sábado, 12 de outubro de 2013

Série filósofos - filósofos (pensadores) modernos.

Antonio Gramsci (1891 - 1937)

A contribuição teórica do pensador marxista italiano Antonio Gramsci destaca-se por sua concepção dialética da história, ao privilegiar o estudo dos conflitos no processo histórico, evidenciando o papel ativo do sujeito na construção das relações humanas e na promoção das mudanças sociais. Compreendendo a divisão da sociedade em dominantes e dominados como resultado de um processo histórico de lutas, não natural, portanto, rechaça toda tentativa de explicar a dominação como um fenômeno perene e previamente dado, fundado na pretensa existência de uma “vontade de poder” ou de “prestígio” inerente aos homens e às nações, uma explicação tautológica e a-histórica a querer constatar, de forma acrítica, a ideia de o poder ser algo enraizado na “natureza humana”, conforme defendiam os pensadores tradicionais da política, os chamados “teóricos das elites”. Para um estudo aprofundado das relações de poder, o revolucionário italiano entendia ser necessária uma crítica inscrita na análise da totalidade histórica. Resgatando-se o princípio marxiano de totalidade, a perceber a realidade como a síntese de múltiplas determinações, a esfera política não pode ser pesquisada isoladamente do conjunto das relações sociais.
A socialização da política
Ao produzir uma obra teórica marcada pela idéia da centralidade da política na ação humana transformadora, Gramsci realizou uma profunda renovação do materialismo histórico, mas sem abandonar os seus princípios fundamentais, as determinações anteriores de Marx e Lênin sobre as relações sociais e políticas no capitalismo. Priorizou a análise das superestruturas na sociedade capitalista moderna por entender que a grande novidade surgida com o século XX teria sido a proliferação dos movimentos de massa, através do fortalecimento e crescimento dos sindicatos, associações corporativas, partidos políticos, etc. Tais “fatos novos” constituiriam um processo de “socialização da política”, fator que se, por um lado, teria garantido uma maior estabilidade do Estado burguês, por outro, também permitiria a organização da resistência a ele.
Gramsci desenvolveu a teoria ampliada do Estado, ao estabelecer a diferenciação entre sociedades organizadas nos moldes “orientais” ou “ocidentais”. Não se trata de conceitos geográficos ou geopolíticos, mas indicadores de diferentes tipos de formação econômico-social, em função da relação existente, em cada modelo, entre a sociedade política, entendida como o conjunto dos aparelhos estatais de coerção (os mecanismos pelos quais a classe dominante impõe sua dominação, por deter o monopólio da força, tais como o aparato burocrático executivo e as forças da repressão policial e militar) e a sociedade civil, formada pelos aparelhos privados de hegemonia (os organismos sociais responsáveis pela formulação e circulação das diferentes ideologias, tais como os partidos políticos, os sindicatos, a Igreja, as escolas, os meios de comunicação de massa, etc.).
Nas sociedades “orientais”, como aquelas vivenciadas concretamente por Marx e Lênin em seu tempo, a dominação burguesa é exercida essencialmente através da violência policial controlada pelo Estado. Já Gramsci conheceu a realidade de uma sociedade “ocidental”, no sentido de uma sociedade de capitalismo avançado, onde ocorrem transformações sociais de vulto, como a formação de grandes sindicatos e partidos políticos de massa, a conquista do sufrágio universal, etc, que obrigam a classe dominante a tentar exercer seu domínio não apenas através da coerção, mas buscando o consentimento de parcelas significativas dos dominados, por meio da hegemonia, para o que os aparelhos hegemônicos privados citados anteriormente cumprem papel decisivo.
Para Gramsci, o Estado é “todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não só seu domínio, mas consegue obter o consentimento ativo (grifo meu) dos governados”. A dominação política não é vista apenas como coerção verticalizada por parte dos aparelhos de poder, numa via de mão única, mas como uma relação difundida pelo conjunto da sociedade civil, pela qual os dominados não aparecem como meros agentes passivos, pois, em diversos momentos, assumem como sua a ideologia dominante ou, pelo contrário, organizam resistência e oposição a ela. Sendo assim, os aparelhos privados de hegemonia não podem ser identificados apenas como reprodutores do discurso dominante, pois em seu seio dá-se, mesmo que em escala reduzida, a mesma luta ideológica que se trava no conjunto da sociedade.
O Estado é, portanto, o espaço onde se concentra, na forma mais avançada possível nas sociedades ocidentais, a luta de classes. É o lugar da administração dos conflitos entre as frações da classe dominante e dos embates entre os interesses do grupo dominante e os dos dominados, os quais, através dos seus organismos privados de hegemonia, exercem algum tipo de pressão ou influência junto ao poder e/ou resistem à dominação.
Como uma consequência fundamental destas considerações, está a compreensão de que a luta pelo poder no “Ocidente” exige um árduo trabalho de convencimento e persuasão de amplas camadas populares por parte do grupo social que almeja conquistá-lo. Como afirma Carlos Nelson Coutinho, principal tradutor e estudioso do pensamento gramsciano no Brasil, a luta proposta por Gramsci requer paciência revolucionária e espírito inventivo, pressupondo que haja:
a iniciativa dos sujeitos políticos coletivos, a capacidade de fazer política, de envolver grandes massas na solução de seus próprios problemas, de lutar cotidianamente pela conquista de espaços e posições, sem perder de vista o objetivo final, ou seja, o de promover transformações de estrutura que ponham fim à formação econômico-social capitalista.iv
Neste sentido, Gramsci desenvolveu uma teoria que viabilizasse a ocupação metódica e sistemática, pelos trabalhadores, dos espaços estratégicos existentes, num processo de ampliação da esfera da sociedade civil perante a sociedade política organizada em torno do Estado, que permitisse a conquista do poder político pelo proletariado.
Segundo ele, nas sociedades ocidentais, a proposta de luta pela transformação radical do sistema capitalista e pela conquista do poder de Estado por parte dos trabalhadores não se daria mais unicamente pela via insurrecional no sentido estrito, ou seja, da tomada do poder como uma brusca e explosiva guerra de movimento (o assalto ao poder), pois a sociedade civil transformou-se em uma estrutura complexa e mais resistente às crises, e as superestruturas passaram a funcionar como o sistema de trincheiras utilizado nas guerras modernas. Nesse caso, nem as tropas atacantes, por causa da crise, organizam-se rapidamente no tempo e no espaço, nem os atacados sentem-se desmoralizados o suficiente para abandonarem suas defesas, nem perdem de imediato a confiança em sua força, já que o elemento surpresa, do tempo acelerado, não aparece de acordo com o que imaginavam os estrategistas da guerra de movimento.
Seria, então, necessária uma prolongada guerra de posições, pela qual o partido revolucionário buscasse exercer a hegemonia entre os setores sociais para quem a mudança estrutural da sociedade é necessária, dentre os quais os trabalhadores e, em especial, a classe operária, seriam os maiores interessados.
Hegemonia e luta político-ideológica
É preciso, pois, tentar alcançar a compreensão do conceito de hegemonia proposto por Gramsci, peça-chave para a construção deste processo metódico de transformação social. A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto político um bloco mais amplo não homogêneo, marcado por contradições de classe. O grupo ou classe que lidera este bloco é hegemônico porque consegue ir além de seus interesses econômicos imediatos, para manter articuladas forças heterogêneas, numa ação essencialmente política, que impeça a irrupção dos contrastes existentes entre elas.
Logo, a hegemonia é algo que se conquista por meio da direção política e do consenso e não mediante a coerção. Pressupõe, além da ação política, a constituição de uma determinada moral, de uma concepção de mundo, numa ação que envolve questões de ordem cultural, na intenção de que seja instaurado um “acordo coletivo” através da introjeção da mensagem simbólica, produzindo consciências falantes, sujeitos que sentem a vivência ideológica como sua verdade. O pensamento político e ideológico, dessa forma, apresenta-se como uma realidade prática, porque, ao ser compreendido e aceito pelos atores sociais, torna-se poder material, converte-se em ação prática, ou, mais precisamente, em práxis.
Seguindo o caminho aberto por Gramsci, Pierre Ansart destaca os traços psicológicos existentes no processo de embate político. Por isso entende que a ideologia, no momento em que se trava o debate ou o conflito social aberto, é uma verdade interiorizada por quem a defende, é o sentido comprovado, a intencionalidade da ação. Renovaria, assim, a função tradicional dos mitos e das religiões, qual seja, a de garantir o consenso social por meio da construção de um paradigma a designar as posições sociais, ao mesmo tempo em que as justifica. Somente aos olhos da posteridade, segundo Ansart, passado o momento da exaltação, é possível enxergar o caráter contraditório da ideologia, a carregar consigo diferentes funções: o mesmo discurso pode ocultar aos sujeitos o sentido objetivo da ação; concretizar um projeto político, como a tomada de poder; ou iludir as classes dominadas. Afinal, toda ideologia política comporta em seus traços essenciais também realizar distorções, ocultação de certas relações ou experiências sociais, porque toda visão de mundo traz no seu bojo uma forma muito específica de apreender a realidade social, própria de um determinado grupo. Conforme já enfatizara Marx, lembrado por Ansart, “todo grupo particular, toda classe que visa defender sua existência e seus interesses, produz um saber parcial, ligado à sua própria particularidade”. Por isso mesmo, a ideologia não pode ser confundida apenas com mera manipulação, simples ilusão ou distorção da verdade:
A ideologia política possui precisamente a especificidade de não ser um discurso verdadeiro nem falso no sentido científico da palavra, e sim fundir na mesma lógica a verdade e a ocultação polêmica, as instituições vivas e as distorções. É precisamente essa especificidade que faz da linguagem ideológica uma força simbólica historicamente criadora.
A ideologia é, pois, consciência política ligada aos interesses de determinada classe, uma visão de mundo, portanto, presente nas atitudes dos atores políticos. Mais que um sistema de idéias, relaciona-se com a capacidade de inspirar e orientar a ação política, de acordo com o imaginário de cada grupo social.
Baseando-se na ideia de Marx presente em trecho do Prefácio à Crítica da Economia Política, Gramsci afirma que as ideologias têm uma validade psicológica, pois são o terreno no qual os homens adquirem consciência da sua posição de classe e do conflito em que estão situados, assumindo a luta e a conduzindo até o fim. A política é ação permanente e dá origem a organizações permanentes, pois estrutura-se a partir do terreno “permanente e orgânico” da vida econômica, mas deve ser capaz de superá-lo. Ou seja, a política, se nasce da articulação dos interesses e da representação de classe, fundando-se necessariamente no terreno do econômico, precisa superar o momento meramente corporativo, para atingir o instante da consciência ético-política, em que o grupo social busca assumir papel hegemônico na sociedade. Assim nos diz Gramsci:
... a fase mais abertamente política ... assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias germinadas anteriormente se transformam em ‘partido’, entram em choque e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma combinação delas, tende a prevalecer, a se impor, a se irradiar em toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral. Coloca todas as questões em torno das quais se acende a luta não num plano corporativo, mas num plano ‘universal’, criando, assim, a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados.
A transformação radical da sociedade e a substituição de um sistema socioeconômico por outro (o capitalismo pelo socialismo) devem ser entendidas, portanto, como processos resultantes de intensa luta política e ideológica na qual se busca produzir, por meio dos embates sociais e da ampla discussão em torno do projeto contra-hegemônico, uma nova visão de mundo a ser abraçada pela maioria da população, um novo consenso, um novo senso comum. Trata-se de elaborar uma nova concepção de mundo através de uma análise crítica e consciente da realidade presente e da intervenção ativa na história, para que se enfrente a concepção de mundo dominante, imposta pelos grupos sociais dominantes.
O senso comum nada mais é que uma visão de mundo expressa de forma fragmentada, desagregada, incoerente pelos agentes sociais, os quais repetem, sem questionamento, o que é afirmado pelas classes dominantes como verdade, uma verdade construída a partir de um ponto de vista particular e tornada universal no processo de convencimento ideológico mencionado acima. Por isso Gramsci refere-se a este processo de elaboração de uma consciência crítica como a um “conhece-te a ti mesmo” pois trata-se de romper com a visão a que nós, “homens-massa”, fomos acostumados a entender como verdadeira, pelo fato de pertencermos a um determinado coletivo, de compartilharmos um determinado modo de pensar e agir, de sermos conformistas de um certo conformismo. Esta ultrapassagem exige, portanto, como primeiro passo, a crítica da própria concepção de mundo, a consciência da própria historicidade.
É importante ressaltar que não estamos nos reportando aqui a uma mera batalha no campo das ideias. Em seu texto, Gramsci faz várias referências à ideia de Marx segundo a qual nenhuma sociedade assume encargos para cuja solução as condições materiais necessárias não existam ou não estejam em vias de aparecer e se desenvolver. Pode-se depreender daí que um projeto político de transformação da realidade somente terá êxito se, além da vontade de seus proponentes, existirem as condições sociais e históricas favoráveis às mudanças desejadas. Por este motivo, Gramsci realça a necessidade de uma análise científica das relações entre estrutura e superestrutura, da correlação das forças econômicas, sociais e políticas na sociedade, a preceder ou acompanhar as ações na luta revolucionária.
Na mesma linha de raciocínio, o comunista italiano recorre outra vez a Marx para explorar o pensamento segundo o qual “a teoria transforma-se em poder material logo que se apodera das massas”, isto é, uma ideia só se realiza plenamente se é apoderada pelo movimento social concreto e se transforma em ação prática. Daí a insistência de Gramsci em que nenhum projeto de transformação social cumprirá seu objetivo se não vier acoplado a uma profunda reforma intelectual e moral. Neste processo está em jogo a formação de um “bloco histórico” no qual as forças materiais (o “conteúdo” do movimento social) e as ideologias (a “forma”) se interagem, já que “as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais”.
A simples redução do pensamento político à filosofia ou à ideologia converteria a história dos homens em mera história das ideias, deixando de se considerar um conjunto de práticas e relações sociais. O pensamento político inscreve-se no mundo da práxis, relacionando-se com o mundo das ideias sem reduzir-se a um exercício puramente intelectual ou retórico, pois faz parte da experiência política. A ideia transforma-se em atividade ao ser incorporada à ação política, a partir de escolha realizada em função de considerações feitas sobre o terreno da própria realidade política e social existente. Não sendo mero reflexo do meio social no qual se inscreve, a prática política sofre as limitações impostas pela realidade, impedindo que prevaleça unicamente a vontade ou o arbítrio imaginativo. Não basta a intenção de concretizar, com base na ideologia ou na filosofia, determinados princípios políticos. É a própria experiência da atividade política que indicará o campo de atuação possível, sugerindo o caminho a ser percorrido, o modo pelo qual se podem alcançar os fins pretendidos. “É por isso, portanto, que não se pode destacar a filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção de mundo são, também elas, fatos políticos”.
O partido e o intelectual orgânico
Na luta hegemônica, o partido político é, para Gramsci, o organismo social responsável pela organização da ampla reforma intelectual e moral pretendida, pois configura-se como a primeira célula na qual se aglomeram germes da vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais, no sentido da transformação social a ser conquistada. Neste processo, a vontade coletiva, dirigida pelo partido, atua como a consciência prática da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo. O partido político revolucionário moderno (o partido representativo dos interesses da classe operária) deve atuar como um “moderno Príncipe”, numa referência ao “Príncipe” de Maquiavel, com a diferença substancial de que, nas sociedades modernas, caberia a uma organização social coletiva e não a um único indivíduo a tarefa de galvanizar a vontade transformadora de amplos setores sociais.
O papel básico do partido operário é contribuir para a elevação da consciência de classe, superando os marcos dos interesses puramente imediatos, economicistas, corporativos, para o nível da visão global da realidade, forjando, desta feita, uma “vontade coletiva nacional-popular”, capaz de hegemonizar um projeto político nacional de construção da sociedade socialista. O partido, portanto, é a organização capaz de promover a passagem do momento “egoístico-passional”, economicista e corporativo dos grupos sociais para o momento ético-político, universalizante, hegemônico, no que Gramsci chama de momento “catártico”, quando a ideologia, como “criação da fantasia concreta”, atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar a sua vontade coletiva.
O trabalho do partido revolucionário somente será efetivo se, neste processo de elaboração de um pensamento superior ao senso comum, não se abandonar o contato com as massas, com os “simplórios”, segundo a terminologia de Gramsci, pois é deste contato que os militantes partidários podem extrair a fonte dos problemas a serem estudados e resolvidos, impedindo que o partido descole-se da vida prática e caia em um intelectualismo estéril e de gabinete. Trata-se de inovar e tornar crítica uma atividade já existente, produzindo-se uma nova concepção de mundo que, por estar ligada à vida do povo, tem maiores possibilidades de difusão, tornando-se um senso comum renovado por uma filosofia que visa não a manutenção dos subalternos em uma condição submissa, mas, pelo contrário, criar condições para um progresso intelectual que seja acessível a toda a massa e não apenas a pequenos grupos. São palavras de Gramsci:
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‘originais’; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ‘socializá-las’ por assim dizer; e, portanto, transformá-las em bases de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato ‘filosófico’ bem mais importante e ‘original’ do que a descoberta, por parte de um ‘gênio’ filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais.
Para a construção desta concepção de mundo crítica, coerente e unitária, assume papel decisivo a ação dos intelectuais de novo tipo, conforme propõe Gramsci. Ao contrário do intelectual tradicional, um profissional da eloqüência e do discurso, a exercer o monopólio do saber na sociedade, o novo intelectual, o intelectual orgânico, deve portar-se como um organizador da vontade coletiva, um construtor da nova hegemonia, um “persuasor permanente”, que necessita garantir sua inserção ativa e contínua na vida prática. Comprometido em elaborar e difundir a visão de mundo a ser universalizada, ou seja, a ser abraçada como verdade pelos agentes sociais, sua função é essencial no estabelecimento do consenso “espontâneo” a ser dado pelos indivíduos e grupos à orientação da facção hegemônica para a vida social, procedimento necessário para a conquista e a posterior conservação do poder revolucionário.
O intelectual orgânico é mais que um especialista de algum saber, é um dirigente, um político que reúne, acima de tudo, a capacidade de unificar o grupo social ou o partido a que pertence em torno da visão de mundo que lhe é própria, visando garantir a ação coletiva coerente no sentido da transformação da realidade conforme o projeto de poder. Os intelectuais de novo tipo funcionam, pois, como categoria orgânica de um grupo social fundamental, de uma classe, como organizadores da hegemonia, sendo responsáveis pela unidade entre teoria e prática na produção do processo histórico real. O partido político, por conseguinte, é o lugar por excelência da atuação dos intelectuais orgânicos, já que a função do partido é, na sua essência, “diretiva e organizativa, isto é, educativa, isto é, intelectual”
Uma massa humana não conquista sua autonomia sem organizar-se, e não existe organização sem intelectuais, sem aqueles que ocupem-se de dar homogeneidade e consciência ao grupo ao qual pertencem. No processo de autoconsciência crítica, os agentes sociais criam seus intelectuais orgânicos, seus organizadores, seus dirigentes, para que elaborem e reelaborem continuamente os princípios teóricos necessários à cimentação de sua unidade enquanto grupo cujos integrantes se identifiquem não só por sua posição econômica no jogo das relações sociais, mas também e, essencialmente, por seu posicionamento político, na busca pela transformação da realidade social.
Na relação intelectuais-massa traduz-se a dialética teoria-prática inerente ao processo, no qual o aspecto teórico distingue-se concretamente através de um grupo de pessoas especializadas na formulação conceitual e filosófica orientadora da ação política prática. Os partidos, entendidos como organismos sociais classistas, voltados para a luta política por excelência, são os experimentadores históricos das novas concepções de mundo. Forjam, na ação prática, as novas intelectualidades integrais e totalizadoras, responsáveis pela universalização da concepção do grupo, promovendo, assim, a unidade da teoria com a prática no processo histórico real. Afinal, trata-se de construir uma teoria que se identifique com os elementos essenciais dessa prática e possa acelerar o processo histórico, tornando a prática mais homogênea, coerente e eficaz. “A identificação de teoria e prática é um ato crítico, pelo qual se demonstra que a prática é racional e necessária ou que a teoria é realista e racional”, é o que nos diz Gramsci.
A difusão da nova concepção de mundo
O processo de difusão das novas concepções de mundo ocorre por razões práticas e sociais, ou seja, como resultado de um embate contra as velhas concepções dominantes. A construção ideológica hegemônica prevê a superação do senso comum tradicional para a criação de outro, mais adequado à concepção do novo grupo dirigente. A postura revolucionária exige permanente embate contra as filosofias tradicionais, implícitas, de forma desorganizada e fragmentada no senso comum, mas a elaboração das novas idéias hegemônicas não pode prescindir de tudo aquilo que é próprio do senso comum, pois este traduz “espontaneamente a filosofia das multidões”. É preciso garantir o vínculo permanente da filosofia da práxis com as aspirações populares, de forma a que as novas ideias se enraízem na consciência do povo com a mesma força das crenças tradicionais.
Sendo assim, para que a difusão da nova concepção de mundo obtenha êxito, seja galvanizada pelas massas e ganhe vida real, influem, mas não são suficientes, a forma racional, lógica e coerente com que a proposta é exposta e apresentada e a autoridade, o reconhecimento público do expositor e dos pensadores nos quais este se apóia. O elemento decisivo, no entanto, é de caráter não racional: é a fé. Fé no grupo social a que pertence o agente (estando no meio de tantos que pensam como ele, de que maneira poderia estar errado?) e no expositor que construiu sua autoridade e prestígio por meio de uma história de militância e dedicação à causa e aos ideais defendidos pelo grupo. Fé, acima de tudo, nas palavras que lhe tocam fundo por terem ligação com o seu cotidiano e por apontarem caminhos possíveis de serem percorridos na estratégia de luta apresentada.
Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, é uma relação social ativa de modificação do ambiente cultural existente. Na luta hegemônica, a difusão da nova concepção de mundo, a criação do novo terreno ideológico exige, como já visto, uma ampla reforma intelectual e moral. É preciso que a ideia penetre no povo, torne-se costume, persuasão e fé coletiva. A nova concepção de mundo, para que se transforme em realidade prática, terá que ser vivida pelas massas com a intensidade das crenças populares, como uma fé. E isto somente será possível se, no trabalho incessante para convencer camadas populares cada vez mais vastas, os intelectuais orgânicos surgidos do seio dessa massa permaneçam em contato com ela, de modo a garantir a contínua elaboração e reelaboração da doutrina coletiva na forma mais aderente e adequada ao grupo. Os sentimentos populares, para Gramsci, não podem ser desprezados. Precisam ser conhecidos e estudados tal como se apresentam, fornecendo, desta feita, o elemento de paixão igualmente necessário à ação política.
Gramsci diz não ser possível saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado pelo seu objeto de saber. O intelectual orgânico apaixona-se pelo motivo maior da sua luta transformadora, identifica-se com as paixões elementares do povo, nutre-se delas para que a elaboração científica da concepção de mundo revolucionária esteja fincada em bases populares efetivas e não se reduza a mero proselitismo ou pedantismo. “Não se faz política-história sem esta paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre intelectuais e povo-nação”. É daí que vem a força de coesão do bloco histórico, estabelecendo-se verdadeiramente a relação de representação entre dirigentes e dirigidos, a adesão orgânica entre partido e classe social, necessária à formação da vontade coletiva nacional-popular que conduzirá a luta revolucionária e o processo de construção da nova hegemonia.

Auguste Comte (1798 - 1857)
    
Positivismo: Ordem, progresso e a ciência como religião da humanidade

A palavra positivismo foi empregada pela primeira vez pelo filósofo francês Claude Saint-Simon - um dos chamados socialistas românticos - para designar o método exato das ciências e a possibilidade de sua extensão à filosofia. Mais tarde, o politécnico Auguste Comte (1798-1857), que foi seu secretário, utilizou a expressão para designar a sua filosofia, que teve grande expressão no mundo ocidental durante a segunda metade do século 19 (estendendo-se no Brasil à primeira metade do século 20).

O positivismo acompanhou e estimulou a organização técnico-industrial da sociedade moderna e fez uma exaltação otimista do industrialismo. Nesse sentido, pode-se compreendê-lo como produto da sociedade técnico-industrial que, ao mesmo tempo, a leva esta mesma sociedade a desenvolver-se e consolidar-se.

Basicamente, a característica essencial ao positivismo, tal qual o concebeu Comte, é a devoção à ciência, vista como único guia da vida individual e social, única moral e única religião possível. Desse modo, em última análise, o positivismo é compreendido como a "religião da humanidade".
  
Curso de filosofia positiva

A partir da ciência - e de uma ciência social ou sociologia, da qual Comte é um fundador -, o filósofo propunha reformular a sociedade para que se obtivesse ordem e progresso. Note-se, porém, que isso implica a criação de uma ciência social, pois só é possível reformular ou transformar aquilo que conhecemos.

A obra fundamental de Comte é o "Curso de Filosofia Positiva", livro escrito entre 1830 e 1842, a partir de 60 aulas dadas publicamente pelo filósofo, a partir de 1826. É na primeira delas que Comte formulou a "lei dos três estados" da evolução humana:
  • o estado teológico, em que a humanidade vê o mundo e se organiza a partir dos mitos e das crenças religiosas;
  • o estado metafísico, baseado na descrença em um Deus todo-poderoso, mas também em conhecimentos sem fundamentação científica;
  • o estado positivo, marcado pelo triunfo da ciência, que seria capaz de compreender toda e qualquer manifestação natural e humana.
Passados mais de 150 anos da publicação do "Curso", talvez não fosse necessário dizer que é inerente ao positivismo uma romantização da ciência, romantização esta que atribuiu ao conhecimento científico uma onipotência não comprovada pela realidade. Atualmente, sabe-se que a ciência não só resolve problemas, como também os cria: veja-se como um exemplo a interferência danosa do desenvolvimento industrial no meio ambiente.

Positivismo no Brasil

Conhecer o positivismo, contudo, é particularmente importante aos brasileiros, devido à grande influência que esta escola filosófica exerceu no país na virada dos séculos 19 e 20. Se o leitor foi atento, percebeu que o objetivo da filosofia de Comte é a ordem e o progresso, lema inscrito na bandeira brasileira adotada após a proclamação da República.

As ideias de Comte, em especial através dos pensadores Miguel Lemos (1854-1917), Teixeira Mendes (1855-1927) e do militar Benjamin Constant (1836-1891), se impuseram aos círculos republicanos brasileiros, contribuindo para nortear a nova ordem social republicana, em especial nos governos
Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.

Maximilian Karl Emil Weber (1864 - 1920)

 A Objetividade do Conhecimento
 
Como é possível, apesar da existência dos valores, alcançar a objetividade nas ciências sociais?
 
É preciso distinguir entre os julgamentos de valor e o saber empírico. Os valores devem ser incorporados a conscientemente à pesquisa e controlados através de procedimentos rigorosos de análise, caracterizados como esquemas de explicação condicional.
 
Os Tipos Ideais
 
Um conceito típico-ideal é um modelo simplificado do real, elaborado com base em traços considerados essenciais para a determinação da causalidade, segundo os critérios de quem pretende explicar um fenômeno.
O tipo ideal é utilizado como instrumento para conduzir o autor numa realidade complexa.
 
Ação Social
 
Toda conduta humana dotada de um significado subjetivo (sentido) dado por quem a executa e que orienta essa ação.
 
A explicação sociológica busca compreender e interpretar o sentido da ação social, não se propondo a julgar a validez de tais atos nem a compreender o agente enquanto pessoa. Compreender uma ação é captar e interpretar sua conexão de sentido, somente a ação com sentido pode ser compreendida pela Sociologia. Em suma: ação compreensível e ação com sentido.
 
Tipos puros de ação:
 
Ação racional com relação a fins: ação que visa atingir um objetivo previamente definido, ele lança mão dos meios necessários ou adequados, ambos avaliados e combinados tão claramente quanto possível de seu próprio ponto de vista. Uma ação econômica, por exemplo, expressam essa tendência e permitem uma interpretação racional.
Ação racional com relação a valores: ação orientada por princípios, agindo de acordo com ou a serviço de suas próprias convicções e levando em conta somente sua fidelidade a tais valores. Por exemplo, não se alimentar de carne, orientado por valores éticos, políticos e ambientais. 
 
Ação tradicional: quando hábitos e costumes arraigados levam a que se aja em função deles. Tal é o caso do batismo dos filhos realizado por pais pouco comprometidos com a religião.
Ação afetiva: quando a ação é orientada por suas emoções imediata, como por exemplo, o ciúme, a raiva ou por diversas outras paixões. Esse tipo de ação pode ter resultados não pretendidos, por exemplo, magoar a quem se ama.
 
Relação Social
 
Uma conduta plural (de vários), reciprocamente orientada, dotada de conteúdo significativos que descansam na probabilidade de que se agirá socialmente de um certo modo, constitui o que Weber denomina de relação social. Podemos dizer que relação social é a probabilidade de que uma forma determinada de conduta social tenha, em algum momento, seu sentido partilhado pelos diversos agentes numa sociedade qualquer. 
Quando, ao agir, cada um de dois ou mais indivíduos orienta sua conduta levando em conta a probabilidade de que o outro ou os outros agirão socialmente de um modo que corresponde às expectativas do primeiro agente, estamos diante de uma relação social. Como exemplo de relação social, as trocas comerciais, a concorrência econômica, as relações políticas.
 
Estratificação Social
 
A concepção de sociedade construída por Weber implica numa separação de esferas – como a econômica, a religiosa, a política, a jurídica, a social, a cultural – cada uma delas com lógicas particulares de funcionamento.
Partindo, portanto, do princípio geral de que só as consciências individuais são capazes de dar sentido à ação social e que tal sentido pode ser partilhado por uma multiplicidade de indivíduos, Weber estabeleceu conceitos referentes ao plano coletivo – a) classes, b) estamentos ou grupos de status e c) partidos – que nos permitem entender os mecanismos diferenciados de distribuição de poder, o qual pode assumir a forma de riqueza, de distinção ou do próprio poder político, num sentido estrito.
 
As classes se organizam segundo as relações de produção e aquisição de bens; os estamentos, segundo princípios de seu consumo de bens nas diversas formas especificas de sua maneira de viver; as castas seriam, por fim, aqueles grupos de status fechados cujos privilégios e distinções estão desigualmente garantidos por meio de leis, convenções e rituais.
 
Enfim, as diferenças que correspondem, no interior da ordem econômica, às classes e, no da ordem social ou da distribuição da honra, aos estamentos, geram na esfera do poder social os partidos, cuja ação é tipicamente racional: buscar influir sobre a direção que toma uma associação ou uma comunidade. O partido é uma organização que luta especificamente pelo domínio embora só adquira caráter político se puder lançar mão da coação física ou de sua ameaça.
 
Poder e Dominação
 
O conceito de poder é amorfo já que significa a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade.
Dominação é a probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo a um certo mandato.
 
Poder + Legitimidade = Dominação.
 
Tipos Puros de Dominação Legítima
 
Dominação Legal: obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida deve obedecer. Seu tipo mais puro é a burocracia.
 
Dominação Tradicional: se estabelece em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. 
 
Dominação Carismática: se dá em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. Seu tipo mais puro é a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo.
 
Desencantamento do mundo
 
A humanidade partiu de um universo habitado pelo sagrado, pelo mágico, excepcional e chegou a um mundo racionalizado, material, manipulado pela técnica e pela ciência. O mundo de deuses e mitos foi despovoado, sua magia substituída pelo conhecimento cientifico e pelo desenvolvimento de formas de organização racionais e burocratizadas.
 
Ética Protestante e Espírito do Capitalismo
 
O trabalho torna-se um valor em si mesmo, e o operário ou capitalista puritanos passam a viver em função de sua atividade ou negócio e só assim têm a sensação da tarefa cumprida. O puritanismo condenava o ócio, o luxo, a perda de tempo, preguiça.
Para estarem seguros quanto à sua salvação, ricos e pobres deveriam trabalhar sem descanso, o dia todo em favor do que lhes foi destinado pela vontade de Deus, e glorifica-lo por meio de suas atividades produtivas.
 
A essa dedicação verdadeiramente religiosa ao trabalho, Weber chamou de vocação. Essa ética teve conseqüências marcantes sobre a vida econômica e, ao combinar a restrição do consumo com essa liberação da procura da riqueza, é obvio o resultado que daí decorre: a acumulação capitalista através da compulsão ascética da poupança. Mas este foi apenas um impulso inicial. A partir dele o capitalismo libertou-se do abrigo de um espírito religioso.
 
Estado
 
O Estado é um instrumento de dominação do homem pelo homem, para ele só o Estado pode fazer uso da força da violência, e essa violência é legítima (monopólio do uso legítimo da força física), pois se apóia num conjunto de normas (constituição).
 

Erich Fromm ( 1900 - 1980)

Formou-se em Psicologia e Sociologia na Universidade de Heidelberg, onde também se doutorou, completando sua formação na Universidade de Munique – Doutorado em Filosofia – e no Instituto Psicanalítico de Berlim, se especializando em Psicanálise. Nascido em Frankfurt, em 1900, emigrou para os Estados Unidos quando Hitler subiu ao poder, instituindo o Nazismo.

Na América, Fromm desenvolveu amplamente sua carreira, sempre provocando polêmicas com sua linha de pensamento e sua terapêutica, que unia a Psicanálise com a teoria marxista, integrando fatores sócio-econômicos aos tradicionais mecanismos de tratamento das neuroses. Segundo o psicanalista, o homem é o produto de princípios culturais e biológicos. Assim, ele desafia os preceitos freudianos, que destacam somente a esfera do inconsciente.

Além de clinicar, ele também atuava como professor universitário nos EUA e no México. Suas obras abordam continuamente as questões ligadas à violência, aos regimes totalitários, à alienação social, ao humanismo. Seu ponto de vista humanista cativou profissionais do campo da Sociologia, da Filosofia e da Teologia.

Erich Fromm sempre se insurgiu contra o mecanicismo que impregna as relações sociais e econômicas do mundo contemporâneo, regido por um capitalismo desumano e cruel. Influenciado profundamente pela obra de Karl Marx, ele faz uma analogia entre os conceitos marxistas e os freudianos, tentando estabelecer entre ambos uma relação dialética, à procura de uma síntese destas idéias. Ele privilegia, porém, a teoria de Marx, valendo-se de Freud apenas para completar alguns pontos não explicados pelo marxismo. Este pensador gera, assim, uma espécie de humanismo espiritual, social e também dialético.

Segundo Erich Fromm, o indivíduo cultivou interiormente sentimentos de desamparo e solidão, pois perdeu o contato com sua dimensão mais humana, deixou de ampliar suas virtudes, e assim tornou-se incapaz de interagir com os mesmos aspectos essenciais das outras pessoas. É a este processo que ele chama de alienação social, oculta por trás das personas de cada um, mas mesmo assim capaz de exercer um impacto sinistro sobre a Humanidade.

Ao mesmo tempo em que o homem avança materialmente, ele se aparta cada vez mais dos outros seres, é o que Erich Fromm expõe em sua obra Medo da Liberdade. Desta forma, a liberdade tão almejada torna-se uma armadilha assustadora da qual ele tenta fugir através da conquista de recursos financeiros e da guerra pelo poder, por meio de uma passividade absoluta diante do autoritarismo, ou ainda pelas vias do conformismo social. Assim, o homem pode fingir que possui alguma coisa, ou que é propriedade de alguém, pois desta maneira sente que não está sozinho. O psicanalista acredita que a aceitação do outro e de seu tesouro interior, a prática da solidariedade e do trabalho em conjunto, o exercício da fraternidade e a instituição do conforto social podem oferecer à Humanidade uma saída viável para esta trágica situação criada pelo próprio Homem.
Erich Fromm morre em Muralto, na Suíça, a 18 de março de 1980.

Theodor Adorno ( 1903 - 1969)

Este renomado intelectual alemão, Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, nascido em Frankfurt, no dia 11 de setembro de 1903, formou-se em filosofia, sociologia, psicologia, e tornou-se também musicólogo e compositor, graduando-se na Universidade de Frankfurt. Posteriormente fundou, ao lado de Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Jürgen Habermas, entre outros, a célebre Escola de Frankfurt.

Seu pai, Oscar Alexander Wiesengrund, era um alemão de procedência judaica, porém convertido à religião protestante, enquanto sua mãe, a italiana Maria Bárbara Calvelli-Adorno, dedicava-se à música erudita e professava o catolicismo. Mais tarde o filho adota o sobrenome materno, passando a ser conhecido como Theodor W. Adorno.
Sua formação musical foi, em parte, realizada com sua meia-irmã pelo lado de mãe, Agathe, primorosa pianista. Além de se sobressair nos estudos desenvolvidos no Kaiser-Wilhelm-Gymnasium, freqüentou um curso particular com o compositor Bernhard Sekles e tornou-se especialista no filósofo Immanuel Kant, graças às aulas oferecidas por seu camarada Siegfried Kracauer, um ‘expert’ na Sociologia do Conhecimento.

O empenho intelectual de Adorno o levou a defender, já em 1924, sua tese sobre a fenomenologia de Edmund Husserl. Antes mesmo de se formar ele se torna amigo de Walter Benjamin e de Max Horkheimer, seus futuros companheiros de militância intelectual e política. Sua trajetória intelectual tem início em 1933, quando lança sua tese sobre Kierkegaard. Outro contato importante no universo filosófico é com o principiante Lukács, em 1925. As primeiras publicações deste filósofo alemão – A Teoria do Romance e História e Consciência de Classe -, mais tarde rejeitadas por ele, para completa desilusão de Adorno, influenciam profundamente sua produção acadêmica, sustentando seus ideais e os rumos de sua mente brilhante. Benjamin também deixa marcas fundamentais no pensamento adorniano, que se identifica plenamente com os conceitos desenvolvidos pelo amigo. 
 
Futuro crítico contundente dos meios de comunicação de massa, ele percebe, nos seus anos de exílio nos Estados Unidos, serem eles peças essenciais da engrenagem que alicerça a indústria cultural. Esta criação do Capitalismo molda a mentalidade dos que a ela aderem inconscientemente, semeando o conformismo e a resignação na população que se encontra inerte diante de um sistema implacável que desfigura a essência do ser.
Adorno foi mais um dos adeptos da Escola de Frankfurt que, durante o processo de nazificação da Alemanha, foi obrigado a se refugiar na América, por ser de ascendência judaica e também por sua vocação para o socialismo. Depois de uma passagem pela Suíça, ele atendeu a um convite de Horkheimer para trabalhar na Universidade de Princeton. Sua impressão sobre os Estados Unidos não foi das melhores. Sofisticado intelectual europeu, incomodou-o profundamente o ar de uniformização presente em tudo, a despeito dos conceitos norte-americanos de individualidade e do cultivo das diferenças.
Este universo regido pelos interesses, pelo lucro e pelas conveniências o levou a uma reflexão mais atenta sobre a massificação da cultura. Inclinado a compreender esse paradoxo americano, ele estuda a fundo a mídia dos EUA, e descobre sob a aparente liberdade apregoada pelo ‘American Way of Life’, uma ideologia padronizada que a tudo perpassa, com a intenção de sujeitar a massa apática, induzindo-a ao consumismo e à submissão ao sistema. 
 
Com o término da Segunda Guerra, Adorno professa a volta do Instituto de Pesquisa Social para Frankfurt, juntamente com seus membros. Após a aposentadoria de Horkheimer, Adorno assume sua diretoria, na década de 50. Pouco antes de sua morte, em 6 de agosto de 1969, ele assumiu uma posição controvertida diante dos rebeldes do movimento estudantil que, em 31 de janeiro deste mesmo ano, pretendiam suspender sua aula para darem seqüência aos protestos que se espalhavam pelas ruas da Europa. Surpreendentemente ele recorreu á polícia para reprimir as manifestações, o que causou um mal-estar entre ele e os estudantes, além de o contrapor ao seu antigo companheiro, Marcuse, que se aliara aos alunos nos movimentos que se alastravam pelo continente europeu. Adorno parte sentindo-se aviltado pelos adeptos de uma esquerda para ele considerada ultra-radical.

Herbert Marcuse (1898 - 1979)

Nasceu em Berlim, capital da Alemanha, filho de pais judeus. Estudou literatura e filosofia em Berlim e Freiburg, onde conheceu filósofos como Martin Heidegger, um dos maiores pensadores alemães na época. Aos 24 anos, ele voltou à cidade natal, onde trabalhou na venda de livros. Retornou a Freiburg para ser orientado por Heidegger em seu doutorado sobre o filósofo Hegel.

Quatro anos depois, em 1933, por causa do governo nazista, Marcuse não foi autorizado a completar seu projeto. Assim, foi trabalhar em Frankfurt, no Instituto de Pesquisa Social. Ainda no mesmo ano, ele imigrou da Alemanha para a Suíça, indo em seguida para os Estados Unidos, onde obteve a cidadania em 1940.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Marcuse trabalhou para o governo norte-americano, analisando relatórios do serviço de espionagem sobre a Alemanha, atividade que durou até 1951.

No ano seguinte, começou a carreira de professor universitário de teoria política, primeiro em Colúmbia e em Harvard, depois em Brandeis, onde ficou de 1954 até 1965. Já perto de se aposentar, foi lecionar na Universidade da Califórnia, em San Diego.

Suas críticas à sociedade capitalista, em especial na obra "Eros e Civilização", de 1955, e em "O homem unidimensional", de 1964, fizeram eco aos movimentos estudantis de esquerda dos anos 1960.

"O homem unidimensional" pode ser visto como uma análise das sociedades altamente industrializadas. Marcuse critica tanto os países comunistas quanto os capitalistas, por suas falhas no processo democrático: nenhum dos dois tipos de sociedade foi capaz de dar igualdade de condições para seus cidadãos.

Ele argumentava que a sociedade industrial avançada criava falsas necessidades que integravam o indivíduo ao sistema de produção e de consumo. Comunicação de massas e cultura, publicidade, administração de empresas e modos de pensamento contemporâneos apenas reproduziriam o sistema existente e cuidariam para eliminar negatividade, críticas e oposição. O resultado, dizia, era um universo unidimensional de idéias e comportamento, no qual as verdadeiras aptidões para o pensamento crítico eram anuladas.

Marcuse viveu para assistir e sentir os efeitos do que teorizou: tinha 70 anos quando eclodiu a Revolução Inesperada, a grande revolta estudantil de 1968 em praticamente todos os países do mundo.

Por sua capacidade de se engajar seriamente e apoiar os estudantes que protestavam contra a guerra do Vietnã (1961-1974) e queriam mudar a sociedade e a política, Marcuse logo ficou conhecido como o "pai da nova esquerda", apelido que ele rejeitava. Fez vários discursos engajados nos Estados Unidos e na Europa no fim da década e durante os anos 70. Morreu de infarto durante uma visita à Alemanha, dez dias depois de completar 81 anos.

Georg Lukács (1885 - 1971)

Iniciou sua atividade como escritor aos 17 anos, publicando artigos de crítica teatral, e a manteve praticamente sem interrupção até sua morte, ao longo de quase setenta anos, com numerosos ensaios e obras polêmicas dedicadas a temas filosóficos, políticos e literários.

Freqüentou as universidades de Budapeste, Berlim e Heidelberg, e sofreu a influência de Georg Simmel,
Max Weber, Wilhelm Dilthey e do círculo do poeta Stefan George. Sua primeira obra de repercussão européia foi "A alma e as formas", de perspectiva neokantiana. Com o livro "A teoria do romance", o pensamento de Lukács se abre à história, passando de Kant a Hegel.

Após a
Revolução Russa de 1917, converteu-se ao marxismo e veio a ser comissário do povo para a educação no governo de Bela Kun, na Hungria, em 1919. Exilado, depois, em Viena, publicou "História e consciência de classe", livro que foi criticado por Zinoviev e Bukharin, mas também pelo social-democrata Karl Kautski.
Opondo-se à política de Bela Kun, Lukács elaborou, em 1928, teses nas quais antecipava a linha política da "frente popular", que veio a ser adotada no final de 1934, época em que o próprio Lukács já se achava exilado na ex-URSS e Hitler tinha dominado a Alemanha.

Controvérsias e críticas

Após a derrota do nazismo, retornou à Hungria e polemizou contra
Karl Jaspers, Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty.
Com o advento da
Guerra Fria, Lukács é criticado pelos mentores da política cultural soviética e húngara. Em 1956, após a denúncia dos crimes de Stálin, Lukács retornou à atividade política e ocupou no governo de Imre Nagy o mesmo cargo que ocupara no governo de Bela Kun.

Depois da intervenção das tropas soviéticas na Hungria, esteve exilado durante cinco meses na
Romênia. De volta à Hungria, retomou sua atividade intelectual, dedicando-se à análise das deformações sofridas pelo marxismo-leninismo na época de Stálin, bem como à elaboração da obra "A particularidade do estético" e de uma "Ética", cuja introdução deveria ser uma "ontologia do ser social".

Apesar dos 86 anos, mantinha-se ativo quando a morte o colheu, interrompendo-lhe o trabalho. Nos últimos anos de vida, continuava a suscitar controvérsias e era objeto de críticas tanto da parte de marxistas soviéticos e chineses, como da parte de numerosos marxistas ocidentais, bem como por liberais e conservadores.

Ernst Bloch (1885 - 1977)

8 de julho de 1885, nascia o filósofo do "princípio esperança" e da "utopia concreta" e um dos mentores do movimento estudantil. Décadas depois, o pensamento do alemão Ernst Bloch permanece vivo.
 
Um punho esquerdo cerrado; abaixo do polegar, uma estrela. No ano da morte de Ernst Bloch, o diretório acadêmico da Universidade de Tübingen propôs que a instituição adotasse o nome do filósofo, acompanhado desta logomarca.
A homenagem lembra que Bloch foi um dos pais intelectuais do movimento estudantil. O punho fechado em protesto evoca um gesto muito repetido por ele em suas palestras, expressando resistência contra a injustiça existente.

"Utopia concreta"

Ernst Bloch nasceu em 8 de julho de 1885, numa família judaica de Ludwigshafen. Muitos anos mais tarde, ele ainda definiria como constitutivo para seu pensamento o contraste entre a cidade natal, industrial e operária, e a vizinha Mannheim, burgo da cultura burguesa herdada.

Em 1905, iniciou seus estudos de Filosofia, Germanística, Física e Música em Munique e Würzburg, doutorando-se em Filosofia três anos mais tarde. Já em 1918 publicou a obra Espírito da utopia, onde afirma: "O mundo existente é o mundo passado, porém o anseio humano, em ambas suas formas – como inquietude e como sonho acordado – é a vela que leva ao outro mundo".
 
Defendendo-se das acusações de perseguir o irrealizável, Bloch desenvolverá o conceito, aparentemente paradoxal, da "utopia concreta", distanciando-se assim tanto do puro sonho quanto do banimento de todas as esperanças para um mundo melhor, para o além.
À ideia freudiana do inconsciente como algo "não-mais-consciente", o filósofo justapõe a existência do "ainda-não-consciente". "Sobretudo nos dias de expectativa, em que predomina não o que já foi, mas sim o que está por vir, na dor indignada, na gratidão da felicidade, na visão do amor [...], transpomos claramente as fronteiras de um saber ainda-não-conhecido."

Nasce o princípio esperança

Após seu doutorado, Bloch torna-se amigo do filósofo húngaro Georg Lukács e frequenta os círculos de Max Weber em Heidelberg. Na década de 20, vivendo como autor autônomo em Berlim, aproxima-se tanto de Walter Benjamin, Theodor Adorno e Siegfried Kracauer como dos artistas Bertolt Brecht, Kurt Weill e Otto Klemperer.

Já em 1924, Bloch se manifestara contra a ameaça nazista num artigo intitulado "A violência de Hitler". A ascensão ao poder do Partido Nacional-Socialista em 1933 obriga o filósofo ao exílio. Após permanências em Paris e Praga, passa a viver, a partir de 1938, nos Estados Unidos. Lá ele inicia, entre muitos outros projetos, o manuscrito de sua obra máxima, O princípio esperança, cujo primeiro de três volumes só será lançado em 1954.

Música e esperança

Para o pensador judeu, a precondição para que se supere a servidão e as estruturas hierárquicas da sociedade é o princípio vital da esperança. Este não se deixa abalar por uma decepção qualquer, pois o ser humano precisa de coragem e de disposição à luta, um "otimismo militante".
Esperança e utopia dirigem-se, para Bloch, a alvos concretos: um humanismo real; uma sociedade cujos membros façam valer seu direito de recusar a posição de humilhados e ofendidos, onde possam ousar "andar eretos". Ao contrário de seus colegas marxistas, para ele a superação do capitalismo não passava de trabalho preparatório, a caminho desse alvo maior.

Nesse longo caminho, as artes, em especial a música, desempenham um papel ativo: "A relação com este mundo torna a música um sismógrafo social, ela reflete fraturas sob a superfície social, expressa desejos de transformação, convida à esperança. [...] O som exprime o que ainda está mudo no ser humano", afirma Bloch em O princípio esperança.

"Revisionista" na Alemanha Oriental

Em 1949, Bloch retorna à terra natal, visando "cooperar com todas as forças para a construção democrática da Alemanha", e assume a cátedra de Filosofia na Universidade de Leipzig, na então República Democrática Alemã (RDA).

O conflito com o Partido Socialista Unitário (SED), latente desde o início, explode em 1956, quando sua obra é classificada como "antimarxista e revisionista".

Durante uma viagem à Alemanha Ocidental, cinco anos mais tarde, ele e sua família são surpreendidos pela construção do Muro de Berlim, que dividirá o país fisicamente em duas metades, duas visões de mundo. Bloch decide permanecer, passando a lecionar na Universidade de Tübingen.

Revolução, movimento estudantil e terrorismo

Bloch saudou o movimento estudantil do final dos anos 60 como uma "rebelião contra a repressão primária", capaz de pôr em desordem e movimento uma sociedade estagnada. "Nossos senhores fazem, eles próprios, que o homem comum se torne seu inimigo e se indigne, e a isso eles chamam de rebelião."

Entretanto o filósofo distinguia estritamente entre protestos estudantis e o terrorismo desgovernado à maneira da Facção do Exército Vermelho (RAF). "Não se deve confundir revolução com exibição barata de força. Espernear sem cessar porque nada nos agrada, jogar tudo fora por ter visto algo melhor [...], isso não é revolução. É claro que revolução é um estado de maturidade."

O filósofo faleceu em 4 de agosto de 1977, em Tübingen. E a "Universidade Ernst Bloch" é uma utopia: ela só existiu no mundo palpável por um curto espaço de tempo e sob pressão estudantil. Porém a assembleia geral dos estudantes reivindicou para si o nome e a logomarca, e os preserva, mais de 30 anos depois. Movida a esperança, a resistência contra o jeito como as coisas são – mas não deveriam ser – continua, nem que seja apenas em algumas cabeças.

Friedrich Nietzsche (1844 - 1900)
 
Órfão de pai aos cinco anos, Nietzsche passou a sua infância em Naumburg, uma pequena cidade da Alemanha às margens do rio Saale, onde cresceu em companhia da mãe, tias e avó. Foi batizado como Friedrich Wilhelm em homenagem ao rei da Prússia. Mais tarde, o filósofo abandonou o nome do meio.

Considerado por professores como um aluno brilhante, recebeu dos colegas o apelido de "pequeno pastor", profissão dos seus avós, que eram protestantes. Aos 14 anos, em conseqüência de sua dedicação aos estudos, obteve uma bolsa na renomada escola de Pforta. Lá, ganhou fluência em grego e latim e, ao mesmo tempo, começou a questionar os ensinamentos do cristianismo.

Depois de Pforta, foi para Bonn estudar filosofia e teologia. Convocado para o Exército em 1867, escapou da atividade devido a uma queda durante uma cavalgada. Convencido por um professor, passou a morar em Leipzig para estudar filologia. Com apenas 24 anos, conseguiu ser nomeado professor de filologia clássica na Universidade de Basiléia. Seu primeiro trabalho acadêmico conhecido foi "A Origem e Finalidade da Tragédia", que escreveu em 1871.

Nesta época, começou a sua amizade com o compositor Richard Wagner. A casa de campo do músico, localizada nas imediações do lago de Lucerna, em Tribschen, serviu-lhe de refúgio e inspiração.

Saúde debilitada

Em 1870, acontece a guerra franco-prussiana e Nietzsche participa como enfermeiro do Exército, mas uma crise de difteria e disenteria impede o filósofo de continuar trabalhando. A partir daí, publica o seu primeiro livro, "O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música" (1871), obra que recebeu grande influência de Wagner e Schopenhauer.

Com crises constantes de cefaléia, problemas de visão e dificuldade para se expressar, foi obrigado a interromper a sua carreira universitária por um ano, mas não deixou de escrever. Quando tentou retornar às atividades acadêmicas, enfrentou sérios problemas em suas cordas vocais que tornaram a sua fala quase inaudível.

Em 1879, quase cego, Nietzsche abandonou definitivamente a universidade, passando a dedicar-se exclusivamente à escrita. Neste período, editou seus principais livros, mas a fama somente chegou ao final do século 19, perto de sua morte. Publicou, então, "Humano, muito humano", e passou temporadas em Veneza e Gênova. Muito abatido com a rejeição por parte de Lou Andréas Salomé, jovem finlandesa com quem pretendia se casar, o filósofo voltou a morar com a mãe e a irmã, sempre demonstrando solidão e sofrimento.

Na última década de vida, Nietzsche começou a apresentar sinais de demência e a escrever cartas para muitas pessoas. Assinava seus textos como "Dionísio" e "O Crucificado". Internado na Basiléia, teve o diagnóstico de paralisia cerebral progressiva, que segundo os médicos, provavelmente foi causada pelo uso de drogas como ópio e haxixe, ingeridas pelo filosofo como auto-medicação. O filósofo morreu em 25 de agosto de 1900, sem recuperar a sua sanidade mental.

Uma de suas obras mais conhecidas é "Assim falava Zaratustra". O livro narra os ensinamentos de um filósofo, Zaratustra, após a fundação do Zoroastrismo na antiga Pérsia. Baseado em episódios, as histórias do livro podem ser lidas em qualquer ordem. Outras obras importantes do filósofo são "Além do Bem e do Mal" (1886), "A Genealogia da Moral" (1887), "O Caso Wagner" (1888), "O Crepúsculo dos Ídolos" (1889) e "Os Ditirambos de Dionísio" (1891).

Os estudiosos em Nietzsche classificam a sua obra como uma crítica aos valores ocidentais, da tradição cristã e platônica. Desde seus primeiros textos, as idéias do filósofo grego Platão eram condenadas como decadentes. Ao mesmo tempo, o filósofo repudiava o cristianismo e o classificava como 'platonismo para o povo'. A sua proposta era o resgate de um super-homem criador, que ficasse além do bem e do mal.
 
Super homem (Übermench).
 
Entre vários escritos, criou o termo super homem  para designar um ser superior aos demais que, segundo Nietzsche era o modelo ideal para elevar a humanidade. Para ele, a meta do esforço humano não deveria ser a elevação de todos, mas o desenvolvimento de indivíduos mais dotados e mais fortes.

A meta, segundo Nietzsche, seria o super homem e não a humanidade, que para ele era mera abstração, não existindo em realidade, sendo apenas um imenso formigueiro de indivíduos.

O todo do mundo era para ele como uma imensa oficina, onde algumas vezes as coisas eram bem sucedidas, mas na maioria das vezes, o fracasso era o resultado final. A finalidade das experiências era o aperfeiçoamento do indivíduo e não a felicidade da coletividade.

Segundo Nietzsche, a sociedade é o instrumento para a melhoria do poder e da personalidade do indivíduo, não para a elevação de todos. A princípio ele acreditava no surgimento de uma nova espécie de ser, porém, passou a cogitar a possibilidade do seu “super homem” ser um indivíduo superior, que se elevasse acima da mediocridade e que sua existência se devesse mais ao esforço e a educação, do que pela seleção natural.
Na visão de Nietzsche o ser humano superior não deveria se unir a outro ser humano que não fosse igualmente superior. Em sua visão, o amor é impedimento ao bom senso e o homem não deveria tomar decisões que afetem sua vida, em momentos de paixão, devendo o amor ser deixado para a ralé ou classe menos favorecida, cabendo ao ser superior, o super homem, unir-se com outro ser superior, para assim, dar seguimento ao desenvolvimento da raça e não apenas sua reprodução.

O super homem idealizado por Nietzsche deveria ter uma educação eugênica, no sentido de melhoria da condição humana, condição este subordinada as mais intensas responsabilidades e cobranças por melhorias constantes, sem esmorecimentos ou condescendências, onde o corpo e a alma aprenderiam a obedecer e a vontade a subordinar-se a disciplina.

A característica dominante do super homem de Nietzsche seria o amor à  luta e ao perigo, deixando a felicidade para a maioria, os meros humanos normais, pois ao super homem caberia o dever de elevar-se além dos limites estabelecidos pela normalidade, pois nada mais terrível do que a supremacia das massas, segundo Nietzsche.

Martin Heidegger (1889 - 1976)

Heidegger foi filósofo, escritor, professor universitário, reitor e um dos grandes pensadores do século 20. Nascido em uma pequena cidade católica, seu pai era sacristão e sua mãe era amiga da mãe do jovem Conrad Grober, que viria a se tornar arcebispo de Friburgo.

Heidegger estudou em Constança, de 1903 a 1906, e em Friburgo até 1909, onde se tornou um excelente aluno de grego, latim e francês, interessando-se pela leitura de Brentano e dos filósofos gregos.

Em 1909, Heidegger ingressou na Universidade de Friburgo e iniciou o curso de teologia. Paralelamente, continuou seus estudos sobre Aristóteles, e iniciou as primeiras leituras de Husserl, que o levariam ao método fenomenológico. Interessou-se também pela filosofia de Maurice Blondel e pelo pensamento de Kierkegaard, que o fez refletir sobre outro tipo de pensamento que não o católico.

A partir de 1911, influenciado pelo filósofo Heinrich Rickert , Heidegger estudou as obras de Hegel, Schelling, Kierkegaard e Nietzsche, Kant, Dostoievsky, Rilke, Trakl, e começou a redigir textos que resultariam em obras posteriores.

Em 1915, Husserl foi para Friburgo e Heidegger tornou-se seu assistente. Husserl o influenciou em toda a sua obra sobre o "Ser" e transmitiu a ele toda a doutrina fenomenológica.

Dois anos depois, Heidegger casou-se com sua aluna Elfriede Petri, com quem teve 2 filhos. Ela era luterana, filha de um oficial do exército e, desde o noivado, empenhou-se pelo trabalho de Heidegger, que lhe dedicou grande parte de suas obras.

Heidegger envolveu-se também com outra aluna, Hannah Arendt, de ascendência judia, que iria se transformar em uma das mais famosas filósofas políticas. Mesmo depois de separados, os dois mantiveram uma longa correspondência.

De 1915 a 1923, Heidegger assumiu o posto de professor substituto na Universidade de Friburgo e, de 1923 a 1928, foi professor da Universidade de Marburgo (Prússia), publicando sua maior obra filosófica "Ser e Tempo", em 1927. Após o lançamento dessa obra, Heidegger foi considerado o maior nome da filosofia metafísica. Depois Sartre modificaria esse título e lançaria o termo "existencialismo", mas Heidegger repudiou tal classificação.

Em Marburgo, Heidegger fez amizade com Rudolf Bultmann, que o levou a conhecer melhor a teologia protestante. Também era amigo de Max Scheler e Karl Jaspers. Entretanto, seu mestre Husserl decepcionou-se com "Ser e Tempo". Além disso, com o crescimento do nazismo, os dois ficaram em campos diferentes, pois Husserl tinha ascendência judia.

Quando Hitler se tornou chanceler, em 1933, Heidegger tornou-se reitor da Universidade de Friburgo, apoiando o nacional-socialismo. Após a Segunda Guerra Mundial, Heidegger assumiu a cadeira de Husserl na Universidade de Friburgo e redigiu obras de cunho filosófico, pequenos artigos e ensaios.

Entre as principais obras de Heidegger encontram-se: "Novas Indagações sobre Lógica" (1912), "O Problema da Realidade na Filosofia Moderna" (1912), "A Doutrina do Juízo no Psicologismo - Uma Contribuição Crítico-positiva à Lógica" (1914), "A Doutrina das Categorias e da Significação em Duns Scoto" (1916), "O Conceito de Tempo na Ciência da História" (1916), "Ser e Tempo" (1927), "Que é Metafísica?" (1929), "Da Essência do Fundamento" (1929), "Kant e o Problema da Metafísica" (1929), Hölderlin e a Essência da Poesia" (1936).

Também podem ser citadas "Da Essência da Verdade" (1943), "Introdução à Metafísica" (1953), "Da Experiência de Pensar" (1954), "O que é isto, a Filosofia?" (1956), "Da Pergunta sobre o Ser" (1956), "O Princípio da Razão" (1956), "Identidade e Diferença (1957), "A Caminho da Linguagem" (1959), "Língua e Pátria" (1960), "Nietzsche" (1961), "A Pergunta sobre a Coisa" (1962), "Tese de Kant sobre o Ser" (1962), "Marcos do Caminho" (1967), "Sobre o Assunto Pensamento" (1969), "Fenomenologia e Teologia" (1970), "Heráclito" (1970).

Conceitos fundamentais

É habitual dividir a produção filosófica de Heidegger em duas partes, uma até ao final da década de vinte, outra a partir daí. Por vezes considera-se também uma terceira anterior à produção de O Conceito de Tempo (conferência proferida em 1924, mas publicada apenas em 1983, em Francês). Assim é comum falar-se do primeiro ou do segundo Heidegger, conforme se faz referência às suas produções anteriores ou posteriores ao seu livro Da essência da Verdade, escrito em 1930, embora a publicação seja de 1943. Gianni Vattimo fala de três momentos da filosofia de Heidegger (ver Introdução a Heidegger, Tradução João Gama, Instituto Piaget, 10ed., 1996)...

A divisão da filosofia de Heidegger em momentos não é pacífica. Há quem recuse a divisão, defendendo a continuidade do seu pensamento.

O ponto de partida do pensamento de Heidegger, principal representante alemão da filosofia existencial, é o problema do sentido do ser. Heidegger aborda a questão tomando como exemplo o ser humano, que se caracteriza precisamente por se interrogar a esse respeito. O homem está especialmente mediado por seu passado: o ser do homem é um "ser que caminha para a morte" e sua relação com o mundo concretiza-se a partir dos conceitos de preocupação, angústia, conhecimento e complexo de culpa. O homem deve tentar "saltar", fugindo de sua condição cotidiana para atingir seu verdadeiro "eu".

As bases de sua filosofia existencial foram expostas em 1928, na obra inacabada Ser e Tempo, 1927, publicada em Marburgo, que o tornou célebre fora dos meios universitários. Oriundo de uma família humilde, Heidegger pôde completar sua formação primária graças a uma bolsa eclesiástica, que lhe permitiu também iniciar estudos de teologia e de filosofia. Profundamente influenciado pelo estudioso de fenomenologia Edmund Husserl, de quem foi assistente após a Primeira Guerra Mundial (até 1923), começou então seus estudos no seio da corrente existencialista.

Embora sempre tenha vivido em Friburgo, exceto nos cinco anos em que foi professor em Marburgo (recusou uma proposta para Berlim), cedo se tornou um dos filósofos mais conhecidos e influentes, influência essa que se estendeu mesmo à moderna teologia de Karl Rahner ou Rudolf K. Bultman. Sua disponibilidade para colaborar com o regime nazista, após a tomada de poder por Hitler, em 1933, aceitando o lugar de reitor em substituição a outro vetado pelos nazistas, abalou seu prestígio. Também contribuiu para isso o fato de equiparar o "serviço do saber" na escola superior ao serviço militar e funcional. Em 1946, as autoridades francesas de ocupação retiraram-lhe a docência, que lhe foi restituída em 1951. Outras importantes obras suas são Introdução à Metafísica, 1953, Que Significa Pensar?, 1964, e Fenomenologia e Teologia, 1970. A obra completa de
Heidegger foi editada na Alemanha em 70 volumes.

Dasein
Ainda assim, até ao final da década de trinta, a leitura da filosofia de Heidegger estrutura-se sobre conceitos como Dasein (o ser-aí ou o ser-no-mundo), morte, angústia ou decisão. Como entroncamento central de toda a sua fenomenologia encontra-se o conceito de Jeweiligkeit: ser-a-cada-momento ou de-cada-vez (Respectividade). Esta noção é fundamental para se compreender a de Dasein, que não deve ser sem mais vertida para Ser humano, homem, nem mesmo para Realidade Humana (ver, a este respeito, A Carta sobre o Humanismo- para mais pormenores sobre a difícil tarefa da tradução do termo veja-se o artigo correspondente, Dasein).

O horizonte de fundo de toda a sua investigação é o do sentido de Ser, os modos e as maneiras de enunciação e expressão de ser. Nesta medida o importante está em alcançar a colocação correcta da questão pelo sentido de ser. Assim, ele põe a claro a desvirtuação dessa investigação ao longo da tradição que sempre se prendeu a uma compreensão ôntica, dominada pelo ente, em vez de se dedicar adequadamente ao estudo do ser. Esta notificação deve indicar-nos que não apenas o ente é, mas que o ser tem modos: há modos de ser. E cada ente deve ser abordado a partir do modo adequado de o abordar, o que deve ser esclarecido a partir do modo de ser próprio do ente que em cada caso está em estudo.

O Dasein, pela sua especificidade, inicia qualquer interrogação. O Dasein é o ente que em cada caso propriamente questiona e investiga. É também o Dasein que detém a possibilidade de enunciar o ser, pois é ele que tem o poder da proposição em geral. Daí que na questão acerca do sentido de ser seja fundamental começar por abordar o ser deste ente
particular. E tem que ser o próprio Dasein a fazer isso, tem que ser ele próprio a mostrá-lo, a partir duma análise fenomenológica esclarecida (hermenêutica).

Neokantismo
Algumas obras de Heidegger revestem-se de inspiração kantiana, quer pelo método crítico que os rege, quer pelos seus resultados, quer pela escolha dos temas. Regra geral considera-se que as obras anteriores a Ser e Tempo são de teor kantiano. Esta fase do seu pensamento constitui para alguns estudiosos o primeiro momento da sua filosofia, marcado pela influência de Kant e pela pujança fenomenológica. Apesar das reservas dos seguidores da sua metodologia, Heidegger tende a ser aproximado ao movimento existencialista. Esta fase é aquela que mais facilmente se relaciona com este movimento.

A tese de doutoramento sobre A teoria do juízo no psicologismo (1913), a tese de docência acerca d'A doutrina das categorias e do significado em Duns Escoto (1916) e o tratado A História do Conceito de Tempo, também conhecido como Conceito de Tempo em Historiografia (1914), são consensualmente aceites como (neo)kantianas. Estas obras, dentro de uma terminologia e temática próprias do Neokantismo, abordam problemas que o extravazam e já não podem ser resolvidas nas estritas fronteiras kantianas.
A facticidade da existência, que viria a fazer parte da terminologia de Ser e Tempo, torna impraticável a posição de um sujeito do conhecimento como sujeito puro que se supõe na reflexão de tipo transcendental. A consciência implica uma temporalidade irredutível ao tempo físico, estritamente métrico ou cronológico. Esta temática torna-se o cerne da sua lição inaugural, na Faculdade de Teologia da Universidade de Marburgo, A História do Conceito de Tempo.

Husserl

Nos escritos de Husserl, na formulação conhecida até 1920, Heidegger podia encontrar já uma novidade radical relativamente ao Neokantismo. Este privilegiava a ciência e aspirava para a Filosofia uma linguagem igualmente rígida e estrita. Para Husserl, o acto de cognição resolvia-se na intuição eidética (Anschauung). O acto cognitivo não podia assim ser limitado ao conhecimento científico, pois trata-se dum encontrar as coisas.

O ir às coisas elas mesmas husserliano ficou conhecido para sempre: trata-se dum encontro com as coisas em carne e osso. Esta concepção já não entende o fenómeno em oposição à coisa em si ou ao númeno
, mas como manifestação positiva da própria essência da coisa, por assim dizer (veja-se a este respeito H. G. Gadamer, Die phänomenologische Bewegung em Philosophisce Rundschau 1963, pp. 19-20). Esta posição saía da matriz neokantiana e dos limites do transcendentalismo.

Fenomenologia
Heidegger encontra na fenomenologia, na forma que tinha à época, nas obras de Husserl até então publicadas, um mundo em pleno desenvolvimento. Husserl afirmava que "a Fenomenologia somos eu e Heidegger".

A Fenomenologia recebe assim influência de Heidegger que lhe inculca alguns dos seus problemas e temas centrais, tais como a Lebenswelt. A influência é, portanto, mútua. Nesta altura Heidegger recebe também vigorosas influências provenientes da segunda edição de Kierkegaard e de Dostoievski, ao mesmo tempo que vê surgir o interesse por Hegel e Schelling por todo o meio académico alemão. As poesias de Rilke e de Trakl são outras fontes de inspiração. Nietzsche, influência e preocupação maior dos anos que vão de 1935 a 1943, está ainda, entre 1910 e 1916, longe do seu pensamento.

A esta altura Heidegger encontra-se principalmente ocupado na interpretação de Dilthey e Kierkegaard.

Dilthey

Dilthey ocupará um lugar central em Ser e Tempo. O pensamento dele e o do conde de Yorck têm o sentido de mostrar que a historicidade só se pode fundamentar se fundeada numa recolocação do problema do ser. Em permanente diálogo com Duns Escoto começam-se a delinear em Heidegger as linhas mestras que haveriam de produzir Ser e Tempo: o problema da historicidade é um problema da filosofia da vida. São precisamente os fenómenos da historicidade e da vida que instam à recolocação do problema do ser.
Nesta envolvência instala-se essa preocupação fundamental com a dinâmica existencial. É nesta perspectiva que Kierkegaard adquire uma relevância importante.

Kierkegaard  (Filosoficamente, fez a ponte entre a filosofia hegeliana e aquilo que se tornaria no existencialismo. Kierkegaard rejeitou a filosofia hegeliana do seu tempo e aquilo que ele viu como o formalismo vácuo da igreja luterana dinamarquesa. Muitas das suas obras lidam com problemas religiosos tais como a natureza da fé, a instituição da fé cristã, e ética cristã e teologia. Por causa disto, a obra de Kierkegaard é, algumas vezes, caracterizada como existencialismo cristão, em oposição ao existencialismo de Jean-Paul Sartre ou ao proto-existencialismo de Friedrich Nietzsche, ambos derivados de uma forte base ateística.

A obra de Kierkegaard é de difícil interpretação, uma vez que ele escreveu a maioria das suas obras sob vários pseudónimos, e muitas vezes esses pseudo-autores comentam os trabalhos de pseudo-autores anteriores.

Kierkegaard é um dos poucos autores cuja vida exerceu profunda influência no desenvolvimento da obra. As inquietações e angústias que o acompanharam estão expressas em seus textos, incluindo a relação de angústia e sofrimento que ele manteve com o cristianismo — herança de um pai extremamente religioso, que cultivava de maneira exacerbada os rígidos princípios do
protestantismo dinamarquês, religião de Estado.)


Para Heidegger, para os heideggereanos e, de facto, para a maior parte dos existencialistas, Kierkegaard é um pensador que enunciou explicitamente o problema da existência. Contudo, Heidegger considera que a colocação do problema não remanesceu existencialmente, mas que, pelo contrário, permaneceu geralmente a um nível existenciário ou ôntico.

A formação do pensamento que levaria ao Ser e Tempo encontraria ainda contributos de São Paulo, de Lutero e de Calvino. No semestre de Inverno do ano escolar de 1919-1920, Heidegger profere um dissertação em jeito de discurso sobre os Fundamentos da mística medieval e, no ano seguinte, um de Introdução à fenomenologia da religião.
No semestre de verão de 1921 surge um discurso intitulado S. Agostinho e o neoplatonismo. Isto numa época em que as suas preocupações estão centradas na problemática da temporalidade com o estudo de Kierkegaard a fornecer-lhe novos horizontes, e Heidegger traçava novos planos teóricos rasgando com o esquema da ontologia clássica que o próprio Kierkegaard havia deixado intacto, bem como com a estrutura metafísica helénica preservada pelo neoplatonismo e adaptada por Aurélio Agostinho.

Maurice Merleau-Ponty  (1908 - 1961)


Maurice Merleau-Ponty nasceu em Rochefort-sur-Mer a 14 de março de 1908 e morreu em Paris a 3 de maio de 1961. Aluno da Escola Normal Superior, formou-se em filosofia em 1930. Lecionou no Liceu de Beauvais de 1931 a 1933, no Liceu de Chartres de 1934 a 1935 e na Escola Normal Superior de 1935 a 1939.

Foi mobilizado para a 2ª Guerra Mundial entre 1939 e 1940. Depois, ensinou durante quatro anos no Liceu Carnot e participou da resistência contra a ocupação nazista. Em 1945, quando se doutorou, foi nomeado diretor de cursos e conferências da Universidade de Lyon, da qual se tornou professor titular em 1948. Nessa época, fundou, com Jean-Paul Sartre, a revista Os tempos modernos, da qual foi assíduo colaborador.

Na Sorbonne, de 1949 a 1952, ocupou as cadeiras de psicologia e pedagogia, sendo eleito para o Colégio de França em 1952, onde lecionou até a data de sua morte.

"Gestalt", a consciência e o mundo

Para Merleau-Ponty, a compreensão das formas mais elementares do comportamento exclui a causalidade mecânica e o espaço geometricamente entendido, e implica o recurso a um "espaço ligado ao corpo como uma parte de sua carne", pois o objeto da ciência dos seres vivos é a apreensão daquilo que os torna vivos.

 A teoria da "Gestalt" (forma), permitindo interpretar a forma como estrutura, facilita a compreensão fenomenológica do ser vivo, enquanto união dialética e indecomponível da alma e do corpo. As formas realizam, assim, uma síntese da natureza e da idéia, e são conjuntos de forças em estado de equilíbrio ou de mudança constante, de tal sorte que lei alguma pode ser formulada em relação às partes tomadas isoladamente, cada vetor sendo determinado, em grandeza e direção, por todos os outros.

Segundo Merleau-Ponty, o que há de profundo na idéia de "Gestalt" não é a idéia de significação, mas a de estrutura, de junção de uma idéia e uma existência indiscernível, que confere aos materiais um sentido, a "inteligibilidade em estado nascente".

No que se refere à análise da percepção, no pensamento do filósofo francês a fenomenologia se torna existencial, pressupondo apenas, como "lógos", o próprio mundo, e ensinando que filosofar é reaprender a ver o mundo, voltar às próprias coisas.

Em que momento a consciência se insere no mundo? A teoria clássica da percepção não o explica - e a psicologia não consegue descrever esse momento. Assim, não existe a "sensação pura", o azul sem o céu, o amarelo sem o reflexo nervoso. A sensação se insere sempre num "campo", no qual é espontaneamente interpretada.

A percepção que funda e inaugura o conhecimento, implica a significação do percebido, condição de todas as associações apreendidas como conjunto. Perceber também não é lembrar-se, porque invocar a lembrança pressupõe o que se pretende explicar por seu intermédio.

Na opinião de Merleau-Ponty, o mundo humano é um "intermundo", no qual a transcendência dos outros seres humanos é mais "resistente" que a dos objetos, porque os outros são consciência e liberdade. Para os outros, nós somos "pedaços de mundo", e a relação entre as consciências e a relação dialética do senhor e do escravo.

Não há, pois, apenas homens e coisas, mas também esse "intermundo" que chamamos de história , simbolismo, verdade a fazer, cuja mola não seria a negação pura, mas a promessa de "sentido", que subsiste apesar dos mais graves "contra-sensos", e representa a esperança da humanidade.

Embora interrompida por sua morte prematura, a obra de Merleau-Ponty representa importante contribuição ao desenvolvimento da fenomenologia. Filósofo do "sentido", ele foi dos primeiros a interessar-se pela lingüística positiva. Procurando revelar a dialética que articula o sentido proferido com o que se acha implícito em nosso comportamento e nas coisas, Merleau-Ponty abriu novas e fecundas perspectivas à pesquisa fenomenológica.

Sigmund Freud (1856 - 1939)

Pelo menos desde 1899, com a publicação de “A interpretacão dos sonhos”, o austríaco Sigmund Freud (1856/1939) se transformou num dos pensadores mais polêmicos da história. Desacreditada inicialmente, a psicanálise – método por ele concebido para o tratamento dos problemas psíquicos e a compreensão da mente humana – chegou a ser considerada a última palavra da ciência sobre a questão.

Como nos anos iniciais, a psicanálise voltou a ser questionada a partir da última década do século 20, com os avanços da psicologia cognitivo-comportamental ou da neurociência, que procura as bases biológicas da mente. Desse modo, para diversas linhas ou disciplinas que estudam a psique ou o cérebro humano, conceitos freudianos como "complexo de édipo", "ego", "id" e "superego", já parecem estar ultrapassados.
Por outro lado, há quem despreze essas novas posições psicológicas e médicas e defenda apaixonadamente as ideias de Freud, cuja essência considera-se correta e inquestionável. De fato, criou-se até um grande dogmatismo em certos círculos freudianos, os quais rechaçam qualquer crítica ao mestre de Viena, considerando-as como reação moralista ou lobby da indústria farmacêutica.

Fundamentos da psicanálise

Mais importante do que embarcar nessa discussão é descrever os fundamentos da doutrina psicanalítica e apresentar as principais contribuições que ela fez à ciência e à filosofia desde o seu surgimento. Afinal, Freud e a psicanálise se popularizaram de tal forma que suas ideias são muitas vezes veiculadas de modo errôneo e distorcido, como tudo que passa por um processo de grande divulgação, em especial numa sociedade de massas como a nossa.

Pois bem, o que é a psicanálise, então? Em primeiro lugar, uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente humana. Além disso, a partir dessa explicação, ela se transforma num método de tratamento de diversos transtornos mentais.

São dois os fundamentos da teoria psicanalítica: 1) Os processos psíquicos são em sua imensa maioria inconscientes, a consciência não é mais do que uma fração de nossa vida psíquica total; 2) os processos psíquicos inconscientes são dominados por nossas tendências sexuais.

Sexo e libido

 Nesse sentido, Freud buscou explicar a vida humana (pessoal e individual, mas também pública e social) recorrendo a essas tendências sexuais a que chamou de libido. Com esse termo, o pai da psicanálise designou a energia sexual de maneira mais geral e indeterminada. Assim, por exemplo, em suas primeiras manifestações, a libido liga-se a outras funções vitais: no bebê que mama, o ato de sugar o seio materno provoca outro prazer além do de obter alimento e esse prazer passa a ser buscado por si mesmo.

Por isso, Freud afirma que a boca é uma "zona erógerna" e considera que o prazer provocado pelo aro de sugar é sexual. Portanto, repare bem, a libido pode nada ter em comum com as áreas genitais.

Posto isso, a psicanálise compreende as grandes manifestações da psique como um conflito entre as tendências sexuais ou libido e as fórmulas morais e limitações sociais impostas ao indivíduo. Esses conflitos geram os sonhos, que seriam, segundo a interpretação freudiana, as expressões deformadas ou simbólicas de desejos reprimidos. Geram também os atos falhos ou lapsos, distrações falsamente atribuídas ao acaso, mas que remetem ou revelam aqueles mesmos desejos.

Transferência e sublimação

 A psicanálise, que se faz através da conversação, trata as doenças mentais a partir da interpretação desses fenômenos, levando o paciente a identificar as origens de seu problema, o que pode ser o primeiro passo para a cura. Um dos fenômenos que ocorrem durante a terapia psicanalítica é a transferência dos sentimentos (amor ou ódio) do paciente para o seu analista.

Outro conceito agregando à teoria por seu próprio criador foi o de sublimação, que compreende a transferência da libido para outros objetos de natureza não sexual, gerando fenômenos como a arte ou a religião. Além dele, há também o conceito de complexos, mecanismos associativos aos quais devem ser atribuídos as principais perturbações mentais.

Vale lembrar que o conceito "complexo" não é de Freud, mas de seu discípulo
Carl G. Jung, que depois rompeu com o mestre e criou teoria própria (a psicologia analítica). De qualquer modo, na obra "A Interpretação dos Sonhos", de 1900, Freu já esboçara os fundamentos do Complexo de Édipo, segundo o qual o amor do filho pela mãe implica ciúme ou aversão ao pai.

Id, ego e superego

 Em 1923, no livro "O Ego e o Id", Freud expôs uma divisão da mente humana em três partes: 1) o ego que se identifica à nossa consciência; 2) o superego, que seria a nossa consciência moral, ou seja, os princípios sociais e as proibições que nos são inculcadas nos primeiros anos de vida e que nos acompanham de forma inconsciente a vida inteira; 3) o id, isto é, os impulsos múltiplos da libido, dirigidos sempre para o prazer.

A influência que Freud exerceu em várias correntes da ciência, da arte e da filosofia foi enorme. Mas não se deve deixar de dizer que muitos filósofos, psicólogos e psiquiatras fazem sérias objeções ao modo como o pai da psicanálise e seus discípulos apresentam seus conceitos: como realidades absolutas e não como hipóteses ou instrumentos de explicação que podem ser ultrapassados pela evolução científica e, em alguns casos, foram mesmo.

A depressão, por exemplo, é um transtorno mental para cujo tratamento a psicanálise pode funcionar somente como co-adjuvante, devido ao caráter bioquímico que está em sua origem. Além disso, em uma de suas últimas obras "O Mal-Estar na Civilização", publicado em 1930, Freud tenta explicar a história da humanidade como a luta entre os instintos de vida (Eros) e os da morte (Tanatos), teoria cujo caráter maniqueísta foi apontado por vários críticos.

A contribuição freudiana

 Independentemente disso, a importância de Sigmund Freud para a ciência é inquestionável e reside principalmente em três pontos. Antes de mais nada, o destaque pioneiro que o médico vienense deu ao fator sexual que era - até Freud - uma área de completa ignorância para a ciência e a filosofia.

Além disso, vários conceitos desenvolvidos por Freud serviram a diversos ramos da psicologia e possibilitaram o avanço dessa ciência que é muito mais do que um simples complemento da psiquiatria, enquanto uma especialidade médica. Isto é, a psicologia não se limita a tratar de distúrbios, mas a tentar explicar os processos psíquicos do ser humano.

Finalmente, o tratamento psicanalítico de diversos transtornos mentais continuam a se revelar eficazes e a ajudar uma grande quantidade de indivíduos a ficarem em paz consigo mesmo e com a vida. Como já se disse, a psicanálise pode ser um co-adjuvante no tratamento de algumas doenças.

Em outros casos, ela pode se tornar a protagonista, evitando o recurso aos produtos farmacêuticos e seus inevitáveis efeitos colaterais. Pode também levar as pessoas a entenderem que os conflitos internos são inerentes ao ser humano normal, auxiliando-os a conviver com eles.

Carl Gustav Jung (1875 - 1961)

Minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre estes não posso dizer muito, pois se me afiguram ocos e desprovidos de consistência. Eu só me posso compreender à luz dos acontecimentos interiores. São estes que constituem a peculiaridade de minha vida e é deles que trata minha autobiografia."

Carl Gustav Jung foi um dos maiores estudiosos da vida interior do homem e tomou a si mesmo como matéria prima de suas descobertas - suas experiências e suas emoções estão descritas no livro "Memórias, Sonhos e Reflexões".

Filho de um pastor protestante, Carl Gustav Jung, ainda pequeno, mudou-se para a cidade da Basiléia, na época um dos maiores centros de cultura da Europa. Lá realizou seus primeiros estudos. Formou-se em medicina pela Universidade da Basiléia, no ano de 1900, iniciando a seguir sua vida profissional no hospital psiquiátrico Burgholzi, em Zurique. Dois anos depois casou-se com Emma Rauschenbach, com quem teria cinco filhos.

Em 1903 publicou sua primeira obra, "Psicologia e Patologia dos Fenômenos ditos Ocultos", fruto de sua tese de doutoramento. Publicou nos anos seguintes mais três trabalhos, relacionadas à descoberta dos complexos afetivos e das significações nos sintomas das psicoses. Em 1905 tornou-se livre docente na Universidade de Zurique.

Em 1907 Jung visitou Sigmund Freud, o criador da psicanálise, em Viena, iniciando uma estreita colaboração com o mestre, que se mostrou impressionado com o talento do jovem discípulo. Os dois viajaram juntos aos Estados Unidos em 1909, proferindo palestras num centro de pesquisas. Em 1910 foi fundada a "Associação Psicanalítica Internacional", da qual Jung foi eleito presidente.

As primeiras divergências entre Jung e Freud surgiram em 1912 e logo se tornaram inconciliáveis. A partir do rompimento com Freud, o analista suíço vivenciou um período de depressão e introversão, que o levou a trilhar seu próprio caminho no campo da psicologia.

Em 1917, Jung publicou seus estudos sobre o inconsciente coletivo no livro "A Psicologia do Inconsciente" e, em 1920, apresentou os conceitos de introversão e extroversão na obra "Tipos Psicológicos". A partir daí, Jung construiu as bases da psicologia analítica, desenvolvendo a teoria dos arquétipos e incorporando conhecimentos das religiões orientais, da alquimia e da mitologia.

Sua produtiva carreira se materializou na publicação de dezenas de estudos, trabalhos, seminários e outras obras. Já octogenário, reuniu em livro as memórias de toda a sua vida. Carl Gustav Jung morreu aos 85 anos, como um dos mais influentes pensadores do século 20.
 
Rudolf Karl Bultmann (1884-1976)

(Wiefelstede, 20 de agosto de 1884Marburg, 30 de julho de 1976) foi um teólogo alemão.
Em 1912, começou a trabalhar como docente na área de Bíblia - Novo Testamento em Marburg; em 1916, tornou-se professor em Breslau; em 1920 foi para Giessen e, em 1921, transferiu-se para Marburg, onde viveu e trabalhou até o final de sua vida.

Ocupou-se com muitos temas da teologia, filologia e arqueologia. Levantou questões importantes que dominaram a discussão teológica do século passado e são relevantes até hoje, como, por exemplo, o problema da demitologização.

Johannes Duns Scotus (1266 - 1308)

Filósofo e teólogo escolástico inglês, Johannes Duns Scotus nasceu em 1266, em Maxion, condado de Rosburgh, na Escócia, e morreu em Colônia, na Alemanha, em 1308. Aos 15 anos ingressou na Ordem dos Franciscanos. Primeiro, estudou na Escócia, passando depois à Universidade de Oxford, na Inglaterra, e, posteriormente, a Paris, na França.

Em 1300 ensinou Teologia em Oxford - e em 1305 doutorou-se em Teologia na França. Em 1307 mudou-se para Colônia, morrendo aí prematuramente, aos 43 anos. Foi um severo crítico de
são Tomás de Aquino e de Enrique de Gante (professor da Universidade de Paris entre 1274 e 1290).

Conhecido como "O Doutor Sutil", Duns Scotus acentua a separação entre fé e razão, sustentando que o objeto da teologia é Deus enquanto tal, e o da metafísica, o ser enquanto ser. A metafísica não pode conhecer Deus como Deus, mas apenas como ser, o qual não é uma forma vazia, mas realidade que inclui certas propriedades, como os modos, que são determinações intrínsecas possíveis, cujos primeiros tipos são "finito" e "infinito".

Ora, para o filósofo, provar a existência de Deus como ser é provar a existência do infinito. Duns Scotus dá uma nova cor ao argumento ontológico de
santo Anselmo, e admite a prova "a posteriori" da existência de Deus, partindo, porém, não dos objetos sensíveis, mas das modalidades do ser.
  

Abismo de liberdade

Na opinião do Doutor Sutil, Deus é Ser infinito e necessário, capaz de suscitar o possível - ou seja, os seres contingentes - por um ato de sua liberdade. A vontade divina é livre e seus efeitos são contingentes - não é arbitrária, mas livre mesmo em relação aos conhecimentos de seu entendimento. Deus cria porque quer e somente porque quer. A vontade de Deus é soberana na escolha e combinação das essências, e não está submetida a regra alguma. A liberdade de Deus não depende do ser, mas é o ser que depende da liberdade de Deus.

No que se refere ao "universal" (um dos conceitos mais debatidos da história da filosofia), Duns Scotus admite três tipos de distinção: a real (entre a pedra e a planta, por exemplo), a formal (que, no objeto, distingue vários aspectos, e pode ser efetiva ou nominal); e a "parte rei", também chamada "haecceitas" (que consiste em ser "haec res", isto é, "esta coisa e não outra". Assim, cada homem, além da essência humana, contém suas próprias qualidades ou peculiaridades. Essas teses, em relação ao problema dos universais, prenunciam o nominalismo de Guilherme de Ockam.

Procurando libertar Deus da idéia de "necessidade", Duns Scotus o concebe como pura e absoluta liberdade, acima de qualquer razão ou lei, e ininteligível pelo pensamento filosófico, pois a filosofia - enquanto tentativa de compreender a realidade, a vida - se baseia na necessidade da relação entre princípios e conseqüências, causas e efeitos. Para Scotus, se Deus não é "logos", como o homem, mas abismo de liberdade, então não pode ser conhecido pelo "logos" humano.

O papa Paulo 6º, na carta apostólica "Alma Parens", de 14 de Julho de 1966, define Johannes Duns Scotus como "o aperfeiçoador" de
são Boaventura, "o representante mais qualificado" da escola franciscana.

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