segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Estudo sobre o Socialismo - Parte 1.

 
O século XX testemunhou o surgimento, o desenvolvimento e o colapso do mais trágico experimento da história humana: o socialismo.  Esse experimento resultou em monstruosas perdas humanas, na destruição de economias potencialmente ricas e em colossais desastres ecológicos.  Tal experimento (teoricamente) acabou, mas a devastação continuará afetando a vida e a saúde das inúmeras gerações vindouras.
 
Mas a verdadeira tragédia desse experimento é que Ludwig von Mises e seus seguidores — dentre as melhores mentes econômicas deste século — já haviam desmascarado e explicitado toda a realidade do socialismo ainda em 1920.  Entretanto, o alerta deles foi completamente ignorado.
 
No presente ensaio, "O Cálculo Econômico sob o Socialismo", Mises examina as alegações mais fundamentais do marxismo.  Ao fazer isso, Mises expõe o socialismo como sendo um esquema que, além de utópico, é ilógico, antieconômico e impraticável em sua essência.  Ele é "impossível" e destinado ao fracasso porque é desprovido da fundamentação lógica da economia; o socialismo não fornece meio algum para se fazer qualquer cálculo econômico objetivo — o que, por conseguinte, impede que os recursos sejam alocados em suas aplicações mais produtivas.  Em 1920, entretanto, o entusiasmo pelo socialismo era tão forte, principalmente entre os intelectuais ocidentais, que esta pequena e perspicaz obra-prima de Mises não apenas não foi compreendida, como também foi deliberadamente distorcida pelos seus críticos.
 
Porém, a efetiva implementação do socialismo mostrou a total validade da análise de Mises. O socialismo tentou substituir bilhões de decisões individuais feitas por consumidores soberanos no mercado por um "planejamento econômico racional" feito por uma comissão de iluminados investida do poder de determinar tudo o que seria produzido e consumido, e quando, como e por quem se daria a produção e o consumo. Isso gerou escassez generalizada, fome e frustração em massa.  Quando o governo soviético decidiu determinar 22 milhões de preços, 460.000 salários e mais de 90 milhões de funções para os 110 milhões de funcionários do governo, o caos e a escassez foram o inevitável resultado.  O estado socialista destruiu a ética inerente ao trabalho, privou as pessoas da oportunidade e da iniciativa de empreender, e difundiu amplamente uma mentalidade assistencialista.
 
O socialismo produziu monstros como Stalin e Mao Tsé-tung, e cometeu crimes até então sem precedentes contra a humanidade, em todos os estados comunistas.  A destruição da Rússia e do Camboja, bem como a humilhação sofrida pela população da China e do Leste Europeu, não foram causadas por "distorções do socialismo", como os defensores dessa doutrina gostam de argumentar; elas são, isto sim, a consequência inevitável da destruição do mercado, que começou com a tentativa de se substituir as decisões econômicas de indivíduos livres pela "sabedoria dos planejadores".
 
A verdadeira natureza da economia centralmente planejada foi bem ilustrada por uma tirada espirituosa feita há alguns anos pelo economista soviético Nikolai Fedorenko.  Ele disse que, com a ajuda dos melhores computadores, um plano econômico totalmente detalhado, ponderado e examinado, o qual deveria ser implantado já no ano seguinte, só poderia ficar pronto em 30.000 anos.  Existem milhões de tipos de produtos e centenas de milhares de empresas; são necessárias bilhões de decisões relativas a insumos e produtos, e os planos devem abranger todas as variáveis relativas à força de trabalho, à oferta de materiais, aos salários, aos custos de produção, aos preços, aos "lucros planejados", aos investimentos, aos meios de transporte, ao armazenamento e à distribuição.  E mais: essas decisões se originam de diferentes partes da hierarquia planejadora.  Mas essas partes são, em regra, inconsistentes e contraditórias entre si, uma vez que cada uma reflete os interesses conflitantes de diferentes estratos da burocracia.  E como o plano precisa ficar pronto até o início do ano seguinte, e não em 29.999 anos, ele será inevitavelmente irracional e assimétrico.  E Mises provou que, sem propriedade privada dos meios de produção, mesmo 30.000 anos de cálculos computacionais não conseguiriam fazer o socialismo funcionar.
 
Assim que destruíram a instituição da propriedade privada, os defensores do socialismo se viram em um entrave teórico e prático.  Consequentemente, eles recorreram à criação de esquemas artificiais.  Na economia soviética, o lucro é planejado como função do custo.  Os planejadores centrais fornecem "variáveis de controle" às empresas, que as utilizam para determinar os "lucros planejados" em termos da porcentagem dos custos.  Assim, quanto mais você gastar, maiores serão seus lucros.  Sob uma monopolização de 100%, esse simples arranjo arruinou completamente as economias da União Soviética, da Europa Oriental e de outros estados "socialistas" em um grau comparável apenas às invasões bárbaras a Roma.
 
Hoje, as consequências desastrosas da imposição dessa utopia na desventurada população dos estados comunistas já estão claras até para seus líderes.  Como Mises previu em sua introdução, a despeito da "quimera de suas fantasias", os pombos assados acabaram não voando diretamente para dentro das bocas dos camaradas, ao contrário do que Charles Fourier havia dito que ocorreria.   E até mesmo de acordo com as estatísticas oficiais da URSS, 234 dos 277 bens de consumo básico incluídos pelo Comitê Estatal de Estatísticas na "cesta básica" da população soviética estão "em falta" no sistema de distribuição do estado.
 
Todavia, os defensores ocidentais do socialismo ainda seguem repetindo a mesma ladainha sobre a necessidade de se restringir os direitos de propriedade e substituir o mercado pela "sabedoria" do planejamento central.
 
Em 1920, o mundo negligenciou e rejeitou o alerta misesiano de que "o socialismo é a abolição da racionalidade econômica".  Não podemos nos dar ao luxo de repetir esse erro novamente.  Temos de estar sempre alerta a todos os esquemas que porventura possam nos levar a uma nova rodada de experimentos estatais sobre as pessoas e sobre a economia.
 
"A propriedade privada dos fatores materiais de produção", enfatizou Mises, "não representa uma restrição na liberdade de todas as outras pessoas poderem escolher o que melhor lhes convém.  Representa, ao contrário, o mecanismo que atribui ao homem comum, na condição de consumidor, a supremacia em todos os campos econômicos.   É o meio pelo qual se estimula os indivíduos mais empreendedores de um país a empenhar a melhor de suas habilidades a serviço de todas as pessoas".
Que jamais voltemos a ignorar as constatações deste grande pensador, pelo bem da liberdade e das gerações futuras.

Yuri N. Maltsev, Membro Sênior do International Center for Development Policy e do The Ludwig von Mises Institute; foi Pesquisador Sênior do Instituto de Economia da Academia de Ciências da URSS (1987-89).
Abril de 1990
 
 
A refutação seminal da economia socialista, escrita por Ludwig von Mises há 70 anos e aqui republicada, é uma perfeita descrição do "socialismo real" de hoje — ou melhor, de ontem.  A tese de Mises é que em uma economia socialista é impossível haver um cálculo econômico racional; quaisquer tentativas de se alocar eficientemente os recursos na ausência de propriedade privada dos meios de produção irão necessariamente falhar.  A desastrosa experiência do Bloco Oriental com o socialismo mostrou ao mundo que Mises estava correto desde o início.
 
Nesse artigo, Mises fala sobre o socialismo em sua forma completa, onde o estado é o único proprietário de todos os meios de produção.  Embora escrito há muito tempo, sua descrição é um reflexo perfeito da realidade econômica da União Soviética desde o final dos anos 1920, e da Europa Central e Oriental desde o final dos anos 1940 até praticamente hoje.
 
Na economia socialista que Mises descreveu, indivíduos com gostos diferentes demandam e trocam livremente bens de consumo.  O dinheiro pode existir, mas somente dentro da limitada esfera do mercado para bens de consumo.  Na esfera da produção, entretanto, não há propriedade privada dos meios de produção.  Eles — os meios de produção — não são comercializados e, como consequência, é impossível estabelecer preços que reflitam as condições reais.  E se não há preços, não há um método para se encontrar a combinação mais efetiva dos fatores de produção.
 
Esse ensaio pioneiro de Mises levou a um famoso debate sobre o cálculo econômico no socialismo.  O economista polonês Oskar Lange contestou a posição de Mises e tentou mostrar que um socialismo pode funcionar através de um método de "tentativa e erro". No modelo de Lange, a economia tem um livre mercado apenas para bens de consumo.  A esfera da produção é organizada em empresas e filiais, e há um Comitê de Planejamento Central.  Exige-se que os chefes das empresas estabeleçam planos de produção exatamente da mesma maneira que empreendedores privados fariam — uma maneira que minimize os custos e faça com que o custo marginal seja igual ao preço.  O Comitê de Planejamento Central determina a taxa de investimento, o volume e a estrutura dos bens públicos, e os preços de todos os insumos.  A taxa de investimento é estabelecida igualando-se a demanda à oferta de bens de capital.  O Comitê aumenta os preços quando a demanda não é satisfeita e os diminui quando a oferta é muito grande.
 
Presumindo-se por um momento que isto funcionaria, surge a pergunta inevitável: por que esse método seria melhor do que o mercado verdadeiro?  Para Lange, havia duas vantagens.  Primeiro, a renda poderia ser mais igualmente distribuída.  Uma vez que não há renda de capital, as pessoas seriam pagas de acordo com seu trabalho.  (Algumas pessoas receberiam uma renda adicional, que seria um tipo de "aluguel" por suas habilidades específicas).  Segundo, o socialismo permitiria um melhor planejamento para investimentos de longo prazo.  O investimento não seria guiado por flutuações de curto prazo nas opiniões sobre as oportunidades futuras e, por isso, haveria menos desperdício e mais racionalidade.  Similarmente ao que pensava John Maynard Keynes e, mais tarde, Paul Samuelson, Lange também pensava que, embora o livre mercado de fato pudesse fornecer sinais adequados quanto às decisões de produção no curto prazo, ele não poderia fornecer sinais de longo prazo em relação ao investimento.
 
Lange utilizava terminologia neoclássica ao invés de marxista.  Embora fosse um socialista por convicção, ele era fascinado pelo lado intelectual da economia marginalista e pela possibilidade de mostrar através desse aparato que Mises estava errado.  Lange pensava que, teoricamente, a possibilidade do cálculo econômico sem um genuíno mercado havia sido mostrada pelo economista italiano Enrico Barone em 1908. Barone referiu-se a um sistema de equilíbrio geral dizendo que, se o sistema de equações pudesse ser resolvido, os equilíbrios parciais entre produtores e consumidores poderiam ser estabelecidos ex ante.  Entretanto, o argumento de Barone era que tal possibilidade era praticamente impossível; portanto, assim como Mises, ele defendia a idéia de que o socialismo não poderia funcionar de modo eficiente.  A intenção de Lange era mostrar que tanto Mises quanto Barone estavam errados (mas Mises em um grau maior) e que, na teoria e na prática, o cálculo era de fato possível.
 
Lange pensava ter finalmente resolvido os problemas do cálculo socialista demonstrados por Mises em seu ensaio "O Cálculo Econômico sob o Socialismo".  E, sobre isso, Lange escreveu em seu artigo "Sobre a Teoria Econômica do Socialismo":

Os socialistas certamente têm boas razões para se mostrarem gratos ao Professor Mises, o grande advocatus diabol da causa deles.  Pois foi seu poderoso desafio que obrigou os socialistas a reconhecerem a importância de se ter um adequado sistema de contabilidade econômica para guiar a alocação de recursos em uma economia socialista.  Mais ainda: foi principalmente por causa do desafio apresentado pelo Professor Mises que muitos socialistas se tornaram cientes da existência de tal problema... [O] mérito de ter feito com que os socialistas abordassem sistematicamente esse problema pertence totalmente ao Professor Mises.
 
E então Lange sugeriu o seguinte:

Tanto como uma forma de expressar reconhecimento pelo grande serviço prestado por ele, quanto como uma forma de se lembrar da primordial importância de se ter um sólido método de contabilidade econômica, uma estátua do Professor Mises deveria ocupar um lugar de honra no grande hall do Ministério da Socialização ou no do Comitê de Planejamento Central do estado socialista.
 
As idéias teóricas de Lange, bem como sua convicção quanto a aplicabilidade prática de um "mercado simulado" dentro da economia socialista, foram, por sua vez, questionadas por Friedrich A. Hayek.  Hayek percebeu que Lange havia cometido vários erros.  Na versão langeana do socialismo, seria necessário haver um exército de controladores para verificar os cálculos feitos pelos dirigentes das empresas.  Porém, o que exatamente iria motivar os dirigentes das empresas e das filiais?  O que os impediria de trapacear?  Ademais, os resultados desses cálculos teriam de ser comparados com cálculos contrafatuais que deveriam ser realizados posteriormente a fim de se determinar se os chefes das empresas haviam de fato escolhido a melhor combinação possível de fatores de produção.  Tudo isso iria exigir um imenso estado burocrático.
 
O lado prático do socialismo seguiu seu próprio rumo.  A economia comunista como a conhecemos foi construída na União Soviética no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, e foi então transplantada para a Europa Central e Oriental após a Segunda Guerra Mundial.  Durante algum tempo, as coisas pareciam estar indo bem, pelo menos do ponto de vista das burocracias governantes, que não hesitaram em utilizar medidas totalitárias e terrorismo em massa.
 
Não havia lugar para a propriedade privada e nem para o mercado.  O único método de coordenação da atividade econômica se dava por meio de ordens governamentais e alocações burocráticas.  O resultado foi uma crise prolongada, marcada pela estagnação e até mesmo decréscimo da produção, inflação, desastres ecológicos (por causa da utilização desregrada de todos os tipos de recursos — energia, água, florestas etc.), queda no padrão de vida, frustrações públicas e patologias sociais em larga escala.  Essa crise, conjuntamente com algumas ocorrências políticas, como a ascensão de uma oposição organizada, trouxe as mudanças revolucionárias que testemunhamos em 1989.
Nos países do Leste Europeu, e na Polônia em particular, há hoje um forte desejo de se restabelecer a propriedade privada e o livre mercado.
 
Quando isso tiver se consumado, talvez a sugestão de Lange deva ser considerada: uma estátua de Mises deveria ser erguida na Polônia — em homenagem ao seu derradeiro triunfo intelectual.  Pois é a sua visão de uma sociedade livre que vai fornecer uma firme base intelectual para o surgimento de uma Polônia livre e próspera.
 
Jacek Kochanowicz
Professor de Economia
Universidade de Varsóvia, Polônia
Abril de 1990

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