INTRODUÇÃO
Tomaz de Aquino, filósofo e doutor da Igreja, nasceu no castelo Rocasseca, na Campânia, perto de Aquino, na estrada de Roma para Nápoles, por volta de 1224, de nobre estirpe italiana, de família feudal dos condes de Aquino. Era unido pelos laços de sangue a família imperial e às famílias reais de França, Sicília e Aragão. Seu pai o ofereceu como oblato, em 1230, na abadia de Monte Cassino. Todos os seus irmãos e irmãs chegaram a ocupar altas posições na sociedade italiana da época.
Para Tomás, o mais jovem, os pais tinham escolhido a carreira eclesiástica, esperando que ele um dia ocupasse algum cargo de poder e prestígio, como o de abade Montecassino. Ele tinha cinco anos de idade quando foi colocado neste mosteiro, mesmo nunca tomando o hábito dos beneditinos. Aos quatorze anos ele foi estudar na universidade de Nápoles, onde pela primeira vez conheceu a filosofia aristotélica. Tudo isto era parte da carreira que seus pais e familiares tinham projetado para ele. Deste modo, até 1239 seguiu o trívio com os mestres beneditinos, na única biblioteca praticamente existente na Europa de então. Naquele ano o mosteiro, foco de defesa do papado, caiu em mãos de Frederico II, e o jovem Tomás seguiu para a recém-fundada Universidade de Nápoles, centro imperial, aberto às obras científicas e filosóficas dos gregos e dos árabes. Ali teve o seu primeiro contato com Aristóteles e seus comentadores árabes, Avicenna e Averroes. Recebeu então a primeira educação no grande mosteiro de Monte Cassino, e passou a sua mocidade em Nápoles na Itália, como aluno daquela faculdade.
Após haver estudado as artes liberais, entrou na Ordem Dominicana em 1244 renunciando a tudo, com exceção da ciência. Este acontecimento determinou uma forte reação por parte de sua família. A nova ordem ainda estava nos seus primeiros anos, e seus frades mendicantes eram mal vistos pela gente abasta. Por tudo isto, sua mãe que se tornara viúva, com a morte de seu pai poucos anos antes, e seus irmãos, fizeram todo o possível para obrigá-lo a abandonar sua decisão. Vendo que a persuasão não tinha sucesso, seqüestraram-no e o encarceraram em um antigo castelo da família, onde esteve recolhido por mais de um ano, enquanto seus irmãos o ameaçavam e tentavam dissuadi-lo com todo tipo de tentações.
Tomaz de Aquino conseguiu fugir de seu cárcere, superando a dificuldade criada por sua família, passando a se dedicar ao estudo assíduo da teologia, terminando seu noviciado entre os dominicanos. Em 1245 foi enviado pela Ordem a Paris, passando por Colônia, onde manteve os primeiros contatos com Alberto Magno, o Grande que lá ensinava. Tendo estudado de 245 a 1248 em Paris e depois em Colônia.
Quem conheceu Tomaz anteriormente, não poderia imaginar o gênio que nele estava adormecido. Ele era grande, grosseiro e tão carrancudo que seus companheiros zombavam dele chamando-o de “o boi mudo”. Pouco a pouco a sua inteligência passou a brilhar através de seu silêncio, e a ordem dos dominicanos se dedicou a cultivá-la. Com este propósito ele passou a maior parte da sua vida em círculos universitários, particularmente em Paris, onde se tornou mestre em 1256.
Sua produção literária foi muitíssima extensa. Suas duas obras mais conhecidas são a “Suma contra Gentios” e a “Suma Teológica”. Além destas, ele produziu um comentário “As Sentenças”, vários sobre as Escrituras e sobre diversas obras de Aristóteles, um bom número de tratados filosóficos, as conhecidas “questões disputadas”, e um sem-número de outros escritos. Tomaz de Aquino morreu em 1274, quando contava com cerca de cinqüenta anos de idade, e seu mestre Alberto ainda vivia.
1. A FORMAÇÃO FILOSÓFICA
Após uma longa preparação e um desenvolvimento promissor, a escolástica chegou ao seu ápice com Tomás de Aquino, adquirindo plena consciência dos poderes da razão, e proporcionando finalmente uma filosofia ao pensamento cristão. Assim, converge para Tomás de Aquino não somente o pensamento escolástico, mas também o pensamento patrístico, que culminou em Agostinho, rico de elementos helenistas e neo-platônicos, além do patrimônio da revelação judaico-cristã, bem mais importante.
Para Tomás de Aquino, porém, converge diretamente o pensamento helênico, na sistematização imponente de Aristóteles. O pensamento de Aristóteles, chega a Tomás de Aquino enriquecido com os comentários pormenorizados, especialmente os árabes. Não será exagerado concluir que Tomás de Aquino representa a síntese crítica do pensamento clássico e cristão, hebraico e árabe. É o que evidenciam a estruturação da sua grande obra filosófica, e a exposição da sua doutrina. Com efeito, Tomás de Aquino expõe, em todas as questões particulares, todas as teses dos adversários e a relativa crítica, de modo que a solução racional das várias questões é baseada criticamente em toda a história positiva da filosofia.
Alberto Magno, era alemão, dominicano e um grande vulto da filosofia escolástica, filho da nobre família dos duques de Bollstadt, viveu entre 1207 e 1280, abandonou o mundo pagão e entrou na ordem dominicana. Ensinou em Colônia, Friburgo, Estrasburgo, lecionou teologia na universidade de Paris, onde teve também entre os seus discípulos, Tomás de Aquino, que o acompanhou a Colônia, onde Alberto foi chamado para lecionar no estudo geral de sua ordem. Este mestre de Aquino tinha uma atividade científica vastíssima: trinta e oito volumes tratando dos assuntos mais variados — ciências naturais, filosofia, teologia, exegese, ascética. Esforçou-se para apresentar Aristóteles ao mundo latino, esclarecendo-lhe o pensamento com toda sorte de explicações. Foi Alberto que introduziu Aquino no conhecimento aristotelino.
Em 1252 Tomás já possuía os pré-requisitos necessários para lecionar. Voltou então para a universidade de Paris, onde ensinou até 1260, regressando à Itália, por ter sido chamado à corte papal. Em 1269 foi de novo à universidade de Paris, onde lutou contra o averroísmo de Siger de Brabante; em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Dois anos depois, em 1274, viajou para tomar parte no Concílio de Lião, por ordem de Gregório X, e faleceu no mosteiro de Fossanova, entre Nápoles e Roma, quando contava com apenas quarenta e nove anos de idade.
2. AS OBRAS
As obras de Aquino podem ser divididas em quatro grupos:
1. Comentários: à lógica, à física, à metafísica, à ética de Aristóteles; à Sagrada Escritura; a Dionísio Pseudo-Aeropagita; aos quatro livros das sentenças de Pedro Lombardo.
2. Sumas: Suma Contra os Gentios, baseada substancialmente em demonstrações racionais; Suma Teológica, começada em 1265, ficando inacabada devido à sua morte prematura.
3. Questões: Questões Disputadas (Da verdade, Da Alma, Do mal etc); Questões várias.
3. Questões: Questões Disputadas (Da verdade, Da Alma, Do mal etc); Questões várias.
4. O púsculos: Da Unidade do Intelecto Contra os Averroístas; Da Eternidade do Mundo etc.
3. O PENSAMENTO: A GNOSIOLOGIA
Para Tomás de Aquino, a filosofia é a ciência teorética para resolver o problema do mundo. Diversamente do agostinianismo, e em harmonia com o pensamento aristotélico. Considerava também a filosofia como absolutamente distinta da teologia, — não oposta - visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional.
A gnosiologia tomista — diversamente da agostiniana e em harmonia com a aristotélica — é empírica e racional, sem inatismos e iluminações divinas. O conhecimento humano tem dois momentos: o sensível e o intelectual, e o segundo pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a assim chamada espécie sensível. Esta é a impressão, a imagem, a forma do objeto material na alma. Isto é, o objeto sem a matéria: como a impressão do sinete na cera, sem a materialidade do sinete; ou, a cor do ouro percebido pelo olho, sem a materialidade do ouro.
O conhecimento intelectual depende do conhecimento sensível, mas transcende-o. O intelecto vê na natureza das coisas — intus legit — mais profundamente de que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie sensível — que representa o objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade etc., mas sem a matéria — o inteligível, o universal, a essência das coisas é contida apenas implicitamente, na sua potencialidade. Para que tal inteligível se torne explícito, atual é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é, desindividualizá-lo das condições materiais. Tem-se deste modo, a espécie inteligível, representado precisamente o elemento essencial, e a forma universal das coisas.
Pelo fato de que o inteligível é contido apenas potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente que abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível do fantasma ou representação sensível. Este intelecto agente é como que uma luz espiritual da alma, mediante a qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no entanto é absolutamente desprovido de conteúdo ideal, sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o inatismo agostiniano. E, ademais, é uma faculdade da alma individual, e não nos advém de fora, como pretendiam ainda o iluminismo agostiniano e o panteísmo averroísta. O intelecto que propriamente entendo o inteligível, a essência, a idéia, feita explícita, desindividualizada pelo intelecto agente, é o intelecto passivo, a que pertencem as operacionais humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as ciências até à filosofia.
Como no conhecimento sensível, a coisa sentida e o sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, acontece no conhecimento intelectual, mediante a espécie inteligível, entre o objeto conhecido e o sujeito que conhece. Compreendendo as coisas, o espírito se torna todas as coisas, possui em si, tem em si mesmos, imanentes todas as coisas, compreendendo-lhes as essências e as formas.
Na filosofia de Tomás de Aquino, a espécie inteligível não é coisa entendida, quer dizer, a representação da coisa (id quod intelligitur), pois, neste caso, conheceríamos não as coisas, mas os conhecimentos das coisas, acabando, destarte, no fenomenismo. Mas, a espécie inteligível é o meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais (é logo, id quo intelligitur). E isto corresponde perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos garante conhecermos coisas e não idéias; mas as coisas podem ser conhecidas apenas através das espécies e das imagens, e não podem entrar fisicamente no nosso cérebro.
O conceito tomista de verdade é perfeitamente harmonizado com esta concepção realista do mundo, e é justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade lógica não está nas coisas e nem sequer no mero intelecto, mas na adequação entre a coisa e o intelecto: “veritas est adaequatio speculativa mentis et rei”. E tal adequação é possível pela semelhança entre o intelecto e as coisas, que contêm um elemento inteligível, a essência, a forma, a idéia. O sinal visto que muitos conhecimentos nossos não são evidentes, intuitivos, tornam-se verdadeiros quando levados à evidência mediante a demonstração.
Todos os conhecimentos sensíveis são evidentes, intuitivos, e, por conseqüência, todos os conhecimentos sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos sentidos nada mais são que falsas interpretações dos dados sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo contrário, no campo intelectual, poucos são os nossos conhecimentos evidentes. São certamente evidentes os princípios primeiros (identidade, contradição etc.). Os conhecimentos não evidentes são reconduzidos à evidência mediante a demonstração, como já dissemos. É neste processo demonstrativo que se pode insinuar o erro, consistindo em uma falsa passagem na demonstração, e levando, à discrepância entre o intelecto e as coisas. A demonstração é um processo dedutivo, isto é, uma passagem necessária do universal para o particular. No entanto, os universais, os conceitos, as idéias, não são inatas na mente humana, como pretendia o agostinianismo, e nem sequer são inatas suas relações lógicas, mas se tiram fundamentalmente da experiência, mediante a indução, que colhe a essência das coisas. A ciência tem como objeto esta essência das coisas, universal e necessária. Desta essência conhecida, derivam dedutivamente e necessariamente as suas propriedades e atividades. Nisto precisamente consiste o processo dedutivo, que é o processo científico propriamente dito.
4. A METAFÍSICA
A metafísica tomista pode-se dividir em geral e especial. A metafísica geral ou ontologia, tem por objetivo o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A metafísica especial estuda o ser em suas grandes especificações: Deus, o espírito, e o mundo. Daí temos a teologia racional, assim chamada, para distinguí-la da teologia revelada; a psicologia racional (racional, porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia empírica, que é ciência experimental): a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza em suas causas primeiras, passo que a ciência experimental estuda a natureza em suas causas segundas).
O princípio básico da ontologia tomista é a especificação do ser em potência e ato. Ato significa realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade, imperfeição. Não significa, porém, irrealidade absoluta, mas imperfeição relativa de mente e capacidade de conseguir uma determinada perfeição, capacidade de concretizar-se. Tal é ato puro; este não muda e faz com que tudo exista e venha a existência. Opõe-se ao ato puro a potência pura que, de per si, naturalmente é irreal, é nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chamar-se matéria.
4.1 A NATUREZA
Uma determinação, especificação do princípio de potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio da matéria e da forma. Este princípio vale unicamente para a realidade material, para o mundo físico, e interessa portanto especialmente à cosmologia tomista. A matéria não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma, pela qual é determinada, como a potência é determinada pelo ato. É necessária para a forma, a fim de que possa existir um ser completo e real (substância). A forma é a essência das coisas (água, ouro, vidro) e é universal.
A individualização, a concretização da forma, essência em vários indivíduos, que só realmente existem (esta água, este ouro, este vidro), depende da matéria, que portanto representa o princípio de individualização no mundo físico. Resume claramente Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: "Na filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda substância corpórea é um composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e em si mesma absolutamente indeterminada (a matéria), outra ativa e dominante (a forma).
Além destas duas causas constitutivas (matéria e forma), os seres materiais têm outras duas causas: a causa eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz surgir um determinado ser na realidade, é a que realiza o sínolo, a saber, a síntese daquela determinada matéria com a forma que a especifica. A causa final é o fim para que opera a causa eficiente; é esta causa final que determina a ordem observada no universo. Em conclusão: todo ser material existe pelo concurso de quatro causas — material, formal, eficiente e final; estas causas constituem todo ser na realidade e na ordem com os demais seres do universo físico.
4.2 O ESPÍRITO
Quando a forma é princípio da vida, que é uma atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma. Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que se alimenta, cresce, se reproduz), e os animais (alma sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se move). Entretanto, à psicologia racional, que diz respeito ao homem, interessa apenas a alma racional. Além de desempenhar as funções da alma vegetativa e sensitiva, a alma racional entende e quer, pois segundo Tomás de Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma alma só em cada indivíduo; e a alma superior cumpre as funções da alma inferior, como o mais contém o menos.
No homem existe uma alma espiritual — unida com o corpo, mas transcendendo-o — porquanto além das atividades vegetativa e sensitiva, que são materiais, se manifestam nele também atividades espirituais, como o ato do intelecto e o ato da vontade. A atividade intelectiva é orientada para entidades imateriais, como os conceitos; e, por conseqüência, esta atividade tem que depender de um princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a alma racional. Assim, a vontade humana é livre, indeterminada — como veremos mais adiante — ao passo que o mundo material é regido por leis necessárias. E, portanto, a vontade não pode ser senão a faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou seja, da alma racional, que pelo fato de ser imaterial, isto é, espiritual, não é composta de partes e, por conseguinte, é imortal.
Como a alma espiritual transcende a vida do corpo depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a origem material do corpo e é criada imediatamente por Deus, com relação ao respectivo corpo já formado, que a individualiza. Mas, diversamente do dualismo platônico-agostiniano, Tomás sustenta que a alma, espiritual embora, é unida substancialmente ao corpo material, de que é a forma. Desse modo o corpo não pode existir sem a alma, nem viver, e também a alma, por sua vez, ainda que imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu instrumento indispensável.
4.3 DEUS
Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional tomista depende — e mais intimamente ainda — da doutrina da potência e do ato. Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuição, Tomás sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente por demonstração; entretanto esta demonstração é sólida e racional, não recorre a argumentações a priori, mas unicamente a posteriori, partindo da experiência, que sem Deus seria contraditória.
As provas tomistas da experiência de Deus são cinco; mas todas têm em comum a característica de se firmar na evidência (sensível e racional), para proceder à demonstração, como a lógica exige. E a primeira dessas provas — que é fundamental e como que norma para as outras — baseia-se diretamente na doutrina da potência e do ato. "Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma experiência sensível, que pode ser a constatação do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeição das coisas ou da ordem que entre elas reina; e uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende o movimento ao imóvel, as causas segundas à causa primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem à inteligência ordenadora".
Se conhecemos apenas indiretamente, pelas provas, a existência de Deus, ainda mais limitado é o conhecimento que temos da essência divina, como sendo a que transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o Aquinate, antes de tudo, sabemos que Deus não é (teologia negativa), entretanto conhecemos também algo de positivo em torno da natureza de Deus, graças precisamente à famosa doutrina da analogia. Esta doutrina é solidamente baseada no fato de que o conhecimento certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas, porquanto o efeito deve ter semelhança com a causa. A doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a Deus as perfeições criadas positivamente, tirando, porém, as imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade. O que conhecemos à respeito de Deus é, portanto, um conjunto de negações e de analogias; e não é falso, mas apenas incompleto.
Quanto ao problema das relações entre Deus e o mundo, é resolvido com base no conceito de criação, que consiste numa produção do mundo por parte de Deus, total, livre e do nada. Segundo a solução dualista, grega, do problema metafísico, teológico, o mundo e o homem são algo de verdadeiramente autônomo e independente de Deus, mas Deus fica limitado pelo mundo e o mundo inexplicável; segundo a solução monista desse problema, o homem e o mundo são da mesma substância de Deus, mas Deus é resolvido no mundo e o mundo fica igualmente inexplicável; segundo a solução teísta do problema teológico, o homem existe verdadeiramente, mas depende totalmente de Deus, no ser e no agir. Como se concilie tal casualidade absoluta de Deus com a liberdade humana, não é possível explicar racionalmente; entretanto, que os dois termos não são contraditórios, porquanto a ação de Deus é absolutamente diversa, transcendente à ação humana na sua livre natureza.
5. A MORAL
Também no campo da moral, Tomás se distingue do agostinianismo, pois a moral tomista é essencialmente intelectualista, ao passo que a moral agostiniana é voluntarista, quer dizer, a vontade não só é condição do conhecimento, mas tem como fim o conhecimento. A ordem moral, pois, não depende da vontade arbitrária de Deus, e sim da necessidade racional da divina essência, isto é, a ordem moral é imanente, essencial, inseparável da natureza humana, que é uma determinada imagem da essência divina, que Deus quis realizar no mundo. Desta sorte, agir moralmente significa agir racionalmente, em harmonia com a natureza racional do homem.
Entretanto, se a vontade não determina a ordem moral, é a vontade todavia que executa livremente esta ordem moral. Tomás afirma e demonstra a liberdade da vontade, recorrendo a um argumento metafísico fundamental. A vontade tende necessariamente para o bem em geral. Se o intelecto tivesse a intuição do bem absoluto, isto é, de Deus, a vontade seria determinada por este bem infinito, conhecido intuitivamente pelo intelecto. Ao invés, no mundo a vontade está em relação imediata apenas com seres e bens finitos que, portanto, não podem determinar a sua infinita capacidade de bem; logo, é livre. Não é mister acrescentar que, para a integridade do ato moral, são necessários dois elementos: o elemento objetivo, a lei, que se distingue mediante a razão; e o elemento subjetivo, a intenção, que depende da vontade.
Analisando a natureza humana, resulta que o homem é um animal social (político) e portanto forçado a viver em sociedade com os outros homens. A primeira forma da sociedade humana é a família, de que depende a conservação do gênero humano; a segunda forma é o estado, de que depende o bem comum dos indivíduos. Sendo que apenas o indivíduo tem realidade substancial e transcendente, se compreende como o indivíduo não é um meio para o estado, mas o estado um meio para o indivíduo. Segundo Tomás de Aquino, o estado não tem apenas função negativa (repressiva) e material (econômica), mas também positiva (organizadora) e espiritual (moral). Embora o estado seja completo em seu gênero, fica, porém, subordinado, em tudo quanto diz respeito à religião e à moral, à igreja, que tem como escopo o bem eterno das almas. O estado tem como escopo, apenas o bem temporal dos indivíduos.
6. FILOSOFIA E TEOLOGIA
Em torno do problema das relações entre filosofia e teologia, ciência e fé, razão e revelação, e mais precisamente em torno do problema da função da razão no âmbito da fé, Tomás de Aquino dá uma solução precisa e definitiva mediante uma distinção clara entre as duas ordens. Com base no sólido sistema aristotélico, é eliminada a doutrina da iluminação, agostiniana, que levava inevitavelmente a uma confusão da teologia com a filosofia. Finalmente, é conquistada a consciência do que é conhecimento racional e demonstração racional, ciência e filosofia: é um lógico procedimento de princípios evidentes para conclusões inteligíveis. E compreende-se, portanto, que não é possível demonstração racional em matéria de fé, onde os princípios são, para nós, não evidentes, transcendentes à razão, mistérios, e igualmente ininteligíveis suas conclusões lógicas.
Em todo caso, segundo o sistema tomista, a razão não é estranha à fé, porquanto procede da mesma verdade eterna. E, com relação à fé, deve a razão desempenhar os papéis seguintes:
1) A demonstração da fé, não com argumentos intrínsecos, de evidência, o que é impossível, mas com argumentos extrínsecos, de credibilidade (profecias, milagres etc), que garantem a autenticidade divina da Revelação.
2) A demonstração da não irracionalidade do mistério e da sua conveniência, mediante argumentos prováveis.
3) A determinação, enucleação e sistematização das verdades de fé, pelo que a sacra teologia é ciência, e ciência em grau eminente, porquanto essencialmente especulativa, ao passo que, para os agostinianos, é essencialmente prática.Tomás, portanto, não confunde — como faz o agostinianismo — nem opõe — como faz o averroísmo — razão e fé, mas distingue-as e as harmoniza. De modo que nasce uma unidade dialética profunda entre a razão e a fé; tal unidade dialética nasce da determinação tomista do conceito metafísico de natureza humana; esta determinação tomista do conceito metafísico de natureza humana tornou possível a averiguação das reais, efetivas vulnerações da natureza humana; estas vulnerações são filosoficamente, racionalmente, inexplicáveis. E demandam, por conseguinte, a Revelação e, precisamente, os dogmas do pecado original e da redenção pela cruz.
7. O TOMISMO
O tomismo afirma-se e caracteriza-se como uma crítica que valoriza a orientação do pensamento platônico-agostiniano em nome do racionalismo aristotélico, que pareceu um escândalo, no campo católico, ao misticismo agostiniano. Ademais, o tomismo se afirma e se caracteriza como o início da filosofia no pensamento cristão e, por conseguinte, como o início do pensamento moderno, enquanto a filosofia é concebida como construção autônoma e crítica da razão humana.
Sabemos que, segundo a concepção platônico-agostiniana, o conhecimento humano depende de uma particular iluminação divina; segundo esta doutrina, portanto, o espírito humano está em relação imediata com o inteligível, e tem, de certo modo, intuição do inteligível. A esta gnosiologia inatista, Tomás opõe francamente a gnosiologia empírica atristotélica, em virtude da qual o campo do conhecimento humano verdadeiro e próprio é limitado ao mundo sensível. Acima do sentido há, sim, no homem, um intelecto; este intelecto atinge, sim, um inteligível; mas é um intelecto concebido como uma faculdade vazia, sem idéias inatas — é uma tabula rasa, segundo a famosa expressão; e o inteligível nada mais é que a forma imanente às coisas materiais.
Essa forma é enucleada, abstraída pelo intelecto das coisas materiais sensíveis. Essa gnosiologia é naturalmente conexa a uma metafísica e, em especial, a uma antropologia, assim como a gnosiologia platônico-agostiniana era conexa a uma correspondente metafísica e antropologia. Por isso a alma era concebida quase como um ser autônomo, uma espécie de natureza angélica, unida extrinsecamente a um corpo, e a materialidade do corpo era-lhe mais de obstáculo do que instrumento. Por conseguinte, o conhecimento humano se realizava não através dos sentidos, mas ao lado e acima dos sentidos, mediante contacto direto com o mundo inteligível; precisamente como as inteligências angélicas, que conhecem mediante as espécies impressas, idéias inatas. Vice-versa, segundo a antropologia aristotélica-tomista, sobre a base metafísica geral da grande doutrina da forma, a alma é concebida como a forma substancial do corpo. A alma é, portanto, incompleta sem o corpo, ainda que destinada a sobreviver-lhe pela sua natureza racional; logo, o corpo é um instrumento indispensável ao conhecimento humano, que, por conseqüência, tem o seu ponto de partida nos sentidos.
Terceira característica do agostiniano é o assim chamado voluntarismo, com todas as conseqüências decorrentes da primazia da vontade sobre o intelecto. A característica do tomismo, ao contrário, é o intelectualismo, com a primazia do intelecto sobre a vontade, com todas as relativas conseqüências. O conhecimento, pois, é mais perfeito do que a ação, porquanto o intelecto possui o próprio objeto, ao passo que a vontade o persegue sem conquistá-lo. Esta doutrina é aplicada tanto na ordem natural como na ordem sobrenatural, de sorte que a bem-aventurança não consiste no gozo afetivo de Deus, mas na visão beatífica da Essência divina.
CONCLUSÃO
Tomás de Aquino seguiu a diretriz traçada por Alberto, mas definiu sua posição com maior clareza. Segundo Tomás há verdades que estão ao alcance da razão, e outras que estão acima dela. Assim, a filosofia se ocupa somente das primeiras. Mas a teologia não se ocupa somente das últimas. Isto porque há verdades que a razão pode demonstrar, mas que são necessárias para a salvação, mesmo quando a razão pode demonstrá-las, têm sido reveladas. Portanto estas verdades podem ser estudadas tanto pela filosofia como pela teologia.
Sem crer que Deus existe não é possível se salvar. Por isto Deus revelou sua própria existência. A autoridade da igreja é suficiente para fazer crer na existência. Ninguém pode se desculpar e dizer que esta verdade requer grande capacidade intelectual para sua demonstração. A existência de Deus é um artigo de fé, e a pessoa mais ignorante pode aceitá-la simplesmente baseado nisto. Mas isto não quer dizer que esta existência está acima da razão. A razão pode demonstrar o que a fé aceita. A existência de Deus é um tema tanto da teologia como da filosofia, mesmo que cada uma delas chegue a ela por seu próprio caminho. A investigação racional nos ajuda a compreender mais completamente o que aceitamos pela fé. Esta é a função das famosas cinco vias que Tomás seguiu para provar a existência de Deus. Todas estas vias são paralelas, e não é necessário seguir a todas. Elas começam com o mundo que conhecemos através dos sentidos, e dali levam à existência de Deus. A primeira via, é a do movimento, e diz simplesmente que o movimento do mundo deve ter uma causa inicial, que é Deus.
Tomás de Aquino contribuiu sobremaneira para o curso posterior da teologia, em parte devido à estrutura do seu pensamento, mas sobretudo à maneira com que soube unir a doutrina tradicional da igreja com a nova filosofia. Tomás soube fazer uso de uma filosofia que os outros encaravam como uma ameaça séria à fé, e que ele converteu em instrumento nas mãos da mesma fé.
CRÍTICAS
Baseado na bibliografia e na crítica dos autores como Gonzalez e Padovani, estou convicto de que Tomás de Aquino conseguiu diminuir o espaço que existia entre a filosofia e a teologia. Logo, contribuiu positivamente para que a filosofia não fosse encarada como uma ciência que colocava em cheque o conhecimento acerca da existência de Deus defendida pelos teístas. Creio que a filosofia e a teologia “tomista” foram de grande valor para o conhecimento de Deus nos séculos que se seguiram e até mesmo em nossos dias.
Não tenho nenhuma dúvida acerca das idéias de Tomás quanto a soberania do estado com relação as questões de ordem econômico-social que envolvem o homem, quanto deve estar submisso as questões de ordem espiritual e moral à igreja. Ao estudarmos Sociologia, verificamos que as idéias de Tomás quanto a posição do estado são defendidas ainda em nossos dias.
Com relação as questões do conhecimento de Deus, Tomás se baseou na doutrina da analogia, cujos argumentos afirmam que o conhecimento certo de Deus se devia realizar partindo da criação porque o efeito devia ter alguma semelhança com a causa. Em outras palavras significa dizer que a Teologia Natural é suficiente para que todos cheguem ao conhecimento de Deus. Daí Davi inspiradamente haver escrito: “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra da suas mãos, um dia faz declaração a outro dia e uma noite mostra sabedoria a outra noite, sem linguagem sem fala, ouvem-se as suas vozes (Sal. 19:1-3).”
Por: Augusto Bello de Souza Filho
Bacharel em Teologia
BIBLIOGRAFIA
- Castagnola, Umberto Padovani Luis, HISTÓRIA DA FILOSOFIA, Editora Melhoramentos, São Paulo (SP), 1990, 15ª Edição.
- Gonzalez, Justo L, A ERA DOS ALTOS IDEAIS, Sociedade Religiosa Edições Vida
Nova, São Paulo (SP), 1989, 3a. Edição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário