sábado, 15 de março de 2014

Karl Marx (1818-1883) - O Materialismo Dialético e Histórico

Marx fez uma crítica radical ao idealismo hegeliano, na qual afirma que Hegel inverte a relação entre o que é determinante – a realidade material – e o que é determinado – as representações e conceitos acerca dessa realidade. A filosofia idealista seria, assim, uma grande mistificação que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestação de uma razão absoluta.

Marx procurou compreender a história real dos seres humanos em sociedade a partir das condições materiais nas quais eles vivem. Essa visão da história foi chamada de materialismo histórico. Para Marx não existe o indivíduo formado fora das relações sociais, como o querem Hegel, Feuerbach, Schopenhauer, Kierkegaard e outros tantos. Para ele “A essência humana é o conjunto das relações sociais”, o que significa que a forma como os indivíduos se comportam, agem, sentem, e pensam vincula-se à forma como se dão as relações sociais. Essas relações sociais, por seu lado, são determinadas pela forma de produção da vida material, ou seja, pela maneira como os seres humanos trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação material das sociedades.

A forma como os homens produzem esses meios depende em primeiro lugar da natureza, isto é, dos meios de existência já elaborados e que lhes é necessário reproduzir;

Ao falar da produção material da vida, Marx não se refere apenas à produção das inúmeras coisas necessárias à manutenção físicas dos indivíduos, considera o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os seres humanos constroem a si mesmos como indivíduos. Isso ocorre porque, “o modo de produção da vida material condiciona o processo geral de vida social, política e espiritual” . Marx reconhece o trabalho como atividade fundamental do ser humano e analisa os fatores que o tornaram uma atividade massacrante e alienada no capitalismo. Marx pretende expor a lógica do modo de produção capitalista, em que a força de trabalho é transformada em uma mercadoria com dupla face: de um lado, é uma mercadoria como outra qualquer, paga pelo salário; de outro, é a única mercadoria que produz valor, ou seja, que reproduz o capital.

Marx também entende o desenvolvimento histórico-social como decorrente das transformações ocorridas no modo de produção. Nessa análise, ele se vale dos princípios da dialética, mas garante que seu “método dialético não só difere do hegeliano, mas é também sua antítese direta”. Na concepção hegeliana, a dialética torna-se instrumento de legitimação da realidade existente. No pensamento de Marx, a dialética leva ao entendimento da possibilidade de negação dessa realidade “porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento, portanto também com seu lado transitório”. Ou seja, a dialética em Marx permite compreender a história em seu movimento, em que cada etapa é vista não como algo estático e definitivo, mas como algo transitório, que pode ser transformado pela ação humana. De acordo com Marx, a história é feita pelos seres humanos, que interferem no processo histórico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem seu modo de produção.

Materialismo Histórico dialético: a contribuição de Marx para o conhecimento histórico 
    
por André Wagner Rodrigues - coordenador do curso de História da UNIBAN/ANHANGUERA

A luta de classes como motor de uma história marxizante

A Filosofia marxista configurou, de fato, um novo enfoque teórico de análise da História. Enquanto os historiadores positivistas baseavam seus estudos na “genealogia da Nação Moderna”, por intermédio dos documentos oficiais escritos, compondo uma história das elites políticas, “reacionária” do ponto de vista teórico, Marx afirmava ser a Luta de classes o verdadeiro fundamento de uma História em movimento. Sua teoria privilegiou a dinâmica econômica e social como princípios fundantes do desenrolar histórico. Sem dúvida, o Materialismo Dialético promoveu um amadurecimento teórico e metodológico à ciência histórica. Apesar de ter escrito poucas obras especificamente de História, Karl Marx (1818-1883) foi o criador do Materialismo Histórico Dialético. Suas principais influências caminhavam em duas direções: da filosofia de Friedrich Hegel (1770-1831) herdou o método dialético, a dinâmica entre tese-antítese e síntese que simbolizam o movimento das idéias, assim como, uma interpretação racional da História:

Para Hegel, a racionalidade da História evidencia-se também através da maneira como aquele objetivo tem sido alcançado: sob a forma de uma ordem que é exibida pelos sucessivos estágios do processo [...] exposta em sua obra: “A Ciência da Lógica”, Hegel afirma: “As insuficiências de um primeiro conceito, ou “tese”, levam-nos a afirmar sua “antítese”, e a tensão entre elas vem, afinal, a resolver-se por meio de um terceiro conceito que efetua uma “síntese” dos elementos precedentes – repetindo-se o processo na medida em que cada qual das sínteses, submetida a mais acurada reflexão, venha a tornar-se a tese de uma nova e “mais elevada” tríade. (DRAY, 1977, p 106-107)

O método dialético proposto por Hegel nos escritos de sua Filosofia da História permite uma visão determinista do indivíduo e de suas ações no passado e também no seu devir. Marx analisa o movimento dialético de Hegel e o utiliza no campo das análises materiais e concretas das ciências históricas:

Mas uma vez que conseguiu se afirmar como tese, essa tese, esse pensamento, oposto a si mesmo, se desdobra em dois pensamentos contraditórios, o positivo e o negativo, o sim e o não. A luta desses dois elementos antagônicos, encerrados na antítese, constitui o movimento dialético. Tornando-se sim e não, o não tornando-se sim, o sim tornando-se simultaneamente sim e não, o não tornando-se simultaneamente não e sim, os contrários se equilibram, se neutralizam, se paralisam. A fusão desses dois pensamentos contraditórios constitui um pensamento novo, que é sua síntese. (MARX, 2007, p. 99)

Outra influência importante para Marx, são as obras dos historiadores franceses, sobretudo François Guizot (1787-1874) e Augustin Thierry (1795-1856), assim como dos economistas e sociólogos do período, destacadamente David Ricardo (1772-1823)
. Dele Marx herdou algumas categorias importantes que se tornaram parâmetros teóricos e metodológicos para análises macro-econômicas e sociais. Entretanto, “Ricardo, enfatiza Marx, apesar da profundidade científica de suas análises, continua prisioneiro do horizonte burguês” (MARX apud LÖWY, 2007, p.108).

As abordagens relativas às leis da História seguiam um rumo mais concreto direcionando os olhares dos discípulos ligados a ela (Eric Hobsbawm, Perry Anderson, Cristopher Hill e Edward Thompson, no campo da História atual)
para aqueles que até então eram “esquecidos” ou “marginalizados” do processo histórico, os “vencidos” das elites políticas, chefes de Estado, Reis, príncipes, etc., destacadamente: escravos, servos, mulheres e o proletariado. Sem dúvida, a escola marxista da História, trouxe para o cenário acadêmico e também para o escolar, debates que suscitaram novas preocupações e enfoques:

Os movimentos sociais, tais como os feministas, os ambientalistas, os étnicos e os religiosos, seus confrontos e lutas com as discriminações e preconceitos, além da continuidade das lutas por direitos trabalhistas, situaram a história social no centro das problemáticas das pesquisas históricas (BITTENCOURT, 2004, p. 148)

Para Marx, o “trabalho” (categoria fundante de sua filosofia), entendido como as múltiplas relações entre os homens e a natureza, relação esta que ocorre como condição material da vida em sociedade, representa o estágio ou modelo de produção de organização social e econômica de um determinado espaço e período histórico. Entende-se, que as relações entre homem e natureza é uma relação de transformação. Enquanto produz, o homem transforma a natureza em seu benefício, ou em benefício de outrem. Durante a Idade Média (século V-XV), por exemplo, o “feudalismo medieval europeu” (economia de base agrária, não-comercial, voltada à subsistência), é representado pela posse e exploração da “terra”.


As relações de trabalho eram antagônicas, na medida em que o Senhor Feudal (dono da propriedade fundiária, dos instrumentos de produção: arado, moinho, forno, etc.) retirava dos servos (camponeses que vivem com parte de sua produção) o excedente do que produziam. Já na sociedade Capitalista, os meios e bens de produção, isto é, a matéria-prima, as ferramentas, as máquinas, a Indústria e o produto final é propriedade da burguesia. Para gerar riquezas e lucro com sua produção, esta classe, explora a natureza e outros homens, geralmente àqueles que não são donos desses meios, na verdade, dispõe apenas de sua força de trabalho, são os proletários (operários que sustentam sua prole). Nessa relação antagônica, pois contraditória, de exploração de uma classe sobre outra, temos o “motor” do próprio sistema capitalista. Muitos exemplos dessa relação são citados em textos de Marx:

Nos primeiros tempos da História, por quase toda parte, encontramos uma disposição complexa da sociedade, em várias classes, uma variada gradação de níveis sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos. Na Idade Média, senhores feudais, vassalos, chefes de corporação, assalariados, aprendizes, servos. Em quase todas estas classes, mais uma vez, gradações secundárias. A Sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas. (MARX, 2000, p. 9)

As leis da História, para Marx, podem ser representadas, portanto, como uma sucessão de modelos de produção que condicionam as relações sociais. Por exemplo: O modo-de-produção comunista primitivo – das tribos ditas “pré-históricas” (do nomadismo, da propriedade coletiva, do trabalho voltado à subsistência) – foi superado e substituído historicamente pelo modo-de-produção asiático – das primeiras civilizações orientais – China, Índia, Pérsia, Oriente Médio (sustentada pela teocracia e trabalho escravo), assim como esses modelos foram sucedidos pelo: Escravista, Feudal, Capitalista, culminando no modelo de transição, o Socialista – “a redenção do proletariado” (representado pelo fim da propriedade privada e das classes sociais) e, por fim, o modo-de-produção Comunista. Para Marx, as ações humanas são determinadas pelo conflito entre as classes no seio do modo-de-produção que orientam as relações de trabalho. Esse movimento garante à História um princípio contínuo e evolutivo, por isso, ainda esperado pelos seguidores de Marx.


O “acontecimento” e “as ações individuais” (fundamentais para os historiadores positivistas) provocadores de transformações e mudanças, são para os historiadores marxistas, conseqüências naturais do estágio do modo-de-produção em curso:

[...] o destino do homem está ligado à prioridade estrutural e dinâmica da classe social e do movimento econômico. Sem vínculo cultural, sem retorno ao individuo, a história quantitativa deixa pouca liberdade a seus atores [...] as histórias marxistas são freqüentemente fechadas numa visão de organização das sociedades atemporal, acultural, que recusa as transcendências da noção de classe [...] a maior parte da historiografia marxista enclausura-se portanto no reducionismo. (TÉTART, 2000, p. 116-117)


É consenso entre os historiadores da École des Annales (que será nosso objeto de estudo no próximo item) que o pequeno enfoque dado pela corrente marxista às análises culturais e mentais, acarretou uma visão parcial e determinista da História, assim como, a “descaracterização” das ações individuais e o descrédito ao “acontecimento”, que necessariamente provocam transformações, permanências, rupturas, etc., simbolizam, de fato uma visão reducionista do passado e do devir humano.

Entretanto, o materialismo histórico dialético representa um salto teórico e metodológico qualitativo para a ciência da História, na medida em que, direcionou o olhar dos historiadores às questões sociais e econômicas, promovendo os “marginalizados” ou “excluídos” do processo histórico à categoria de sujeitos. Essa corrente historiográfica foi responsável por tornar objeto de estudo, aqueles que não possuíam “voz” na academia, e por isso, contribuiu para o amadurecimento da História enquanto campo de conhecimento e disciplina escolar.

 
A expressão “História marxizante” foi utilizada pelo historiador francês Philippe Tétart em seu livro: “Pequena história dos historiadores”, e refere-se, na visão desse autor, a algumas interpretações da concepção marxista de História, sobretudo à concepção estruturalista ou da chamada primeira fase do pensamento marxista que direciona o pensamento de Marx à uma leitura determinista do passado. Esta, tende a reduzir a História aos estudos macro-econômicos e sociais, e, portanto, um conhecimento “fechado em si mesmo”. (p. 115)

O conceito de lutas de classes é, sem dúvida o coração da doutrina de Marx, seus pressupostos são: “(1) de que a existência das classes está ligada somente a fases determinadas do desenvolvimento da produção; (2) de que a luta de classes resulta necessariamente na ditadura do proletariado; (3) de que essa ditadura, ela própria, constitui apenas a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes”. (MARX apud BURGUIÉRE, 1993, p. 503)

A história propriamente dita ocupa pouco espaço no conjunto da obra de Marx: As lutas de classes na França, O dezoito Brumário, Sobre a questão judaica, A guerra civil, os artigos sobre “A Revolução espanhola” e sobre “Bolívar”, os capítulos do Capital sobre a “acumulação primitiva”, talvez alguns resumos do Manifesto Comunista. Embora ele a queira ciência principal, a história não é o seu objeto. (Ver estudos de BURGUIÉRE, 1993, p. 520-525)

Foi [...] de Ricardo sobretudo, que foi tomada de empréstimo a idéia – “É na economia política que convém procurar a anatomia da sociedade civil” – que serve de mediação à “formação social” e ao modo de produção, “história” e “economia”, “evento e “estrutura”, e que articula a “ideologia” com a “sociedade civil”, ela própria arraigada no “modo-de-produção”. Todas essas palavras e expressões em negrito são categorias do pensamento marxista, sendo herdadas dos estudos dos economistas franceses e ingleses. (Ver estudos do Historiador André Burguiére, 1993, p. 520-521)

É importante destacar que esses historiadores marxistas se enquadram dentro de uma perspectiva culturalista ou do que chamamos de autores do “revisionismo marxista”, ou seja, em suas análises é fácil observar uma concepção crítica, porém não abandonam o peso da Cultura em seus escritos. Desta forma, são destacadamente autores de uma fase mais madura do pensamento marxista.

Os estudos da professora do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo, Circe Bittencourt, nos oferecem dados para entender o impacto da teoria marxista na educação. Para a historiadora: “No Ensino de História, a tendência marxista foi marcante a partir do fim da década de 1970 e ainda permanece como base de organização de conteúdos de várias propostas curriculares e obras didáticas. Os períodos históricos delimitados pelos modos de produção têm servido de referência, e, notadamente, estuda-se o tempo do capitalismo. O denominado “Materialismo Histórico” serviu de base para a elaboração de muitas obras didáticas, condição que consolidou a organização de conteúdos da história das sociedades do mundo ocidental pelos modos de produção e pela luta de classes. Os conteúdos escolares foram organizados pela formação econômica das sociedades, situando os indivíduos de acordo com o lugar ocupado por eles no processo produtivo. Burguesia, proletariado, aristocracia, são os sujeitos sociais que fornecem visibilidade às ações da sociedade, e os confrontos entre os diversos grupos sociais explicam as mudanças e permanências históricas”. (BITTENCOURT, 2004, p. 146-147)

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