A maioria não lutará por ideias abstratas como o marxismo, a menos que essas ideias sejam sentimentalmente e miticamente enxertadas em uma nação.
Eis o porquê Dugin está trabalhando duro.
Foi Aristóteles quem nos disse em sua Metafísica que nossos antepassados “antigos e antiguíssimos” retratavam o sol, a lua e os corpos planetários como deuses. Esses antepassados acreditavam que “o divino envolve toda a natureza”. Mitos eram propagados pelos nossos ancestrais, disse Aristóteles, com o fim de “persuadir o povo e para fazê-lo submeter-se às leis e ao bem comum” (1).
Um famoso sedutor de multidões e criador de mitos do século passado chamado Adolf Hitler escreveu um livro intitulado Mein Kampf no qual postulava a teoria (leia-se mito) dos judeus como “os inimigos da raça ariana”. Ele confidenciaria mais tarde a seu criado particular, Heinz Linge, que os judeus não eram na verdade “uma raça”, mas representavam um estado de espírito ou ideia (i.e. um mito opositor).
Quando pensamos em um mito, pensamos em algo antigo pertencente aos povos primitivos. Selvagens e bárbaros acreditam em mitos, dizemos para nós mesmos (enquanto nós acreditamos na ciência!). Os vikings fundaram sua sociedade em cima de mitos, assim como os antigos germânicos, romanos, gregos e celtas. Não obstante, não somos muito diferentes hoje. O comunismo e o nazismo são mitos também. Ambos, por sua vez, desprezam o mito da democracia. Na Segunda Guerra Mundial, os três mitos do mundo moderno — comunismo, nazismo e democracia — lutaram uns contra os outros.
Seria tolice nossa achar que essa guerra acabou de uma vez por todas em 1945. Guerras que são combatidas em nome de ideias (leia-se mitos) são apenas interrompidas por períodos de paz. A continuação delas é assegurada pela mesma lei de causa e efeito que desencadeou o primeiro confronto. Relacionado a isso, o ideólogo russo e metafísico do Kremlin, Aleksandr Dugin, fez uma notável confissão em seu livro A quarta teoria política. Ele reclamou que seu partido nacional-bolchevique “havia degenerado em uma formação barulhenta e insignificante e depois começou a servir a forças ultraliberais antirrussas ‘laranjas’, alimentadas pelo Ocidente”.
Eis que vemos uma notável admissão de que um experimento deu errado, pois os agentes de Moscou (i.e. Dugin e seus associados) tentaram tomar para si os nazistas e usá-los sob a bandeira do nacional-bolchevismo, o que acabou dando errado e voltando contra eles mesmos. Para a infelicidade de Moscou, o nacional-socialismo nunca foi fácil de controlar. O marxismo aberto que impera na mídia e nas universidades parece ter obtido suas maiores vitórias por meio da infiltração, subversão e falsa propaganda. Ele sempre está tentando fazer uma dessas duas coisas: (1) ou fingindo reformar-se a si mesmo enquanto se alia aos liberais ocidentais ou (2) fingindo se nazificar para se unir aos nacional-socialistas. Ambas as estratégias possuem um problema fundamental. Fingimento ou acaba em você se tornando aquilo que você apenas fingia ser ou você é inevitavelmente desmascarado como o fingidor. Eis que chegamos aos limites da enganação e o ponto de partida para a próxima guerra mundial.
Há razões para pensar que a Europa começa a adotar um tipo reformado de nacional-socialismo, que por sua vez não será exclusivamente alemão. Essa nova formação será certamente desencadeada como reação à erupção do islamismo militante no continente europeu e pela derradeira debacle do multiculturalismo esquerdista. A incompatibilidade do Islã com a cultura europeia deverá, com o passar do tempo, servir como estimulante político. O levantar dessa nova cosmovisão não significará, claro, uma inevitável volta a um tipo de hitlerismo ortodoxo.
É sabido que a KGB se infiltrou no movimento nazista internacional após a Segunda Guerra Mundial, especialmente considerando que alguns dos principais oficiais nazistas — como Martin Bormann e Heinrich Muller — eram provavelmente agentes soviéticos (v. o livro de Louis Kilzer, Hitler’s Traitor). No nosso caso atual, um instrumento revivido pode facilmente se transformar numa metástase que pode se transformar no terror dos espiões-chefe de Moscou. Ainda não sabemos como os alemães passaram os russos para trás durante o crucial período de 1989-90, dado que os russos pouco fizeram para unir a Alemanha e beneficiar os alemães. Se a inteligência alemã e suas estruturas militares eram tão débeis quanto sempre se mostraram, como eles conseguiram tomar a frente? Se os serviços de inteligência alertaram os democratas cristãos acerca da promoção de Angela Merkel ao mais alto cargo do governo alemão e os democratas cristãos ignoraram os alertas do serviço de inteligência, devemos nos perguntar: por que?
O nacionalismo tem vida própria. O marxismo nunca foi capaz de mobilizar aquilo que Hitler chamava de “as grandes massas”, pois é uma ideologia de divisão de classes. Na verdade, classes não guerreiam umas com as outras. São nações que guerreiam umas contra as outras. Essa verdade é auto-evidente na história. Stálin passou a ser nacionalista após a invasão alemã de 1941. Putin está adotando o nacionalismo agora mesmo, pois ele acredita que a guerra está chegando — isso ele aprendeu com Stálin. A maioria não lutará por ideias abstratas como o marxismo, a menos que essas ideias sejam sentimentalmente e miticamente enxertadas em uma nação. Eis porquê Dugin está trabalhando duro. Ele deve incitar o espírito bolchevique na Rússia pari passu ao seu flerte com a direita europeia, ou seja, ele precisa tornar um alinhamento artificial em algo natural. Como se vê, ele está traçando um caminho que foi antecipando por outra pessoa.
Na tarde do dia 30 de abril de 1945, quando Hitler disse a Heinz Linge que iria atirar em si mesmo e que esperava que Linge queimasse seu corpo, o infeliz criado perguntou ao führer: “Pelo quê vamos lutar agora?”. A última resposta citável de Hitler foi: “Pelo homem que está por vir”. A enigmática resposta, que parece ser assaz vaga, era na verdade concisa. Anteriormente, Hitler havia afirmado a razão pela qual lutava até o fim em Berlim. Ele disse que os historiadores não seriam gentis com ele nos anos que se seguiriam após a guerra; Entretanto, ele seria visto de modo diferente no futuro. Ele sugeriu sucintamente que o comunismo e a democracia estavam fadados ao fracasso. (Tal previsão é fácil de fazer, já que todas as instituições humanas são falhas.)
Em cinco séculos, nossos descendentes podem até concluir que Hitler era o mais astuto dos totalitários. Com efeito, ele foi um “arquiteto político”. E não seria acidental dizer que os políticos russos de hoje frequentemente usam a arquitetura como metáfora. Isso por si só já diz algo, pois Hitler estudou para ser um arquiteto e esteve envolvido em vários projetos arquitetônicos. Na verdade, todo o Terceiro Reich foi um projeto arquitetônico.
Pode se dizer que o design de Hitler era defeituoso. Não obstante, ele foi esperto — como se viu acima — e suas previsões frequentemente foram cumpridas. Ele sabia que outros viriam e fariam a mesma coisa que ele. Ele sabia que as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial iriam implodir e talvez um dia se destruiriam. Esse dia pode estar por vir, embora esperamos que ele não esteja.
Dado o que está acontecendo atualmente, podemos nos perguntar quais “outros” mitos podem surgir em nosso tempo. Talvez algo inteiramente novo possa aparecer amanhã. Entretanto, a história nunca nos dá algo totalmente novo. Nosso legado e nossas tradições são solo rico para inspirações. Se a história se repete, e se as velhas ideias estão fadadas a voltar, o homem que está por vir inevitavelmente aparecerá — seja como a segunda vinda de um George Washington ou a segunda vinda de um Adolf Hitler.
(1) N.T.: Aristóteles - Metafísica (1074b2 a 1074b5.). Tradução: Marcelo Perine. Edições Loyola, 2005.
Tradução: Leonildo Trombela Junior
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