas em 1985. Subsistiu uma entidade chamada Institut d'Études Levinassiennes (a partir do nome de Benny Lévy, que morreu em 2003). Outros partidos comunistas, como o belga de língua flamenga, têm no maoísmo apenas uma referência histórica
, mas não mais um modelo de organização da sociedade ou de tomada do poder.