domingo, 13 de outubro de 2013

Conceitos do Existencialismo vistos sob a ótica de Martin Heidegger.

Por: Poliana Priscila Matos Pardal
 
O episódio das duas grandes guerras mundiais abalou de maneira intensamente negativa toda a humanidade; pode-se dizer que os episódios horrendos das guerras abalaram até mesmo a confiança da humanidade em si mesma. Nesta fase os valores chegaram a ficar confusos em meio a tanta desgraça. Além disto, as guerras também demonstraram o vazio que permeava os sistemas filosóficos da época, como o idealismo e o positivismo, etc; os quais eram limitados no que diz respeito a compreensão de aspectos fundamentais da humanidade (existência humana) e do mundo. Diante disto percebeu-se a urgência de novas correntes filosóficas / uma renovação da filosofia. E foi aí que surgiu o Existencialismo, e, através dele uma nova maneira de ver e interpretar as coisas, e o sentido da existência.

A corrente existencialista ocupa-se antes, e acima de tudo, do ser humano. Sendo que suas características fundamentais são: o método fenomenológico (esclarecimentos no âmbito das experiências / fenômenos tal como ocorrem / de tudo aquilo que somos conscientes); ponto de partida antropológico; e interação de dimensões do homem. O Existencialismo é a, segundo Mondin (1977), “corrente de pensamento que concebe a especulação filosófica como uma análise minuciosa da experiência cotidiana em todos os seus aspectos, teóricos, e práticos, individuais e sociais, instintivos e intencionais... da raça humana”.

Este artigo fala sobre o filósofo Martin Heidegger, um dos mais influentes filósofos do Existencialismo (embora ele tenha negado tal título). O trabalho expõe a época na qual o filósofo vivia; um pouco de sua história pessoal; suas principais obras; e a forma como interpretava conceitos por ele criados (por exemplo, o conceito de existências), e também como interpretava conceitos já existentes (como, ser, ente, existência, temporalidade, morte, linguagem, e verdade). Tudo com base em material extraído de livros, do próprio filósofo e também de outros autores.

O objetivo deste artigo é esclarecer dúvidas a respeito dos conceitos citados. E informar um pouco a respeito do surgimento e dos pressupostos filosóficos da fenomenologia e do existencialismo. Com o objetivo de possibilitar a compreensão da influência que estas correntes filosóficas tiveram na criação de algumas abordagens psicológicas.
 
Conceitos
 
A primeira especulação de Heidegger, puramente ontológica (parte da filosofia que trata da natureza do ser), é toda orientada para a solução desta questão. De acordo com Heidegger, a questão do ser, embora sempre estudada ao longo da história da filosofia, jamais foi resolvida; sendo até muitas vezes deturpada (uma vez que outros filósofos estudavam aspectos particulares / algumas “partes” do ser, e não este como um todo). Em Ser e Tempo, sua obra mais reconhecida, ele faz uma elaboração concreta à cerca do sentido do ser; não de forma conceitual, mas sim de maneira interpretativa. Ele elabora uma análise existencial a partir do método fenomenológico; o qual, Heidegger considera o único possível ao esclarecimento e interpretação dos fenômenos da existência.

Segundo Heidegger (2005), “o ser não somente não pode ser definido, como também nunca se deixa determinar em seu sentido por outra coisa nem como outra coisa. O ser só pode ser determinado a partir do seu sentido como ele mesmo”. Ou seja, o ser é autônomo, independente, e indefinível.

O ser nunca se manifesta direta ou imediatamente, mas sim como ser de um ente. Aquilo que faz presente o ente e que o ilumina, mas que também se faz presente e manifesta-se no ente. A compreensão do ser está sempre incluída em tudo que se apropria do ente; porém, o ser não é um ente. Vem daí a confusão básica, e que precisamos tomar cuidado ao abordá-la, entre ser e ente, e suas compreensões. O ente é um modo de ser e é determinado por este. O ente é tudo aquilo de que falamos / nos referimos; diz respeito a muitas coisas e em sentidos diferentes (como um cachorro, um pássaro, e até mesmo uma cama ou uma cadeira); é o que somos e como somos.

Porém, o homem é o único ente cujo qual podemos ter acesso ao ser, o qual podemos extrair o sentido do ser; ele é um ente que tem relação singular com seu ser. Portanto, quando Heidegger aprofunda esta questão do ser e da existência ele parte deste ente singular e consciente que é o ser humano. A filosofia do ser parte da análise da existência desta presença.

Heidegger define como existência toda a amplitude das relações recíprocas entre esta (existência) e ser, e entre esta e todos os entes; através de um ente, que ele julga privilegiado, que é o homem. E complementa que, de acordo com esse significado, só o homem existe; que outras “coisas” são, mas não existem. O homem é privilegiado, segundo Heidegger (2005), devido, “a aceitação do dom da existência que lhe entrega a responsabilidade e a tarefa de ser e assumir esse dom”. Uma vez que o homem só pode ser, de acordo com o filósofo, “compreendido a partir da sua existência, da possibilidade (que lhe é própria) de ser ou não ser ele mesmo”. Abrão (2004) diz que, “a existência é o modo de ser deste ente que é o homem”.

Heidegger identifica, através de sua pesquisa antropológica, traços fundamentais característicos do ser, aos quais denomina existenciais. O primeiro existencial é o ser-no-mundo (mundo no que se refere a “tudo”: círculo de conhecimentos, afetos, interesses, desejos, preocupações, etc); ou seja, o ser está sempre em relação com algo ou com alguém. Heidegger afirma que o homem é sempre um ser-no-mundo, ou seja, um ser-em-situação. Porém, que ele não está preso à situação em que se encontra; mas sim, sempre aberto para tornar-se algo novo.

O segundo traço existencial / fundamental característico de ser é a existência (conceito citado anteriormente). De acordo com Mondin (1977), “Heidegger chama existência a esta característica do homem de ser fora de si, diante de si, por seus ideais, por seus planos, por suas possibilidades”. Ele afirmava que a existência é definida por esta característica do homem que é denominada transcendência. Sempre nos projetamos para além do que somos diante do mundo, somos seres dinâmicos (pensamos no futuro, nos preocupamos com o que nos acontece, escolhemos possibilidades, fundamentalmente nos antecipamos, superamos o presente), ou seja, transcendemos o que somos a cada momento. A natureza do homem, ou seja, sua essência, consiste na sua existência; esta precede e determina esta essência.

Através dos conceitos destes dois existenciais percebe-se a relação que o ser tem com o tempo, devido a sua existência e sua situação no mundo.

O terceiro existencial que Heidegger identifica é a temporalidade. Temporal significa o transitório / o que passa com o tempo, no decurso deste; mas não o tempo em si. Para Heidegger a situação existencial é inseparável da temporalidade; o homem só existe porque está essencialmente ligado ao tempo. Pois o existir é construir o futuro (“é isto que distingue o homem dos entes que são prisioneiros do presente” (Abrão, 2004)). A temporalidade une a essência com a existência, une os sentidos do existir; é o que torna possível a unidade da existência, constituindo assim a totalidade das estruturas do homem. Muito mais do que uma soma de momentos, mas uma compreensão, no sentido mais amplo, do passado, do presente, e do futuro. É isto que faz com que o homem, segundo Mondin (1977), “não repouse no ser, mas que, no seu verdadeiro ser, ele se encontre sempre além de si mesmo, nas suas possibilidades futuras”. Uma vez que o ser humano é o único ente possibilitado de realizar uma união consciente entre o que já foi e o que é ou será; e de “recomeçar” ou “reconstruir” sua vida. Para Heidegger o presente é um misto de retomada do passado e de antecipação do futuro. Heidegger afirmava que existir é o mesmo que temporalizar-se. Uma vez que o ser, enquanto presença / existência, é determinado pelo tempo; e que este é também determinado através de um ser.

Outro existencial, ou seja, estrutura fundamental característico do ser é a morte. Este existencial é a maior das certezas humanas. O ser está sempre nesta possibilidade. O homem é, sobretudo um ente que está no mundo para a morte. Contudo, paradoxalmente, (antes da própria morte) só temos experiência com esta indiretamente, através da morte dos outros. A medida em que vivemos, a “idéia” de morte é algo que cresce e se desenvolve em nós. Heidegger afirma que a morte é uma possibilidade presente constantemente, e não distante. O filósofo afirma que esta possibilidade (a morte) é a última que o homem realiza; que enquanto ela chega falta ao homem alguma coisa, algo que ainda será. Ou seja, a vida humana só torna-se um todo por intermédio da morte. Heidegger, assim como outros autores, definem a morte como a única maneira de atingir a individuação, ou seja, conquistar a totalidade de sua vida (pois antes da morte a individuação existe apenas enquanto potencial); ele a chama de princípio de individuação, uma vez que a morte é a única possibilidade que determina a totalidade do ser, que o limita, e que lhe permite ser completo.

Sendo assim, quando se assume a tarefa de elaboração para uma resposta acerca da questão do ser torna-se precipitado e impossível descrever-se este isoladamente de outros conceitos; uma vez que o ser está sempre direta ou indiretamente relacionado com outros destes. De acordo com isto, torna-se possível à compreensão da união, que Heidegger faz, de ser e tempo, ao abordar essa questão tão complexa da filosofia: os fenômenos da existência.

Assim como a filosofia do ser e do homem é fundamental e essencial para Heidegger, a linguagem ocupa também um lugar especial na filosofia heideggeriana. Uma vez que não existe uma ontologia autônoma, isto é, sem a antropologia; já que é no homem que o ser vem á luz da consciência. Assim como a antropologia e a ontologia são impossíveis sem a semântica. Por isto, é através da linguagem que se dá à aparição do ser.

Heidegger considera a linguagem em relação com o ser, isto é, na sua função ontológica. Esta relação se dá através de duas formas de linguagem: uma original e outra derivada.

A linguagem original exprime diretamente o ser, mostra-o, revela-o e o traz para a luz. Esta linguagem não se baseia em nenhum sinal particular, num simples conjunto, mas dela se originam todos os sinais. Quando se considera a estrutura do dizer original, não é possível atribuir o mostrar nem o operar humano. Heidegger atribui á linguagem original uma densidade ontológica fundamental. A palavra não é somente o sinal da “coisa”, mas também aquilo que sustenta o ser de todas as coisas.

A linguagem derivada é a linguagem humana, a qual consta de duas fases: a de resposta e a de proclamação. Estes dois traços óbvios do falar humano cotidiano (o ouvir e responder), estão enraizados no plano mais profundo. È a linguagem derivada que vai fazer a conexão entre linguagem original e linguagem humana; a fim de incumbir o ser humano de fazer esta transferência do dizer original (que não tem som) para o som da palavra.

Outra questão importante para Heidegger é o que diz respeito à essência da verdade. Ele deixa de se preocupar com as várias “verdades” abordadas em tantos campos da vida humana (como, por exemplo, a verdade da pesquisa científica, da filosofia, da religião ou experiência de vida), mas dirige seu olhar para aquilo que caracteriza unicamente toda a “verdade” enquanto tal.

O verdadeiro, seja uma coisa verdadeira ou uma proposição verdadeira, é aquilo que está de acordo, que concorda. Verdade é adequação do conhecimento com a coisa, a verdade como conformidade; os objetos se conformam de acordo com os nossos conhecimentos. Sendo assim, necessariamente uma interpretação é relativa a essência do homem como sujeito que é portador e realizador do intellectus.

Admite-se como igualmente evidente que a verdade tem o contrário, e que a não verdade pode ser compreendida como não estar de acordo.

A verdade passa a ser agora definida como adequação do olhar ao objeto, como correspondência entre o modo de ver a natureza da coisa. Encontrado, por exemplo, na fórmula aristotélico-escolástica; segundo a qual a verdade é a adequação do intelecto com a coisa. A verdade se torna mais uma relação sujeito-objeto (base de toda nossa concepção de epistemologia central no pensamento moderno; mas que se origina de acordo com esta interpretação).

A essência da verdade é a liberdade, a essência é o fundamento da possibilidade que é inerente daquilo que é admitido como conhecido. Verdade significa o velar iluminador enquanto traço essencial do ser. A questão da verdade se encontra na proposição: a

essência é a verdade da essência.

O homem é o ”guarda do ser”, mas só cumprirá está missão se souber preservar a dignidade do ser, isto é, se souber defender a sua incompreensibilidade, a sua inegabilidade, a sua transcendência sobre tudo aquilo que é puramente categorial. O homem permanece sempre só com a natureza, isto é, com o imediato; jamais poderá ele encontrar imediatamente o esse ipsum (o “próprio ser”). Mas o homem sabe que o ser dá a todo ente a “garantia do ser”; sem ela, todo ente permaneceria no nada, na privação absoluta do ser. Mas o modo pelo qual se dá este constituir-se do ente por meio do ser é coisa que não lhe é dado saber”. (Mondin, 1977)
Por Adriano Watanabe; Alessandra Bressam; Poliana P. M. Pardal


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRÃO, Bernadette. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural Ltda, 2004. (Coleção Os Pensadores).

FRANCA, Leonel. Noções de História da Filosofia. 24ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1990.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

MARCONDES, Danilo. Iniciação á Historia da Filosofia: dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. 9a ed. São Paulo: Jorge Zahar, 2006.

MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. 6a ed. São Paulo: Paulus, 1977.

SCHUTZ, Duane; SCHULTZ, Sydney. História da Psicologia Moderna. 16ª ed. São Paulo: Cultrix, 1992.

STEIN, Ernildo. Martin Heidegger: conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Nova Cultural Ltda, 2005. (Coleção Os Pensadores).

Nenhum comentário:

Postar um comentário