sábado, 19 de outubro de 2013

Platão x Aristóteles e influências filosóficas.

O Mundo das Idéias  
 
Antes de Platão (427-347 a.C.), Empédocles (494-434 a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.) haviam observado que apesar de os fenômenos da natureza "fluírem", havia "algo" que nunca se modificava (as quatro raízes ou os átomos). 
 
Para Platão tudo o que podemos tocar e sentir na natureza "flui". Não existe, portanto, um elemento básico que não se desintegre. Absolutamente tudo o que pertence ao mundo dos sentidos é feito de um material sujeito à corrosão do tempo. Ao mesmo tempo, tudo é formado a partir de uma forma eterna e imutável. 
 
Para exemplificar a visão de Platão, considere um conjunto de cavalos. Apesar deles não serem exatamente iguais, existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, um exemplar isolado do cavalo, este sim "flui", "passa". Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira forma do cavalo é eterna e imutável. 

Numa outra situação, considere que você passe em frente a uma vitrine de uma padaria (sua primeira padaria) e vê sobre um tabuleiro cinqüenta broas exatamente iguais, todas em forma de anõezinhos. Apesar de você perceber que um anãozinho está sem o braço, o outro perdeu a cabeça e um terceiro tem uma barriga maior que a dos outros, você chega à conclusão que todas as broas têm um denominador comum. Embora nenhum dos anõezinhos seja absolutamente perfeito, você suspeita que eles devem ter uma origem comum. E chega à conclusão de que todos foram assados na mesma fôrma. 
 
Platão ficou admirado com a semelhança entre todos os fenômenos da natureza e chegou, portanto, à conclusão de que "por cima" ou "por trás" de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas Platão deu o nome de idéias. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existe a "idéia cavalo", a "idéia porco" e a "idéia homem". (E é por causa disto que a citada padaria pode fazer broas em forma de porquinhos ou de cavalos, além de anõezinhos. Pois uma padaria que se preze geralmente tem mais do que uma fôrma. Só que uma única fôrma é suficiente para todo um tipo de broa.) 

Platão acreditava numa realidade autônoma por trás do mundo dos sentidos. A esta realidade ele deu o nome de mundo das idéias. Nele estão as "imagens padrão", as imagens primordiais, eternas e imutáveis, que encontramos na natureza. Esta concepção é chamada por nós de a Teoria das Idéias de Platão. 
 
Em resumo, para Platão a realidade se dividia em duas partes. A primeira parte é o mundo dos sentidos, do qual não podemos ter senão um conhecimento aproximado ou imperfeito, já que para tanto fazemos uso de nossos cinco (aproximados e imperfeitos) sentidos. Neste mundo dos sentidos, tudo "flui" e, consequentemente, nada é perene. Nada é no mundo dos sentidos; nele, as coisas simplesmente surgem e desaparecem. A outra parte é o mundo das idéias, do qual podemos chegar a ter um conhecimento seguro, se para tanto fizermos uso de nossa razão. Este mundo das idéias não pode, portanto, ser conhecido através dos sentidos. Em compensação, as idéias (ou formas) são eternas e imutáveis. 
 
Assim como os filósofos que o antecederam, Platão também queria encontrar algo de eterno e de imutável em meio a todas as mudanças. Foi assim que ele chegou às idéias perfeitas, que estão acima do mundo sensorial. Além disto, Platão considerava essas idéias mais reais do que os próprios fenômenos da natureza. Primeiro vinha a idéia cavalo e depois todos os cavalos do mundo dos sentidos. A idéia galinha vinha, portanto, antes da galinha e do ovo. 
 
As idéias não são inatas 
 
Aristóteles (384-322 a.C.) achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo "flui", "passa", e que nenhum cavalo vive para sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a idéia cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de eles terem visto um certo número de cavalos. A idéia ou a forma cavalo não existiam, portanto, antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a forma cavalo consiste nas características do cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie. 
 
Aristóteles entendia por forma aquilo que todos os cavalos têm em comum. E aqui a imagem da fôrma de fazer broa perde a sua validade, pois as fôrmas de fazer broas existem independentemente de cada broa em particular. Aristóteles não acreditava que houvesse na natureza um armário, por assim dizer, com fôrmas desse tipo. Para ele, as formas estavam dentro das próprias coisas; as formas das coisas eram suas características próprias. 
 
Ele também não concordava com Platão no que se refere ao fato de a "idéia galinha" vir antes da galinha propriamente dita. Aquilo que Aristóteles chama de a forma galinha está em todas as galinhas e são as características que distinguem as galinhas. Assim, a galinha em si e a forma galinha são duas coisas tão inseparáveis quanto o corpo e a alma. 
 
Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada na natureza que não tivesse existido antes no mundo das idéias. Aristóteles achava que, desta forma, Platão estava duplicando o número de coisas. Ele tinha explicado o exemplar isolado do cavalo fazendo referência à "idéia cavalo". Mas de onde saiu a "idéia cavalo"? Será que, nesta linha de raciocínio, não poderia existir ainda um terceiro cavalo, de que a "idéia cavalo" não fosse senão uma imitação? 
 
Aristóteles achava que todas as nossas idéias e pensamentos tinham entrado em nossa consciência através do que víamos e ouvíamos. Mas nós também temos uma razão inata. Temos uma capacidade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas impressões sensoriais. É assim que surgem conceitos como os de pedra, planta, animal e homem. Para ele a razão era precisamente a característica mais importante do homem. Só que nossa razão permanece totalmente "vazia" enquanto não percebemos nada. Uma pessoa, portanto, não possui idéias inatas. 
 
Forma e Substância 
 
Aristóteles constatou que a realidade consiste em várias coisas isoladas, que representam uma unidade de forma e substância. A substância é o material de que a coisa se compõe, ao passo que a forma são as características peculiares da coisa. 
 
Uma galinha bate as asas na sua frente. A forma da galinha é precisamente o bater de asas, o cacarejar e a postura de ovos. Assim, a forma da galinha é aquilo que ela faz. Quando a galinha morre – e, portanto, pára de cacarejar - , a forma da galinha também deixa de existir. A única coisa que resta é a substância da galinha. Mas aquilo não é mais uma galinha. 
 
Para Aristóteles, quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias. Por exemplo, vejo um cavalo hoje, outro amanhã e outro depois de amanhã. Os cavalos não são exatamente iguais, mas há alguma coisa que é comum a todos os cavalos. E esta coisa que é comum a todos os cavalos é a forma do cavalo. Tudo o que é distinto ou individual pertence à substância do cavalo. 
 
Aristóteles tentou mostrar que todas as coisas na natureza pertenciam a diferentes grupos e subgrupos. Hermes é um ser vivo. Ou melhor, um animal. Ou melhor, um cachorro. Ou melhor, um labrador. Ou melhor, um labrador macho). 
 
Do ponto de vista filosófico, o principal objetivo de Platão era encontrar na sociedade uma realidade que fosse eterna e imutável. Partia do ponto de vista de que existem duas realidades diferentes que envolvem o ser humano, o Mundo das Idéias e o Mundo das Sombras, conhecido também como Mundo dos sentidos.
 
As idéias eternas e imutáveis faziam parte do Mundo das Idéias, e determinam os conceitos que temos sobre o mundo físico. O Mundo dos Sentidos se refere ao que habitamos, composto por uma série de valores imperfeitos, como sombras de uma realidade perfeita. As coisas desse mundo imperfeito não são eternas ou imutáveis, são feitas de matéria, objetos materiais que funcionam como “cópias” das idéias perfeitas e imutáveis do Mundo das Idéias.
 
Através do Mundo das Idéias Platão tentou explicar o desenvolvimento do conhecimento humano. Para ele o processo do conhecimento se desenvolvia por meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparências para o mundo das idéias e essências.
 
É através das sensações e impressões dos sentidos que ocorria a primeira etapa do processo do conhecimento, ou seja, a opinião que se tem da realidade. Esse conhecimento chamado sensível, embora seja verdadeiro, sabe porque as coisas estão assim, sem saber porque o estão.
 
Para Platão, o conhecimento para ser autêntico deveria penetrar na esfera racional do Mundo das Idéias, ultrapassando, portanto, as impressões sensoriais e o plano da opinião. 
 
Para se conquistar o conhecimento autêntico e verdadeiro, Platão propunha a dialética, que na realidade consiste da contraposição de uma opinião. Uma tese qualquer seria seguida da negação da própria tese, com o objetivo de purificá-la de possíveis equívocos e erros. Platão acreditava que somente era possível estar no Mundo das Idéias através do conhecimento racional, filosófico e científico, pois acima da realidade “sensível” deveria existir uma realidade “inteligível”.
 
Daí mais um traço característico de Platão, a confiança no poder da razão. Para ele a verdade filosófica só poderia ser alcançada mediante a purificação e o amor.
 
Para Platão a beleza em todo seu esplendor se encontrava no mundo das idéias onde moram seres perfeitos e totais. O mundo sensível é um mundo de seres imperfeitos. Ele está em tudo o que captamos com os nossos sentidos, porém possui apenas uma parcela do ser ideal. Todas as idéias existem no mundo dos inteligíveis que se situa na esfera celeste.
 
Entre todos os discípulos de Sócrates, o mais importante continuador de sua obra e que viria a superar os passos do próprio mestre, ao fazer a primeira sistematização do pensamento filosófico, foi Platão (428 a.C. - 347 a.C.).
 
Nascido em Atenas ou na localidade próxima de Egina, Arístocles (seu nome de batismo) veio ao mundo em uma família politicamente importante. Seu pai era descendente de Codro, o último rei de Atenas, e sua mãe teve entre seus antepassados o famoso legislador ateniense Sólon e possuía parentesco com Crítias e Cármides, dois dos Trinta Tiranos que governaram a cidade após a guerra do Peloponeso.
 
Em suas primeiras décadas de vida, os interesses de Platão ainda não eram filosóficos. Inicialmente ganhou fama como um exímio lutador, advindo daí o apelido pelo qual o conhecemos até hoje (Platão, do grego plato, significa plano, mas também “largo” e “amplo”; ao que consta, era uma referência ao seu porte físico). Conseguiu alguma fama ao vencer os Jogos Ístmicos, embora não tenha conseguido chegar aos Jogos de Olímpia. Pouco depois tentou investir em carreira literária, mas seu sucesso foi limitado. Por fim, decidiu estudar a filosofia de Sócrates.
 
Após a morte de seu mestre, Platão partiu em longas viagens, nas quais seu pensamento filosófico se tornou mais maduro e refinado. Prova disso foram as ideias que desenvolveu em suas obras, as quais foram escritas em forma de diálogos, quase sempre tendo Sócrates como personagem principal.
 
Dentre todos os diálogos platônicos, aquele que talvez sintetize com mais clareza o ponto central de sua filosofia tenha sido Timeu. Nesta obra, Platão estabelece a famosa diferença entre o mundo sensível (o mundo concreto no qual vivemos) e o mundo das ideias — eidos, em grego.
 
Segundo sua descrição, no início dos tempos, havia apenas as ideias — o Bem, a Verdade, o Humano, etc — até que um ser supremo, chamado Demiurgo, decidiu criar coisas a partir das mesmas. Essa teria sido a origem do mundo e de tudo que há nele (as pessoas, as sociedades, os costumes, e assim por diante). Para Platão, as obras do Demiurgo foram ricas, porém imperfeitas: baseavam-se em ideias perfeitas, mas eram apenas cópias.
 
A partir daí, segundo o filósofo, qualquer compreensão adequada sobre as coisas do mundo sensível deveria abstrair as suas imperfeições e chegar até a sua essência, chegar até o seu ideal. Por exemplo: no mundo existem diversos tipos de cães – grandes, pequenos, claros, escuros, etc — mas apesar das diferenças, todos eles são cães, ou seja, todos têm em si a essência do que é um cão.
 
O mesmo raciocínio vale para os valores humanos. Enquanto os sofistas afirmavam, por exemplo, que justiça e injustiça eram meras convenções, Platão dizia que na verdade elas pareciam convenções porque havia muitas concepções diferentes de justiça; mas, se comparássemos todas elas e deixássemos de lado suas diferenças para olhar apenas o que nelas havia em comum, surgiria daí a essência do que era a Justiça.
 
Essa noção platônica de mundo sensível e mundo inteligível marcou época em toda a filosofia posterior e além, influenciando até mesmo muitos pensadores do cristianismo como Santo Agostinho. Porém, como nada em filosofia é isolado, cabe dizer que Platão teve duas grandes inspirações: Sócrates, através de seu método dialético e Pitágoras, através da sua noção de que além das aparências havia sempre uma essência simétrica, perfeita e harmoniosa (no caso pitagórico essa essência eram os números).
 
No fim de sua vida, Platão criou a primeira instituição filosófica da história. Comprou, nos arredores de Atenas, uma propriedade onde recebia discípulos para debates. Situada num lugar chamado Jardins de Academos, passaria à história como a Academia.
 
Alegoria da caverna
   
Para explicar o movimento de passagem de um grau de conhecimento para o outro, no Livro VII da República, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da paideia platônicas. Para conhecermos esse mito, precisamos retomar, noutro nível, a exposição da teoria do conhecimento feita nas aulas anteriores, pois essa versão apresentada deixou de lado a beleza, a dramaticidade e as metáforas que tecem o Livro VI da República.
 
Para dar a entender ao jovem Glauco o que é e como se adquire o conhecimento verdadeiro, Sócrates começa estabelecendo uma analogia entre conhecer e ver.
  
Todos nossos sentidos, diz Sócrates, mantêm uma relação direta com o que sentem. Não é esse, porém, o caso da visão. Para que a visão se realize, não bastam os olhos (ou a faculdade da visão) e as coisas coloridas (pois vemos cores e são elas que desenham a figura, o volume e as demais qualidades da coisa visível), mas é preciso um terceiro elemento que permita aos olhos ver e às coisas serem vistas: para que haja um visível visto é preciso a luz. A luz não é o olho nem a cor, mas o que faz com que o olho veja a cor e que a cor seja vista pelo olho. É graças ao Sol que há um mundo visível. Por que as coisas podem ser vistas? Porque a cor é filha da luz. Por que os olhos são capazes de ver? Porque são filhos do Sol: são faróis ou luzes que iluminam as coisas para que se tornem visíveis. A visão é, assim, uma atividade e uma passividade dos olhos. Atividade, porque é a luz do olhar que torna as coisas visíveis. Passividade, porque os olhos recebem sua luz do Sol.
Conhecer a verdade é ver com os olhos da alma ou com os olhos da inteligência. Assim como o Sol dá sua luz aos olhos e às coisas para que haja mundo visível, assim também a ideia suprema, a ideia de todas as ideias, o Bem (isto é, a perfeição em si mesma) dá à alma e às ideias sua bondade (sua perfeição) para que haja mundo inteligível. Assim como os olhos e as coisas participam da luz, assim também a alma e as ideias participam da bondade (ou perfeição) e é por isso que a alma pode conhecer as ideias. E assim como a visão é passividade e atividade do olho, assim também o conhecimento é passividade e atividade da alma: passividade, porque a alma precisa receber a ação das ideias para poder contemplá-las; atividade, porque essa recepção e contemplação constituem a própria natureza da alma.
 
Assim como na treva não há visibilidade, assim também na ignorância não há verdade. A e a são para a alma o que a cegueira é para os olhos e a escuridão é para as coisas: são privações (privação de visão e privação de conhecimento).
 
Sob a analogia da luz, a diferença entre o sensível e o inteligível se apresenta assim:
 
MUNDO SENSÍVEL 
 
SolLuz
Cores
Olhos
Visão
Treva, cegueira
Privação de luz 


MUNDO INTELIGÍVEL

Bem Verdade
Ideias

Alma racional ou inteligência
Intuição
Ignorância, opinião
Privação de verdade

Essa analogia é o tema do Mito da Caverna, narrado por Sócrates a Glauco para fazê-lo compreender o sentido da paideia filosófica, isto é, da dialética e do conhecimento verdadeiro.

Imaginemos, diz Sócrates, uma caverna subterrânea separada do mundo externo por um alto muro. Entre este e o chão da caverna há uma fresta por onde passa alguma luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa.
 
Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali estão acorrentados, sem poder mover a cabeça na direção da entrada, nem se locomover, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros, pois não podem mover a cabeça nem o corpo, e sem se ver a si mesmos porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna.
 
Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres, animais cujas sombras também são projetadas na parede da caverna, como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transportam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam.
 
Nesse ponto, Glauco diz a Sócrates que o quadro descrito por ele lhe parece algo estranho, incomum e inusitado. Sócrates, porém, diz-lhe que os prisioneiros "são semelhantes a nós". E prossegue. Os prisioneiros se comunicam, dando nomes às coisas que julgam ver (sem vêlas realmente, pois estão na obscuridade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das próprias sombras e não vozes dos seres reais. Qual é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas?
 
Tomam sombras por realidade, tanto as sombras das coisas e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa confusão, porém, não tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições adversas em que se encontram. Por isso Sócrates indaga: que aconteceria se fossem libertados dessa condição de miséria e, "retornando à sua natureza, pudessem ver as coisas e ser curados de sua ignorância?".
 
Essa pergunta é um tanto grave. De fato, para os prisioneiros, o único mundo real é a caverna, portanto, a obscuridade na qual não podem se ver nem ver os outros não é percebida como tal e sim experimentada como realidade verdadeira. E a caverna é para eles todo o mundo real, pois não sabem que o que vêem na parede do fundo são sombras de um outro mundo, exterior à caverna, uma vez que não podem virar a cabeça para ver que há algo lá fora e que é de lá de fora que outros homens lhes enviam imagens e sons.
 
Ora, se para os prisioneiros o mundo real é a caverna, como poderiam sair da ilusão se não sabem que vivem nela?
 
Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando as durezas de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a ação da luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidade porque está obrigado a decidir onde se encontra a realidade: no que vê agora ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso é retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto. Embora esteja reconquistando sua verdadeira natureza, o sofrimento que essa reconquista lhe traz é tão grande que se sente atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar a caverna, onde tudo lhe é familiar e conhecido.
 
A descrição platônica é dramática: o caminho em direção ao mundo exterior é íngreme e rude; o prisioneiro libertado sofre e se lamenta de dores no corpo; a luz do Sol o cega; ele se sente arrancado, puxado para fora por uma força incompreensível. Platão narra um parto: o parto da alma que nasce para a verdade e é dada à luz.
 
Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também.
 
Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era ingrato e a luz, ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que se habituar à luz. De volta à caverna, o prisioneiro fica cego novamente, mas, agora, por ausência de luz. Ali dentro, é desajeitado, inábil, não sabe mover-se entre as sombras nem falar de modo compreensível para os outros, não sendo acreditado por eles. Torna-se objeto de zombaria e riso, e correrá o risco de ser morto pelos que jamais se disporão a abandonar a caverna. Impossível aqui não identificar a figura de Sócrates na do prisioneiro que se liberta, retorna e é morto pelos homens das sombras.
 
A caverna, explica Sócrates a Glauco, é o mundo sensível onde vivemos. O fogo que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (do Bem e das ideias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas sensíveis, que tomamos pelas verdadeiras, e as imagens ou sombras dessas sombras, criadas por artefatos fabricados de ilusões. Os grilhões são nossos preconceitos, nossa confiança em nossos sentidos, nossas paixões e opiniões. O instrumento que quebra os grilhões e permite a escalada do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que escapa é o filósofo. A luz que ele vê é a luz plena do ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligível como o Sol ilumina o mundo sensível. O retorno à caverna para convidar os outros a sair dela é o diálogo filosófico, e as maneiras


desajeitadas e insólitas do filósofo são compreensíveis, pois quem contemplou a unidade da verdade já não sabe lidar habilmente com a multiplicidade das opiniões nem se mover com engenho no interior das aparências e ilusões.
Os anos despendidos na criação do instrumento para sair da caverna são o esforço da alma para libertar-se. Conhecer é, pois, um ato de libertação e de iluminação. A paideia filosófica é uma conversão da alma voltando-se do sensível para o inteligível. Essa educação não ensina coisas nem nos dá a visão, mas ensina a ver, orienta o olhar, pois a alma, por sua natureza, possui em si mesma a capacidade para ver.
 
O Mito da Caverna apresenta a dialética como movimento ascendente de libertação do olhar intelectual que nos livra da cegueira para vermos a luz das ideias. Mas descreve também o retorno do prisioneiro para convidar os que permaneceram na caverna a sair dela, ensinando-lhes como quebrar os grilhões e subir o caminho. Há, assim, dois movimentos: o de ascensão (a dialética ascendente), que vai da imagem à crença ou
opinião, desta para as matemáticas e destas para a intuição intelectual e a ciência; e o do descenso (a dialética descendente), que consiste em praticar com outros o trabalho para subir até às ideias.

Os olhos foram, portanto, feitos para ver, a alma foi feita para conhecer. Os primeiros estão destinados à luz solar, a segunda, à fulguração/revelação da ideia. A dialética é a técnica que liberta os "olhos do espírito".

O relato da subida e da descida expõe a paideia como dupla violência necessária para a liberdade e para a realização da natureza verdadeira da alma: a ascensão é difícil, dolorosa

, quase insuportável; o retorno à caverna, uma imposição terrível à alma libertada, agora forçada a abandonar a luz e a felicidade. A dialética, como toda técnica, é uma atividade exercida contra uma passividade, é um esforço para obrigar uma dÚnamij a se atualizar, um trabalho para concretizar um fim, forçando um ser a realizar sua própria natureza. No Mito da Caverna, a dialética leva a alma a ver sua própria essência ou forma  isto é, conhecer, vendo as essências ou formas, para descobrir seu parentesco com elas, pois a alma é parente da ideia como os olhos são parentes da luz.
 
Aristóteles
 
 
(grego antigo: Ἀριστοτέλης, transl. Aristotélēs; Estagira, 384 a.C.Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. Seus escritos abrangem diversos assuntos, como a física, a metafísica, as leis da poesia e do drama, a música, a lógica, a retórica, o governo, a ética, a biologia e a zoologia. Juntamente com Platão e Sócrates (professor de Platão), Aristóteles é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental. Em 343 a.C. torna-se tutor de Alexandre da Macedónia, na época com 13 anos de idade, que será o mais célebre conquistador do mundo antigo. Em 335 a.C.Alexandre assume o trono e Aristóteles volta para Atenas, onde funda o Liceu (lyceum) em 335 a.C..

Repercussão


Seu ponto de vista sobre as ciências físicas influenciou profundamente o cenário intelectual medieval, e esteve presente até o Renascimento - embora eventualmente tenha vindo a ser substituído pela física newtoniana. Nas ciências biológicas, a precisão de algumas de suas observações foi confirmada apenas no século XIX. Suas obras contêm o primeiro estudo formal conhecido da lógica, que foi incorporado posteriormente à lógica formal. Na metafísica, o aristotelismo teve uma influência profunda no pensamento filosófico e teológico nas tradições judaico-islâmicas durante a Idade Média, e continua a influenciar a teologia cristã, especialmente a ortodoxa oriental, e a tradição escolástica da Igreja Católica. Seu estudo da ética, embora sempre tenha continuado a ser influente, conquistou um interesse renovado com o advento moderno da ética da virtude. Todos os aspectos da filosofia de Aristóteles continuam a ser objeto de um ativo estudo acadêmico nos dias de hoje. Embora tenha escrito diversos tratados e diálogos num estilo elegante (Cícero descreveu seu estilo literário como "um rio de ouro"),[1] acredita-se que a maior parte de sua obra tenha sido perdida, e apenas um terço de seus trabalhos tenham sobrevivido.[2]

Apesar do alcance abrangente que as obras de Aristóteles gozaram tradicionalmente, os acadêmicos modernos questionam a autenticidade de uma parte considerável do corpus aristotélico.[3]
Foi chamado por Augusto Comte de "o príncipe eterno dos verdadeiros filósofos",[4] por Platão de "O Leitor" (pela avidez com que lia e por se ter cercado dos livros dos poetas, filósofos e homens da ciência contemporâneos e anteriores) e, pelos pensadores árabes, de o "preceptor da inteligência humana". Também era conhecido como O Estagirita, por sua terra natal, Estagira.
 
Vida
 
Aristóteles era natural de Estagira, na Trácia,[5] sendo filho de Nicômaco, amigo e médico pessoal do rei macedônio Amintas III, pai de Filipe II.[6] É provável que o interesse de Aristóteles por biologia e fisiologia decorra da atividade médica exercida pelo pai e pelo tio, e que remontava há dez gerações.
 
Segundo a compilação bizantina Suda, Nicômaco era descendente de Nicômaco, filho de Macaão, filho de Esculápio.[7]

Com cerca de 16 ou 17 anos partiu para Atenas, maior centro intelectual e artístico da Grécia. Como muitos outros jovens da época, foi para lá prosseguir os estudos. Duas grandes instituições disputavam a preferência dos jovens: a escola de Isócrates, que visava preparar o aluno para a vida política, e Platão e sua Academia, com preferência à ciência (episteme) como fundamento da realidade. Apesar do aviso de que, quem não conhecesse Geometria ali não deveria entrar, Aristóteles decidiu-se pela academia platônica e nela permaneceu vinte anos, até a morte de Platão,[8], no primeiro ano da 108a olimpíada (348 a.C.).[9]

Espeusipo, sobrinho de Platão [10], foi por ele nomeado escolarca da academia,[9] e assim Aristóteles partiu para Assos com alguns ex-alunos. Dois fatos parecem se relacionar com esse episódio: Espeusipo representava uma tendência que desagradava Aristóteles, isto é, a matematização da filosofia; e Aristóteles ter-se sentido preterido (ou rejeitado), já que se julgava o mais apto para assumir a direção da Academia, no entanto não assumira devido principalmente ao fato de que não era grego, mas imigrante da Macedônia.
 
Em Assos, Aristóteles fundou um pequeno círculo filosófico com a ajuda de Hérmias, tirano de Atarneu e eventual ouvinte de Platão. Lá ficou por três anos e casou-se com Pítias, sobrinha de Hérmias. Assassinado Hérmias, Aristóteles partiu para Mitilene, na ilha de Lesbos, onde realizou a maior parte das famosas investigações biológicas. No ano de 343 a.C. chamado por Filipe II, tornou-se preceptor de Alexandre, função que exerceu até 336 a.C., quando Alexandre subiu ao trono.
 
Neste mesmo ano, de volta a Atenas, fundou o Lykeion, origem da palavra Liceu (lyceum) cujos alunos ficaram conhecidos como peripatéticos (os que passeiam), nome decorrente do hábito de Aristóteles de ensinar ao ar livre, muitas vezes sob as árvores que cercavam o Liceu. Ao contrário da Academia de Platão, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Alexandre mesmo enviava ao mestre exemplares da fauna e flora das regiões conquistadas. O trabalho cobria os campos do conhecimento clássico de então, filosofia, metafísica, lógica, ética, política, retórica, poesia, biologia, zoologia, medicina e estabeleceu as bases de tais disciplinas quanto a metodologia científica.
 
Aristóteles dirigiu a escola até 324 a.C., pouco depois da morte de Alexandre. Os sentimentos antimacedônicos dos atenienses voltaram-se contra ele que, sentindo-se ameaçado, deixou Atenas afirmando não permitir que a cidade cometesse um segundo crime contra a filosofia (alusão ao julgamento de Sócrates). Deixou a escola aos cuidados do principal discípulo, Teofrasto (372 a.C. - 288 a.C.) e retirou-se para Cálcis, na Eubeia. Nessa época, Aristóteles já era casado com Hérpiles, uma vez que Pítias havia falecido pouco tempo depois do assassinato de Hérmias, seu protetor. Com Hérpiles, teve uma filha e o filho Nicômaco. Morreu a 322 a.C.

O pensamento aristotélico
 
A tradição representa um elemento vital para a compreensão da filosofia aristotélica. Em certo sentido, Aristóteles via o próprio pensamento como o ponto culminante do processo desencadeado por Tales de Mileto. A filosofia pretendia não apenas rever como também corrigir as falhas e imperfeições das filosofias anteriores. Ao mesmo tempo, trilhou novos caminhos para fundamentar as críticas, revisões e novas proposições.
 
Aluno de Platão, Aristóteles discorda de uma parte fundamental da sua filosofia. Platão concebia dois mundos existentes: aquele que é apreendido por nossos sentidos, o mundo concreto -, em constante mutação; e outro mundo - abstrato -, o das ideias, acessível somente pelo intelecto, imutável e independente do tempo e do espaço material. Aristóteles, ao contrário, defende a existência de um único mundo: este em que vivemos. O que está além de nossa experiência sensível não pode ser nada para nós.
 
Lógica
 
Para Aristóteles, a Lógica é um instrumento, uma introdução para as ciências e para o conhecimento e baseia-se no silogismo, o raciocínio formalmente estruturado que supõe certas premissas colocadas previamente para que haja uma conclusão necessária. O silogismo é dedutivo, parte do universal para o particular; a indução, ao contrário, parte do particular para o universal. Dessa forma, se forem verdadeiras as premissas, a conclusão, logicamente, também será.
 
Física
 
A concepção aristotélica de Física parte do movimento, elucidando-o nas análises dos conceitos de crescimento, alteração e mudança. A teoria do ato e potência, com implicações metafísicas, é o fundamento do sistema. Ato e potência relacionam-se com o movimento enquanto que a matéria se forma com a ausência de movimento.
 
Para Aristóteles, os objetos caíam para se localizarem corretamente de acordo com a natureza: o éter, acima de tudo; logo abaixo, o fogo; depois o ar; depois a água e, por último, a terra.
 
Psicologia
 
A Psicologia é a teoria da alma e baseia-se nos conceitos de alma (psykhé) e intelecto (noûs). A alma é a forma primordial de um corpo que possui vida em potência, sendo a essência do corpo. O intelecto, por sua vez, não se restringe a uma relação específica com o corpo; sua atividade vai além dele.
 
O organismo, uma vez desenvolvido, recebe a forma que lhe possibilitará perfeição maior, fazendo passar suas potências a ato. Essa forma é alma. Ela faz com que vegetem, cresçam e se reproduzam os animais e plantas e também faz com que os animais sintam.
 
No homem, a alma, além de suas características vegetativas e sensitivas, há também a característica da inteligência, que é capaz de apreender as essências de modo independente da condição orgânica.
 
Ele acreditava que a mulher era um ser incompleto, um meio homem. Seria passiva, ao passo que o homem seria ativo.
 
Biologia
 
A biologia é a ciência da vida e situa-se no âmbito da física (como a própria psicologia), pois está centrada na relação entre ato e potência. Aristóteles foi o verdadeiro fundador da zoologia - levando-se em conta o sentido etimológico da palavra. A ele se deve a primeira divisão do reino animal.
 
Aristóteles é o pai da teoria da abiogênese, que durou até séculos mais recentes, segundo a qual um ser nascia de um germe da vida, sem que um outro ser precisasse gerá-lo (exceto os humanos): um exemplo é o das aves que vivem à beira das lagoas, cujo germe da vida estaria nas plantas próximas.
 
Ainda no campo da biologia, Aristóteles foi quem iniciou os estudos científicos documentados sobre peixes sendo o precursor da ictiologia (a ciência que estuda os peixes), catalogou mais de cem espécies de peixes marinhos e descreveu seu comportamento. É considerado como elemento histórico da evolução da piscicultura e da aquariofilia.[11]

Metafísica
O termo "Metafísica" não é aristotélico; o que hoje chamamos de metafísica era chamado por Aristóteles de filosofia primeira. Esta é a ciência que se ocupa com realidades que estão além das realidades físicas que possuem fácil e imediata apreensão sensorial.
O conceito de metafísica em Aristóteles é extremamente complexo e não há uma definição única. O filósofo deu quatro definições para metafísica:
  • a ciência que indaga e reflete acerca dos princípios e primeiras causas;
  • a ciência que indaga o ente enquanto aquilo que o constitui, enquanto o ser do ente;
  • a ciência que investiga as substâncias;
  • a ciência que investiga a substância supra-sensível, ou seja, que excede o que é percebido através da materialidade e da experiência sensível.
Os conceitos de ato e potência, matéria e forma, substância e acidente possuem especial importância na metafísica aristotélica.
As quatro causas
Para Aristóteles, existem quatro causas implicadas na existência de algo:
  • A causa material (aquilo do qual é feita alguma coisa, a argila, por exemplo);
  • A causa formal (a coisa em si, como um vaso de argila);
  • A causa eficiente (aquilo que dá origem ao processo em que a coisa surge, como as mãos de quem trabalha a argila);
  • A causa final (aquilo para o qual a coisa é feita, cite-se portar arranjos para enfeitar um ambiente).
Essência e acidente
Aristóteles distingue, também, a essência e os acidentes em alguma coisa.
A essência é algo sem o qual aquilo não pode ser o que é; é o que dá identidade a um ser, e sem a qual aquele ser não pode ser reconhecido como sendo ele mesmo (por exemplo: um livro sem nenhum tipo de história ou informações estruturadas, no caso de um livro técnico, não pode ser considerado um livro, pois o fato de ter uma história ou informações é o que permite-o ser identificado como "livro" e não como "caderno" ou meramente "maço de papel").
O acidente é algo que pode ser inerente ou não ao ser, mas que, mesmo assim, não descaracteriza-se o ser por sua falta (o tamanho de uma flor, por exemplo, é um acidente, pois uma flor grande não deixará de ser flor por ser grande; a sua cor, também, pois, por mais que uma flor tenha que ter, necessariamente, alguma cor, ainda assim tal característica não faz de uma flor o que ela é).
Ética
No sistema aristotélico, a ética é a ciência das condutas, menos exata na medida em que se ocupa com assuntos passíveis de modificação. Ela não se ocupa com aquilo que no homem é essencial e imutável, mas daquilo que pode ser obtido por ações repetidas, disposições adquiridas ou de hábitos que constituem as virtudes e os vícios. Seu objetivo último é garantir ou possibilitar a conquista da felicidade.
Partindo das disposições naturais do homem (disposições particulares a cada um e que constituem o caráter), a moral mostra como essas disposições devem ser modificadas para que se ajustem à razão. Estas disposições costumam estar afastadas do meio-termo, estado que Aristóteles considera o ideal. Assim, algumas pessoas são muito tímidas, outras muito audaciosas. A virtude é o meio-termo e o vício se dá ou na falta ou no excesso. Por exemplo: coragem é uma virtude e seus contrários são a temeridade (excesso de coragem) e a covardia (ausência de coragem).
As virtudes se realizam sempre no âmbito humano e não têm mais sentido quando as relações humanas desaparecem, como, por exemplo, em relação a Deus. Totalmente diferente é a virtude especulativa ou intelectual, que pertence apenas a alguns (geralmente os filósofos) que, fora da vida moral, buscam o conhecimento pelo conhecimento. É assim que a contemplação aproxima o homem de Deus.
Política
Na filosofia aristotélica a política é um desdobramento natural da ética. Ambas, na verdade, compõem a unidade do que Aristóteles chamava de filosofia prática.
Se a ética está preocupada com a felicidade individual do homem, a política se preocupa com a felicidade coletiva da pólis. Desse modo, é tarefa da política investigar e descobrir quais são as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituição do estado.
Acredita-se que as reflexões aristotélicas sobre a política originam-se da época em que ele era preceptor de Alexandre, o Grande.
Direito
Para Aristóteles, assim como a política, o direito também é um desdobramento da ética. O direito para Aristóteles é uma ciência dialética, por ser fruto de teses ou hipóteses, não necessariamente verdadeiras, validadas principalmente pela aprovação da maioria.
Retórica
Aristóteles considerava importante o conhecimento da retórica, já que ela se constituiu em uma técnica (por habilitar a estruturação e exposição de argumentos) e por relacionar-se com a vida pública. O fundamento da retórica é o entimema (silogismo truncado, incompleto), um silogismo no qual se subentende uma premissa ou uma conclusão. O discurso retórico opera em três campos ou gêneros: gênero deliberativo, gênero judicial e gênero epidítico (ostentoso, demonstrativo).
Poética
A poética é imitação (mimesis) e abrange a poesia épica, a lírica e a dramática: (tragédia e comédia). A imitação visa a recriação e a recriação visa aquilo que pode ser. Desse modo, a poética tem por fim o possível. O homem apresenta-se de diferentes modos em cada gênero poético: a poesia épica apresenta o homem como maior do que realmente é, idealizando-o; a tragédia apresenta o homem exaltando suas virtudes e a comédia apresenta o homem ressaltando seus vícios ou defeito.
Astronomia
O cosmos aristotélico é apresentado como uma esfera gigantesca, porém finita, à qual se prendiam as estrelas, e dentro da qual se verificava uma rigorosa subordinação de outras esferas, que pertenciam aos planetas então conhecidos e que giravam em torno da Terra, que se manteria imóvel no centro do sistema (sistema geocêntrico).[12]

Os corpos celestes não seriam formados por nenhum dos chamados quatro elementos transformáveis (terra, água, ar, fogo), mas por um elemento não transformável designado "quinta essência". Os movimentos circulares dos objetos celestes seriam, além de naturais, eternos.
 
Em 1996, descobriu-se em Atenas, Grécia, o sítio arqueológico onde funcionou o Liceu - a escola fundada por Aristóteles (384-322 a.C.), para concorrer com a Academia, a escola anterior, fundada por seu antigo professor, Platão (427-347 a.C.). A fundação do Liceu não reflete nenhuma ingratidão do discípulo com seu mestre, que por sinal já havia morrido cerca de dez anos quando a escola aristotélica surgiu (336 a.C.).
 
Aluno de Platão, a quem reconhecia o gênio, Aristóteles passou a discordar de uma ideia fundamental de sua filosofia e, então, o pensamento dos dois se distanciou. Talvez seja esse o ponto de partida para se falar da obra filosófica aristotélica.
 
Platão concebia a existência de dois mundos: aquele que é apreendido por nossos sentidos - por assim dizer, o mundo concreto -, que está em constante mutação; e um outro mundo - abstrato -, o mundo das ideias, imutável, independente do tempo e do espaço, que nos é acessível somente pelo intelecto.
 
O mundo da experiência
 
Pra Aristóteles, existe um único mundo: este em que vivemos. Só nele encontramos bases sólidas para empreender investigações filosóficas. Aliás, é o nosso deslumbramento com este mundo que nos leva a filosofar, para conhecê-lo e entendê-lo.
 
Aristóteles sustenta que o que está além de nossa experiência não pode ser nada para nós. Nesse sentido, ele não acreditava e não via razões para acreditar no mundo das ideias ou das formas ideais platônicas.
 
Porém, conhecer o mundo da experiência, "concreto", foi um desejo ao qual Aristóteles se entregou apaixonadamente. Assim, ele descreveu os campos básicos da investigação da realidade e deu-lhes os nomes com que são conhecidos até os nossos dias: lógica, física, política, economia, psicologia, metafísica, meteorologia, retórica e ética.
 
Aliás, ele inventou também os termos técnicos dessas disciplinas e eles também se mantêm em uso desde então. Exemplos? Energia, dinâmica, indução, demonstração, substância, essência, propriedade, categoria, proposição, tópico, etc.
 
O que é ser?
 
Filósofo que sistematizou a lógica, Aristóteles definiu as formas de inferência que são válidas e as que não são, além de nomeá-las. Durante dois milênios, estudar lógica significou estudar a lógica aristotélica.
 
Aristóteles aplicou a lógica, antes de mais nada, para responder a uma questão que lhe parecia a mais importante de todas: o que é ser?, ou, em outras palavras, o que significa existir? Primeiramente, o filósofo constatou que as coisas não são a matéria de que se constituem.
 
Por exemplo, uma pilha de telhas, outra de tijolos, vigas e colunas de madeira não são uma casa. Para se tornarem casa, é necessário que estejam reunidas de um modo determinado, numa estrutura muito específica e detalhada. Essa estrutura é a casa; e os materiais, embora necessários, podem variar.
 
Com o tempo, nosso corpo está em constante mutação - transforma-se da infância para adolescência, desta para a idade adulta e, finalmente, para a velhice. Nem por isso deixamos de ser nós mesmos. Da mesma maneira, um cão é um cão em virtude de uma organização e estrutura que ele compartilha com outros cães e que o diferencia de outros animais que também são feitos de carne, pelos, ossos, sangue...
 
As quatro causas
 
Para Aristóteles uma coisa é o que é devido a sua forma. Como, porém, o filósofo entende essa expressão? Ele compreende a forma como a explicação da coisa, a causa de algo ser aquilo que é. Na verdade, Aristóteles distingue a existência de quatro causas diferentes e complementares:
 
  • Causa material: de que a coisa é feita? No exemplo da casa, de tijolos.
  • Causa eficiente: o que fez a coisa? A construção.
  • Causa formal: o que lhe dá a forma? A própria casa.
  • Causa final: o que lhe deu a forma? A intenção do construtor.
 
Embora Aristóteles não seja materialista (vimos que a forma não é a matéria), sua explicação do mundo é mundana, está no próprio mundo. Finalmente, para o filósofo, a essência de qualquer objeto é a sua função. Diz ele que, se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; se um machado tivesse uma alma, esta seria o cortar. Entendendo isso, entendemos as coisas.
 
Mas o pensamento aristotélico não se limitou a essa área da filosofia que podemos chamar de teoria do conhecimento ou epistemologia. Deixando de lado os domínios que deram origem a outras ciências e nos limitando à filosofia propriamente dita, Aristóteles ainda refletiu sobre a ética, a política e a poética (que, no caso, compreende não apenas a poesia, mas a obra literária e teatral).
 
Ética e política No campo da ética, segundo Aristóteles, todos nós queremos ser felizes no sentido mais pleno dessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do convívio social.
 
 Aristóteles acredita que a auto-indulgência e a autoconfiança exageradas criam conflitos com os outros e prejudicam nosso caráter. Contudo, inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Vem daí sua célebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude é um ponto intermediário entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vícios ou defeitos de caráter.
 
Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa entre o esbanjamento e a mesquinharia. A coragem fica entre a imprudência e a covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento, da moderação, do afastamento de todo e qualquer excesso.
 
Para Aristóteles, é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos cidadãos viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto, deve tornar possível o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. Por fim, o indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é, mais do que um ser social, um animal político - ou seja, que precisa estabelecer relações com outros homens.
 
O papel da arte A poética tem, para Aristóteles, um papel importantíssimo nisso, na medida em que é a arte - em especial a tragédia - que nos proporciona as grandes noções sobre a vida, por meio de uma experiência emocional. Identificamo-nos com os personagens da tragédia e isso nos proporciona a catarse, uma descarga de desordens emocionais que nos purifica, seja pela piedade ou pelo terror que o conflito vivido pelas personagens desperta em nós.
 
Tudo isso é, evidentemente, um resumo ultra-sintético do pensamento aristotélico. Sua obra é gigantesca, apesar de a maior parte dela ter se perdido ao longo dos tempos. O que chegou até nós corresponde a 1/5 de sua produção. São notas suas e de seus discípulos que passaram nas mãos de estudiosos da Antiguidade, da Idade Média (parte dos quais em países islâmicos), e que foram reorganizadas pela posteridade.
 
Principalmente em função disso, a leitura de Aristóteles é difícil e seus textos não possuem a qualidade artística que encontramos nas obras de Platão.
 
Existencialismo: O homem está condenado a ser livre
 
Comunicar erro Imprimir Existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana.
 
É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970.
 
Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações.
 
O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida.
 
 Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer".
 
Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.
 
Somos os responsáveis por nossa existência
 
Se o homem primeiro existe e depois se faz por suas ações, ele é um projeto - é aquele que se lança no futuro, nas suas possibilidades de realização. O que isso quer dizer?
 
Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário).
 
E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9).
 
Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia.
 
"Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.
 
O peso e a importância da liberdade
 
Mas ao escolher a si próprio, a sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. João é casado e tem três filhos: fez uma opção pela monogamia e a família tradicional. Já seu amigo José é filiado a um partido político e vai para o trabalho de bicicleta: acha correta a participação política e se preocupa com o meio ambiente. As escolhas de José e João têm um valor universal. Ao fazer algo, deveríamos nos perguntar: e se todos agissem da mesma forma, o mundo seria um lugar melhor de se viver?
 
E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade.
 
 Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica.
 
 À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.
 
Outros pensadores existencialistas
 
Desde Sócrates (470 a.C.- 399 a.C), muitos filósofos refletiram sobre a existência humana, passando pelos estoicos, Santo Agostinho (354-430), Blaise Pascal (1623-1662), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Henri Bergson (1859-1941), mas nem por isso podem ser chamados de filósofos existencialistas.
 
Mesmo entre os pensadores alinhados às doutrinas da existência, encontram-se posições diversas que vão do chamado existencialismo cristão, representado pelo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) - considerado o precursor do movimento -, o francês Gabriel Marcel (1889-1973) e o alemão Karl Jaspers (1883-1969), até o existencialismo ateu, do próprio Sartre, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e dos escritores franceses Albert Camus (1913-1960) e Simone de Beauvoir (1908-1986).
 
Idealismo Filosófico
 
IDEALISMO – termo que vem do Latim tardio “IDEALIS”. Em sentido comum, significa dedicação, engajamento a uma Doutrina, a uma Causa, um Compromisso com um “Ideal”, sem que exista interesse material ou, até mesmo, anseio pela imediata concretização daquele “Ideal”.
 
O termo “IDEALISMO” na História da Filosofia abrange variadas tendências de Pensamento, as quais, porém, tem em comum o fato de interpretarem a Realidade Material do Mundo seguindo as características da personalidade do individuo, da seguinte maneira: o Mundo Material, que os Sentidos (tato, audição, visão paladar, olfato) levam ao cérebro do Individuo, é TRANSFORMADO conforme os seus pontos de vista, conforme seus juízos, SUAS IDÉIAS; ou seja, conforme a sua subjetividade.
 
No campo do Conhecimento, o Idealismo acarreta um efeito indesejável, pois ao tornar o “Objeto do Conhecimento” – aquilo que se está estudando – o próprio “Individuo Conhecedor”, estuda “apenas” o Individuo e a sua forma de analisar e compreender qualquer Coisa que se estude. Pouco importa as características, as qualidades, os atributos da Coisa, do Objeto; pois o que importa (sic) é a maneira de como esse processo está sendo executado pelo Individuo que estuda aquela Coisa. Qual é, pois, A IDEIA que o Sujeito faz do Objeto; e NÃO o quê o Objeto realmente É. Perde-se toda objetividade em favor da excessiva subjetividade.
 
No campo da Ontologia (ver adendo) tudo é reduzido a Pensamento, Idéia ou “Espírito”. A Matéria “Só Existe”, porque dela se faz uma Idéia. O Mundo NÃO é como é, mas sim conforme a Idéia de que dele se faça.
 
 Em extremo, o Idealismo leva ao Solipsismo*, que é o isolamento do Individuo em si mesmo. A introspecção excessiva com característica de enfermidade psicológica ou psiquiátrica. No tópico sobre o Solipsismo, entraremos em mais detalhes sobre essa questão.
 
O Idealismo, como Escola Filosófica, repartiu-se em várias tendências. A seguir abordaremos algumas dentre as principais:
 
 1. O IDEALISMO PLATÔNICO - Com Platão, após Sócrates, é que “Idéia” passou a ter uma existência efetiva, embora em um sentido diferente do comum. Não se trata, pois, de noções, imagens, representações intelectuais etc. Alguns eruditos até discordam de que seu Sistema Filosófico seja rotulado como “Idealista”, pois argumentam que a sua Filosofia, na verdade, deve ser considerada como um “Realismo das Idéias” já que para o Mestre, as Idéias (mal comparando: os projetos, os desenhos que devem ser copiados para a confecção do objeto correspondente) formam outra “Realidade”, ou a “Verdadeira Realidade”. É um Mundo - o “Mundo das Idéias” - que pode ser parcialmente acessado pela Inteligência, pelo Raciocínio (ou pela Razão) e que existe por si mesmo, não necessitando que o Homem o conheça ou o reconheça. Está além do humano e do material; e é nele que estão os modelos para todas as coisas.
 
2. O IDEALISMO IMATERIALISTA – é uma Tendência que tem em BERKELEY (1685/1753, Irlanda) seu expoente. Para ele, e seus adeptos, os Objetos Materiais NÃO existem de fato; mas apenas como representações ou imagens, ou Idéias no intelecto, na mente dos Homens. E na mente de Deus, o criador do próprio Homem, o qual, segundo o seu Sistema, também não existe de fato, mas é apenas uma representação, uma imagem na Mente Divina. Essa sua forma de pensar permitiu-lhe emitir o célebre enunciado: SER, É SER PERCEBIDO; ou seja, só existe aquilo que se percebe de algum modo. Pergunte-se caro (a) leitor (a) se você existe para o Sr. Ming que habita na China e nunca soube de sua existência? E o inverso?
 
 3. IDEALISMO TRANSCENDENTAL – doutrina de KANT (1724/1804, Alemanha) que alguns chamam de “Idealismo Critico”. Através desse Sistema o filósofo considerava que os Objetos que estão em nosso cotidiano e que percebemos pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar, olfato) estão inserido no Espaço/Tempo e devem ser considerados apenas como fenômenos (a aparência, o exterior perceptível de uma Essência) e por isso serem diferenciados ou distinguidos de suas Essências ou “Coisa em Si”. Logo, se podemos perceber apenas o fenômeno, a “Realidade Verdadeira” é incognoscível, isto é, está além da nossa capacidade intelectual de compreensão. Dessa forma, qualquer Objeto só existe em uma “RELAÇÃO de CONHECIMENTO”; ou seja, o Objeto só existe a partir do instante que o Individuo o perceba, ou o conheça. Aqui, a frase de BEKERLEY – ser, é ser percebido - citada acima, pode ser aplicada novamente, posto que o Objeto só “È” enquanto alguém o percebe. Kant dizia: “chamo de Idealismo Transcendental” de todos os fenômenos A DOUTRINA que nos leva a considerar que esses mesmos fenômenos são simples representações, ou imagens que formamos em nosso cérebro. Ou seja, “Idealismo Transcendental” é apenas o TITULO de um de seus estudos.
 
4. IDEALISMO ALEMÃO PÓS-KANTIANO – é o desenvolvimento da doutrina de Kant, principalmente, por FICHTE (1762/1814, Alemanha) e pelo sábio SCHELLING (1775/1854, Alemanha). Todavia, ambos abrandaram a noção de Kant sobre a “Coisa em Si”, dando à Doutrina uma interpretação em que a visão subjetiva (ou segundo o ponto de vista de cada individuo) ganhou mais importância. Consideravam, pois, que o Real ou a Realidade é formada, ou constituída, pela Consciência de cada um. De novo, aplica-se a noção de que “O Mundo não é como é, mas sim como é visto ou percebido por cada um dos Homens.”
  
5. IDEALISMO ABSOLUTO – é o termo usado por Hegel (1770/1831, Alemanha) para demonstrar a sua noção de Metafísica (do que está além do físico, o sobrenatural). Segundo o filósofo, o Real (ou a Realidade) “È” a IDÉIA, mas NÃO em sentido subjetivo ou individual; porém em sentido absoluto. Para Hegel tudo que está “abaixo” da Metafísica, ou seja, o material, concreto, físico é apenas uma ilusão, mas que deve ser considerada; a partir daí é que Hegel propôs uma espécie de “Monismo” onde Essência e Fenômeno formam uma única coisa. Um único ente. E como ele afirmava que o Real (ou a Realidade) é Racional (isto é, pode ser atingida através da Razão), Essência e Fenômeno são, conseqüentemente, compreensíveis pelo Raciocínio, que constrói de ambos uma representação, uma Idéia. Por isso, o “seu” Idealismo é Absoluto. É o “Idealismo Total” que abarca tanto o interior quanto o exterior de qualquer Coisa ou Ser.
 
Na tradição filosófica, o Idealismo combate, é claro, as Doutrinas Materialistas na medida em que para o Idealismo o Universo é um conjunto de mínimo dois elementos ou princípios: Matéria e Pensamento. Ou de um só: o Pensamento e a matéria mera representação mental.
 
Atualmente, no campo do Marxismo, o “Idealismo” passou a significar algo bom, excelente, mas utópico e irrealizável. Especialmente no Campo da Moral, onde não são raras as ótimas, generosas e altruístas intenções que nunca se realizam, principalmente em razão da natureza humana (ou seja da forma que o Homem é), que ainda rasteja no terreno da pura competição.
 
Como adendo a esse tópico, faremos na seqüência breves explanações acerca do termo raiz: a Idéia.
  
Conforme o Dicionário Aurélio, EM TERMOS COLOQUIAIS:
 
1.Representação mental de algo concreto ou abstrato, imagem.
 
2.Elaboração intelectual, concepção, projeto, plano
 
3.Invenção, criação
 
4.Opinião, conceito, juízo
 
5.Visão imaginaria, irreal, quimera
 
6.Mente, Pensamento
 
7.Conhecimento, memória, lembrança
 
8.Tino, juízo, responsabilidade
  
Em termos de filosofia:
  
1. Como já se citou, em Platão, o Termo “Idéia” tem o significado de Modelo, Padrão, segundo o qual a respectiva Coisa é construída. Assim, por exemplo, existe a “Idéia Gato”, e todos os gatos existentes são feitos conforme aquele “molde”, malgrado as diferenças entre os indivíduos, pois a “Idéia” refere-se à Espécie ou à Classe e não aos Seres ou às Coisas individualmente. Para Platão, o “Mundo das Idéias” é transcendente à matéria, ou seja, “fica”, “localiza-se” além do que se pode perceber. Claro que para ele o termo não tinha o significado de “Pensamento”, “imagem mental” etc. Aliás, essa concepção, ou noção, só posteriormente apareceu na Filosofia e já como “A Essência” da Realidade. No tópico dedicado ao Platonismo*, voltaremos ao assunto.
  
2. Para Descartes (1596/1650), as Idéias são representações mentais produzidas pela consciência; e definida, por ele, como aquilo que a Mente percebe diretamente; isto é, se as Idéias foram fabricadas diretamente pela Mente ou pelo Cérebro é obvio que ela a perceba ou reconheça imediatamente; ao contrário do que ocorre quando há uma percepção pelos Sentidos sobre algum objeto e essa percepção tem que chegar ao cérebro, ou à mente, e ali ser processada para só então ser devidamente conceituada. Descartes diferencia três tipos de Idéias:
 
 a. INATAS – que são produzidas pelo próprio cérebro, ou mente, sem que haja necessidade de antes ter havido qualquer Experiência Empírica (aquela que consiste na percepção dos dados ou características do objeto estudado, através do que foi captado pelos Sentidos; ie. audição, visão, tato, olfato, paladar). Nesse tipo, ele inclui a Idéia de “um Deus perfeito”, a Idéia da “Substância Pensante (a Razão, os Pensamentos, a Mente, o “Espírito”)” e a Idéia da Matéria Extensa (o corpo físico).
  
b. FACTICIAS (Fictícias?)– as Idéias produzidas pela Imaginação e que se relacionam com uma Realidade imaginária, como, por exemplo, a Idéia de uma Sereia, a de um Monstro etc.
  
c. ADVENTÍCIAS – as Idéias que são formadas pelo Cérebro ou Mente a partir “do advento” ou do acontecimento de uma Experiência.
  
Para o filósofo, o Homem pode conhecer as “Idéias Inatas” – que são a base de todo Saber – voltando-se para seu interior, através de profunda meditação e reflexão.
  
3. Para os adeptos do Empirismo*, as Idéias são elementos mentais que resultam do processo de abstração (alheamento da realidade física, meditação, reflexão) sobre um Objeto que foi percebido ou captado pelos Sentidos (tato, visão, audição ...).
  
4. Para Kant (1724/1804) as Idéias são Conceitos ou Definições que “administram ou regulamentam” o funcionamento do Raciocínio, ou Razão. São imprescindíveis e com formas ou formatos que não tem correspondentes no Mundo Físico. As Idéias da RAZÃO PURA (ou do Raciocínio que não sofreu influências de nenhuma percepção captada pelos Sentidos) são aquelas que não tem qualquer associação com o Objetivo (ou material, físico, concreto), mas que são indispensáveis para que a Razão (ou Raciocínio, ou Consciente) funcione corretamente. Pode-se citar das mesmas os seguintes exemplos: a Idéia de Deus; a Idéia da Alma, a Idéia do Mundo Exterior etc.
 
 5. Para Hegel, a “Idéia Absoluta” é a “Verdade Plena do SER”. A unificação do Conceito (ou Noção) com a Realidade é a confirmação de que “Toda a Realidade (ou Real) é uma Idéia”. Veja-se acima “Idealismo Absoluto”.
  
Por fim, vale citar alguns Conceitos exarados pelos filósofos sobre o termo “Idéia”.
  
a. Descartes – pela palavra Idéia, entendo tudo o que pode estar em nosso Pensamento.
 
b. Hume (1711/1776, Escócia) – por Idéias , entendo as imagens enfraquecidas das Impressões no Pensamento e no Raciocínio. 
 
c. Kant – entendo por Idéia, um conceito racional necessário (indispensável) ao qual nenhum objeto que lhe corresponde pode ser dado (ou captado) nos Sentidos.
  
Racionalismo
  
O racionalismo consiste em acreditar nas ideias inatas e no raciocínio lógico, através da razão. É, de certo modo, a própria filosofia desde a sua origem pois, de facto, a razão é a condição de todo o pensamento teórico. A filosofia constitui-se pelo reconhecimento da razão como a faculdade do conhecimento das coisas e do domínio de si.
  
O racionalismo muda de aspeto conforme se opõe a cada filosofia. Opõe-se ao pensamento arcaico pelo seu estilo, já que está atento à ideia e visa uma coerência inteligível. Opõe-se ao empirismo, tornando-se metódico, armando-se com a lógica e a matemática.
  
Toda a doutrina da razão se apoia em dois pilares: a experiência que nos é dada pelos sentidos é insuficiente para se poder atingir o conhecimento; o pensamento através da razão é capaz de atingir a verdade absoluta, pois as suas leis são também as leis que regem os objetos do conhecimento, tal como Hegel descrevia: "Tudo o que é racional é real e tudo o que é real é racional".
  
O racionalismo surgiu com os Eleatas e teve um papel central no platonismo, com a Teoria das Ideias de Platão, que distinguia o mundo inteligível do mundo sensível. Desenvolveu-se no século XVII, segundo o qual o paradigma do conhecimento era a intuição intelectual que Deus tem das coisas, e da qual os seres humanos experienciam através da matemática.
  
Descartes é o criador e impulsionador do racionalismo moderno. Ele preocupa-se com a investigação prévia do conhecimento. A dúvida corresponde a uma exigência da fundamentação das possibilidades do conhecimento.
 
Há uma vastidão imensa de ideias inatas (intuição). Estas são isentas de dúvidas, Descartes não recusa a existência de informações vindas pelos sentidos mas não pode ter por elas carácter de evidência pois são obscuras e confusas. Descartes admite nos seres humanos a existência de ideias factícias (imaginação). É classificado de racionalista inatista pois só as ideias inatas são garantia de certeza. No racionalismo, o edifício do saber constrói-se por dedução a partir das ideias inatas. Tem, como modelo, a matemática, que é raiz do modelo do funcionamento do conhecimento no ser humano.
  
Kant admite que as formas a priori de todo o conhecimento limitam as possibilidades da razão e distingue as duas fontes de conhecimento, sensibilidade e entendimento, em que a sensibilidade é limitada pelas intuições puras.
  
O racionalismo pode limitar-se a um aspeto da experiência humana: racionalismo moral (Rauh), racionalismo religioso (Feuerbach), racionalismo político (Montesquieu) e racionalismo estético (Valéry).
 
 Com o desenvolvimento do pensamento experimental, o racionalismo tende a passar de metafísico a positivo. Em vez de incidir sobre a verdade concebida como um absoluto, recorre à experiência para controlar hipóteses que opõe aos grandes sistemas. O positivismo é a consequência natural de um racionalismo.
  
Nos nossos dias, o racionalismo é, de certa forma, um princípio segundo o qual a razão pode penetrar científica e filosoficamente o real, possibilitando aos homens normas de conduta e regras de ação.
  
Pode-se ainda distinguir, dentro do racionalismo, um racionalismo fechado, que luta contra a imaginação, e um racionalismo aberto, defendido por Gaston Bachelard.
  
Epistemologia
 
 (Do grego ἐπιστήμη [episteme] - ciência; λόγος [logos] - estudo de), também chamada de teoria do conhecimento, é o ramo da filosofia que trata da natureza, das origens e da validade do conhecimento
  
O Conhecimento
  
O homem sentiu, desde sempre, necessidade de explicar o mundo que o rodeia. Por isso, o problema do conhecimento foi colocado logo desde o início da filosofia grega.
  
Embora o conhecimento seja, não um estado mas sim um processo e, como tal, necessariamente relacionado com a actividade prática do homem (conhecer não é só possuir uma representação mental do mundo, é também actuar no mundo a partir da representação que dele temos), tradicionalmente, o conhecimento foi descrito como uma relação entre um sujeito, enquanto agente conhecedor, e um objecto, enquanto coisa conhecida. Dois grandes problemas se colocam:
  
1. Qual a origem do conhecimento?
  
Será que todo o conhecimento procede apenas da experiência? Será que alguns dos nossos conhecimentos têm a sua origem na razão? Ou será que todo o conhecimento resulta de uma elaboração racional a partir dos dados da experiência?
 
Três respostas são possíveis a esta questão: o empirismo, o racionalismo e o empírico-racionalismo ou intelectualismo.
  
O empirismo
 
O empirismo considera como fonte de todas as nossas representações os dados fornecidos pelos sentidos. Assim, todo o conhecimento é «a posteriori», isto é, provém da experiência e à experiência se reduz. Segundo os empiristas, inclusivamente as noções matemáticas seriam cópias mentais estilizadas das figuras e objectos que se apresentam à percepção.
 
" Os pontos, as linhas, os círculos que cada um tem no espírito são simples cópias dos pontos, linhas e círculos que conheceu na experiência" Stuart Mill
 
 Assim, "a linha recta seria uma simples cópia do fio de prumo, como o plano, simples cópia da superfície do lago, o círculo da lua ou do sol, o cilindro do tronco de árvore e a noção de número deriva da percepção empírica de colecções de objectos." (Ribeiro e Silva, 1973, p. 390).
 
O racionalismo
 
Os racionalistas consideram que só é verdadeiro conhecimento aquele que for logicamente necessário e universalmente válido, isto é, o conhecimento matemático é o próprio modelo do conhecimento. Assim sendo, o racionalismo tem que admitir que há determinados tipos de conhecimento, em especial as noções matemáticas, que têm origem na razão. Não quer isso dizer que neguem a existência do conhecimento empírico. Admitem-no. Consideram-no porém como simples opinião, desprovido de qualquer valor científico. O conhecimento, assim entendido, supõe a existência de ideias ou essências anteriores e independentes de toda a experiência.
 
Descartes defende uma particular posição no interior do racionalismo: o racionalismo inatista.
  
O empírico-racionalismo ou intelectualismo
 
Para os defensores desta teoria, as nossas representações são construções «a posteriori» elaboradas pela razão a partir dos dados experimentais. Assim, o conhecimento tem a sua origem na experiência mas a sua validade só pode ser garantida pela razão.
 
As noções matemáticas são construções racionais a partir da observação dos objectos e figuras que rodeiam o homem. Decorrem de processos de abstracção e regularização relativamente à irregularidade das figuras reais.
  
2. Qual a natureza do conhecimento?
 
O que é que conhecemos?
 
Os próprios objectos ou as representações, em nós, desses objectos?
 
Para responder a estas questões, duas grandes doutrinas têm sido defendidas:
 
O realismo
 
O realismo afirma que no acto do conhecimento, o sujeito consegue apreender um objecto que é independente e distinto dele.
 
O idealismo
 
O idealismo defende que não é o objecto em si que conhecemos mas o objecto tal como se nos representa. Em limite, não podemos saber sequer se há coisas reais, transcendentes ou exteriores ao espírito ou, se pelo contrário, tudo quanto existe está no espírito.
 
Descartes recusa a concepção realista do objecto defendendo um idealismo crítico.   
 
Immanuel Kant
 
Immanuel Kant nasceu, estudou, lecionou e morreu em Koenigsberg. Jamais deixou essa grande cidade da Prússia Oriental, cidade universitária e também centro comercial muito ativo para onde afluíam homens de nacionalidade diversa: poloneses, ingleses, holandeses. A vida de Kant foi austera (e regular como um relógio). Levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rosseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy, em 1792. Segundo Fichte, Kant foi "a razão pura encarnada".
 
Kant sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos a literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Russeau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral.
 
A primeira obra importante de Immanuel Kant - assim como uma das últimas, o Ensaio sobre o mal radical - consagra-o ao problema do mal: o Ensaio para introduzir em filosofia a noção de grandeza negativa (1763) opõe-se ao otimismo de Leibnitz, herdeiro do otimismo dos escoláticos, assim como do da Aufklärung. O mal não é a simples "privatio bone", mas o objeto muito positivo de uma liberdade malfazeja. Após uma obra em que Kant critica as ilusões de "visionário" de Swedenborg (que pretende tudo saber sobre o além), segue-se a Dissertação de 1770, que vale a seu autor a nomeação para o cargo de professor titular (professor "ordinário", como se diz nas universidades alemãs).
 
Nela, Kant distingue o conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas). Em seguida, surgem as grandes obras da maturidade, onde o criticismo kantiano é exposto. Em 1781, temos a Crítica da Razão Pura, cuja segunda edição, em 1787, explicará suas intenções "críticas" (um estudo sobre os limites do conhecimento). Os prolegômenos a toda metafísica futura (1783) estão para a Crítica da Razão Pura assim como a Investigação sobre o entendimento de Hume está para o Tratado da Natureza Humana: uma simplificação brilhante para o uso de um público mais amplo. A Crítica da Razão Pura explica essencialmente porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e porque a razão humana é impotente para conhecer o fundo das coisas. A moral de Kant é exposta nas obras que se seguem: o Fundamento da Metafísica dos Costumes (1785) e a Crítica da Razão Prática (1788). Finalmente, a Crítica do Juízo (1790) trata das noções de beleza (e da arte) e de finalidade, buscando, desse modo, uma passagem que una o mundo da natureza, submetido à necessidade, ao mundo moral onde reina a liberdade.
 
 Kant encontrara proteção e admiração em Frederico II. Seu sucessor, Frederico-Guilherme II, menos independente dos meios devotos, inquietou-se com a obra publicada por Kant em 1793 e que, apesar do título, era profundamente espiritualista e anti-Aufklärung: A religião nos limites da simples razão. Ele fez com que Kant se obrigasse a nunca mais escrever sobre religião, "como súdito fiel de Sua Majestade". Kant, por mais inimigo que fosse da restrição mental, achou que essa promessa só o obrigaria durante o reinado desse príncipe! E, após o advento de Frederico-Guilherme III, não hesitou em tratar, no Conflito das Faculdades (1798), do problema das relações entre a religião natural e a religião revelada! Dentre suas últimas obras citamos A doutrina do direito, A doutrina da virtude e seu Ensaio filosófico sobre a paz perpétua (1795).
  
A Ciência e a Metafísica
 
O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?
 
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes).
 
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis?
 
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais?
 
É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.
 
Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível.
 
No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças".
 
Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois so o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar.

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